Autor: <span>Pedro Martins</span>

neurónios em espelho

Neurónios Espelho – Da Telepatia à Empatia

Como sabemos o cérebro é um órgão construído por e, para a relação e comunicação; e agora sabemos que os neurónios espelho são a parte do cérebro especificamente destinada a essa missão.

As primeiras experiências em símios mostraram que os neurónios espelho não se excitavam unicamente quando o símio realizava uma acção dirigida a um fim, mas também quando observava que outro símio (ou humano) a executava. Daí que se tenha definido esta nova função desta classe de neurónios com a expressão “o símio observa o símio faz” e que agora tem a definição de neurónios em espelho.

A importância desta descoberta para a compreensão da mente humana é tal que foi comparada com a representação que teve o ADN para a neurobiologia.

O que incrementou enormemente o interesse pelos neurónios em espelho foi o facto de que eles não se excitam apenas quando o sujeito observa actos motores realizados por outras pessoas, mas também quando observa expressões faciais ou escuta tonalidades vocais que manifestam emoções.

Actualmente começa-se a falar mais em “sistema em espelho” do que em neurónios espelho, pois parece que todo o cérebro faz parte deste sistema.

Gallese, Eagle e Migone (2007) falam em simulação incorporada como o processo que faz com que quando percebemos os gestos e as expressões faciais dos outros, ou escutamos o tom da sua voz, compreendemos a emoção que o outro está a experimentar, não por inferência ou analogia, mas directamente, uma vez que se produz em nós – automática e inconscientemente – um estado corporal que compartilhamos.

Em todas as esferas dos processos mentais – emoções, sensações e intenções – que sejam expressas através de actos intencionais, de expressões faciais ou da linguagem, a percepção activa nos observadores, mediante os neurónios em espelho, os mesmos circuitos neuronais que se activam no sujeito observado. Ou seja, o cérebro do observador reproduz aquilo que está a observar, estabelecendo-se assim, uma linha directa de comunicação entre sujeitos.

Merece ser salientado que os neurónios em espelho do observador não só reproduzem um acto motor, se for o caso, mas também codificam a intenção do acto, de forma que a programação neuronal no cérebro do observador cumpre-se até ao final mesmo que os últimos movimentos do acto se produzam fora do campo de visão.

O conhecimento do papel dos neurónios espelho na comunicação humana permite-nos entender muitas coisas que até alguns anos permaneciam no terreno da especulação. Entre elas estava a antiga intuição de Freud (1912) sobre a comunicação entre o inconsciente do paciente e o inconsciente do analista, o qual chegou a ser pensado como sendo telepatia.

Pelo que foi referido, sabemos que experimentar uma emoção ou observar a expressão da mesma emoção experimentada por outros excita, graças ao sistema em espelho do cérebro, os mesmos circuitos neuronais e, portanto, o observador está a viver no seu interior a mesma emoção, ainda que de maneira inconsciente. É isto que nos permite falar em empatia.

Portanto, em psicoterapia o conteúdo da comunicação do paciente e a matiz emocional transmitida através da sua voz, suas expressões faciais e gestos, estimulam imediatamente no analista/terapeuta – por simulação incorporada – os circuitos neuronais correspondentes e viverá, ainda que seja a um nível menor de intensidade subliminar ou inconsciente, as mesmas emoções que o paciente. Como é evidente, as emoções do analista que de alguma forma se transmitem através das suas respostas, tom de voz, prosódia, silêncios, atitudes e expressões faciais quando se trabalha face a face, provocam também no paciente uma simulação incorporada, de forma que se produz um ininterrupto feedback emocional entre um e outro.

Tudo isto tem, naturalmente um efeito terapêutico. Graças à simulação incorporada o analista experimenta uma emoção similar à que lhe é transmitida, mas à sua maneira, já que nem o seu cérebro nem o conjunto das suas experiências e aprendizagens são idênticas às do paciente. Portanto, em virtude deste feedback, o paciente receberá do analista uma simulação incorporada que será uma versão modificada da sua própria experiência, a qual terá um efeito regulador do seu estado emocional. A repetição contínua deste efeito regulador durante o processo terapêutico dá lugar a modificações significativas.

Adaptado de Joan Coderch
“La prática de la psicoterapia relacional”

psicoterapia depressão

A Depressão e a impossibilidade de expressar a raiva

Às vezes somos varridos por um clima de tristeza que parece não ter nenhuma causa.

Acordamos desanimados e apáticos. Falta-nos energia e um sentido.

As coisas perdem o sabor e os menores desafios tornam-se incontestavelmente pesados.

Lutamos para tentar ver sentido em qualquer coisa.

Estamos – como os médicos dizem – num estado de depressão severa.

A depressão pode estar relacionada com uma raiva que não encontrou forma de se expressar.

Uma das descobertas sobre a depressão foi encontrada em trabalhos de psicanálise.

Segundo esses  estudos a depressão pode não estar unicamente relacionada com a tristeza.

Mas ser uma espécie de raiva que não tem sido capaz de encontrar forma de expressão e nos deixa tristes com tudo e com todos.

Quando, na verdade, estamos apenas irritados com certas coisas e pessoas específicas.

Se ao menos pudéssemos entender a nossa decepção e raiva mais intimamente poderíamos, eventualmente, recuperar a nossa paz.

Como é possível estarmos profundamente zangados e ainda assim não conhecermos as causas ou o sentido do nosso aborrecimento?

No entanto, essa falta de autoconhecimento não é, em termos de nosso funcionamento mental, inteiramente surpreendente ou anómala.

Nós somos endemicamente maus para perceber a origem e a natureza de muitos dos nossos sentimentos, e não apenas no que diz respeito à tristeza e à raiva.

Mas há uma razão mais forte, pela qual podemos perder o contacto com a nossa raiva:

– fomos ensinados, provavelmente desde a infância, que não é muito agradável estar com raiva.

A raiva viola a imagem de nós mesmos como pessoas gentis e solidárias.

Pode ser muito doloroso e culpabilizante reconhecer que podemos sentir-nos furiosos e vingativos, principalmente, em relação às pessoas que amamos.

O que nos irrita também pode ser considerado absurdo.

Há pessoas que nunca se atreveram a levantar as suas vozes e amargamente tiveram de engolir as mágoas.

Talvez tenhamos sido feridos pelo tipo de coisa que pode ser vista como “insignificante” e que aprendemos a não prestar atenção porque nos imaginamos fortes e acima de sermos afectados por pequenas coisas.

Por fim, podemos não conseguir ficar zangados porque à nossa volta não assistimos às vantagens da expressão da raiva.

Podemos associar a palavra à destruição, a uma loucura tão perigosa quanto contraproducente.

Ou então vivemos muito tempo rodeado de pessoas que nunca se atreveram a levantar as suas vozes e amargamente tiveram que engolir as mágoas.

Não é a existência per se que nos deixou em baixo, mas alguns eventos particulares e actores cuja identidade perdemos de vista.

No luto transformamos a tristeza ilimitada e inominável numa dor concreta

O caminho para sair desse tipo de depressão é perceber que a alternativa não é a alegria, mas o luto.

O luto é uma palavra útil para indicar um tipo focalizado de sofrimento sobre um tipo identificável de perda.

Ao estarmos “enlutados”, transformamos a tristeza ilimitada e inominável numa dor muito mais específica:

– uma dor sobre o pai que não estava lá para nós, sobre o irmão que nos humilhou, o amante que nos traiu, o amigo que mentiu.

Não passa necessariamente por sair e confrontar estas pessoas (algumas delas podem até já estar mortas), mas reflectir sobre o que aconteceu e tomar consciência da dimensão da nossa raiva e do fardo que ela representa.

É possível que isso implique levantar alguma poeira sobre certos relacionamentos e episódios na nossa mente, mas rapidamente a vida como um todo se torna mais manejável e esperançosa.

Traduzido/Adaptado por Pedro Martins

a partir de Alain de Botton

psicoterapia daddy issues

Daddy Issues

Dizer que alguém tem “Daddy Issues” é uma maneira um pouco depreciativa de aludir a um desejo muito compreensível:

– Ter um pai que é forte e sábio, que é sensato e gentil.

Talvez com alguns defeitos, mas sempre justo e, principalmente, sempre do nosso lado.

É muito compreensível querer ter alguém assim nas nossas vidas, especialmente em momentos difíceis.

Na primeira infância somos particularmente indefesos e necessitamos de protecção.

Somos frágeis e não conseguimos entender o mundo. À nossa volta tudo é novo e fora do nosso controle.

A “fome” de um pai é – nas circunstâncias – totalmente natural.

Um homem adulto, como facilmente se pode compreender, é impressionante para uma criança pequena.

Parece que sabe tudo: a capital da Nova Zelândia, como conduzir um carro, como dizer algumas palavras numa língua estrangeira, como descascar um abacate.

Vai para a cama misteriosamente tarde e levantam-se antes de nós.

Na piscina podemos colocar os braços ao redor do seu pescoço e descansar nas suas costas.

Ele leva-nos nos seus ombros e ajudam-nos a tocar o tecto. É muito além de surpreendente – quando se tem 4 anos…

É muito compreensível desejar ter um pai forte e sábio, sensato e gentil.

O paradoxo dos “daddy issues” é que aqueles que os têm são  (quase sempre) pessoas que não tiveram pais muito bons quando eram pequenos.

Talvez o pai fosse forte, mas em última análise, cruel, intimidador ou desinteressado.

Talvez ele estivesse mais interessado noutro irmão ou no seu trabalho.

Talvez ele estivesse mais afastado, saísse de casa depois de um divórcio ou tenha morrido jovem.

O anseio adulto por um pai não é o resultado de ter tido um bom pai na infância, mas uma consequência de sentimentos de abandono.

O anseio por um pai pode inclinar-nos para alguns padrões de comportamento complicados.

Por mais maduros e cépticos que possamos ser na maioria das áreas, em relação à ideia de protecção masculina permanecemos um pouco como a criança pequena que nós fomos, pois não nos foi permitido amadurecer nessa área.

Secretamente ansiamos por um homem que possa cumprir o papel que ficou por desempenhar.

Ele vai tomar conta de nós. Ele vai tomar decisões, vai ser forte e certeiro, e fazer os nossos problemas desaparecerem.

Ele vai ficar com raiva e agressivo com quem nos faz mal; Ele terá orgulho em nós e amar-nos como nós somos.

A nossa necessidade faz com que procuremos um pai nas amizades, no trabalho e, não menos importante, na política.

O anseio por um pai pode inclinar-nos para alguns padrões de comportamento complicados.

O perigo é que esses “pais” podem, no final, prejudicar gravemente a nossa confiança, pois ninguém tem o poder de apaziguar o tipo de anseios que trazemos.

Eles podem saber muito bem o que queremos e, ingenuamente ou cinicamente prometer preencher essas necessidades, mas gradualmente (por vezes demasiado tarde) percebemos que eles têm mil defeitos, como todos nós.

Podemos perceber que eles não têm uma atitude assim tão nobre. Que os nossos inimigos não se foram.

Que eles não nos podem ajudar. Que não há de facto dinheiro suficiente no mundo para fazer o que prometeram. E que – na verdade – eles realmente não nos amam.

A fantasia da figura “pai” da idade adulta não é de facto um bom pai por uma razão:

– Verdadeiramente, os bons seres humanos sabem que não são tão poderosos e estão felizes em admitir o facto de forma clara e honesta, logo que estamos prontos para receber a notícia – o que acontece normalmente quando temos cerca de doze anos de idade e conscientes de novos poderes e capacidades.

Um bom pai (além dessa idade) não finge ser todo-poderoso.

Confessa que não pode resolver todos os nossos problemas e não pode magicamente salvar-nos de uma infinidade de perigos, não importa o quanto eles o desejem.

O bom pai decepciona-nos logo que somos fortes o suficiente para suportar a realidade.

Por amor, eles desfazem a ideia de que poderia haver um pai perfeito e ideal. Eles tentam o melhor que podem para nos ajudar a crescer.

Secretamente ansiamos por um homem que possa cumprir o papel que ficou por desempenhar.

Se encontrarmos alguém que tem “daddy issues”, a tentação é dizer-lhes para “crescer”, gozar com eles e – em particular – brincar com a figura “daddy” com a qual se podem ter identificado.

Esta não é uma estratégia muito sábia nem muito amável.

Simplesmente tende a enraizar a devoção – porque, sempre que somos atacados, naturalmente, sentimos mais do que nunca a necessidade de protecção de um pai idealizado.

O que realmente precisamos para ultrapassar os “daddy issues” é algo mais parecido com as acções de um pai genuinamente bom:

– Alguém que verdadeiramente reconhece o nosso sofrimento e os nossos medos, que profundamente quer o que é melhor para nós e não é relutante em dizer isso.

Mas que ao mesmo tempo – por amor – quer ajudar-nos a aceitar um mundo confuso e decepcionante.

Um homem que – por amor – nos encorajará a sermos independentes e, especificamente a não fantasiar que qualquer um, por mais imponente que seja, pode fazer o impossível.

Os bons paizinhos nos permitem suportar a verdade de que, no final, não existem “daddys”.

Traduzido e adaptado por Pedro Martins
a partir de Alain de Botton

psicólogo

A esperança

Para muitos de nós a esperança teve um custo muito elevado para voltarmos a apostar nela.

É possível que tenhamos sido expostos a grandes decepções quando éramos mais jovens ou num momento em que estávamos muito frágeis para lidar com elas.

Talvez esperássemos que os nossos pais ficassem juntos mas separaram-se. Ou esperávamos que algo que desejávamos muito acontecesse, mas não aconteceu. Talvez após nos atrevermos a amar alguém e, depois de algumas semanas de felicidade, tudo tenha terminado.

Isso acabou por criar em nós uma profunda associação entre esperança e risco. Daí que possamos viver de forma mais tranquila a decepção, e com receio a esperança.

A solução é lembrarmo-nos que podemos, apesar dos nossos medos, sobreviver à perda da esperança.

Já não somos aqueles que sofreram as decepções que nos levaram a sermos estas pessoas tímidas. As condições que forjaram os nossos receios já não correspondem à nossa vida actual.

O inconsciente pode, como é seu costume, estar a ler o presente através das lentes usadas no passado, mas o que tememos que possa acontecer – na verdade – já aconteceu.

Estamos a projectar no futuro uma catástrofe que pertence a um passado onde nos vimos impossibilitados de responder adequadamente.

Para além disso, o que fundamentalmente distingue a idade adulta, da infância, é que o adulto tem acesso a mais fontes de esperança do que a criança.

Podemos sobreviver a uma desilusão aqui e ali, porque nós já não vivemos numa pequena província, delimitada pela família, o bairro e a escola.

Nós temos um mundo inteiro onde podemos nutrir-nos de uma variedade de esperanças que, inevitavelmente, alguma pode resultar numa desilusão, mas – e essa é a grande diferença – apenas ocasional.

 

Traduzido e Adaptado por Pedro Martins

a partir de Alain de Botton

psicofármacos

Psicofármacos – É uma questão de custos e benefícios

Quando no âmbito do meu trabalho é solicitada a minha opinião sobre a medicação, a resposta que dou, e suponho, continue a dar, é a mesma: é tudo uma questão de custos/benefícios.

O ser contra ou a favor parece-me uma forma redutora de abordar a questão.

Pode, e deve-se discutir a representação que tem nos dias de hoje a medicação como forma de viver os problemas. Dado que o crescimento desenfreado do consumo não parece abrandar, é  urgente fazê-lo.

Isto vem a propósito de mais um estudo sobre psicofármacos – Benzodiazepinas: diazepam (Valium), alprazolam (Xanax) – publicado no British Medical Journal.

Na generalidade, os estudos que não são feitos pela indústria farmacêutica, apresentam resultados que devem deixar qualquer um apreensivo, não só quanto à sua eficácia, como, no que diz respeito aos efeitos secundários. Isto, por si só, já daria uma interessante discussão.

A outra questão é saber se há indicação para tratamento psicofarmacológico. Em grande parte dos casos sabemos que não. Como resultado, portugal apresenta taxas muito altas (e crescentes) deste tipo de fármacos. Uma vez que esta medicação tem muitos efeitos secundários, é necessário que seja prescrita com muito rigor.

Segundo o que me é dado a entender, aos pacientes não é colocada a questão do custo/benefício para poder escolher livremente. Nem tão pouco, se existem alternativas. Assim, sem o esclarecimento que lhe é devido, acaba por tacitamente aceitar o lhe é proposto.

As boas práticas sobre o consumo de Benzodiazepinas, como refere a agência europeia do medicamento, não deve ultrapassar algumas semanas, mas como é sabido elas ultrapassam muitas vezes um ano e em alguns casos há um consumo crónico.

É fundamental informar os pacientes do custo/benefício e das alternativas existentes.

(post publicado originalmente em 10.10.12)

clínica

Porque a verdade sobre nós pode ser muito difícil…

Porque a verdade sobre nós pode ser muito difícil, somos todos peritos a enganar-nos.

As nossas técnicas são abrangentes, diabólicas e, muitas vezes, extremamente criativas.

Aqui estão algumas das principais manobras que empregamos para atirar areia para os nossos próprios olhos:

DISTRACÇÃO / DEPENDÊNCIA
Podemos encontrar várias coisas que tenham a força suficiente para manter os nossos pensamentos longe dos inquietantes conflitos internos.

O trabalho é uma das favoritas, as notícias são outra, e a terceira, o álcool.

Não apreciamos muito estas actividades em si mesmo.

Nós gostamos delas porque têm a capacidade de nos manter afastados do que tememos.

EXULTAÇÃO
Uma tristeza que não somos capazes de admitir é muitas vezes coberta com doses exageradas de contentamento.

Em comparação, a nossa felicidade não é tão grande quanto a nossa incapacidade de nos deixarmos tocar pela tristeza.

Assim, desenvolvemos uma teimosa tendência para dizer que está tudo muito bem: “Está tudo maravilhoso, não está?!”

A insistência nesta narrativa não deixa espaço para ideias e sentimentos contrários.

Recorremos a várias coisas que têm a força suficiente para manter os nossos pensamentos longe dos inquietantes conflitos internos. O trabalho é uma das favoritas, as notícias são outra, e a terceira, o álcool.

IRRITABILIDADE
A Negação da raiva em relação a uma determinada pessoa ou situação, muitas vezes transforma-se numa irritabilidade generalizada.

Esta mentira é tão bem sucedida que na verdade ficamos realmente impedidos de perceber o que se está a passar.

Acreditamos piamente que estamos a perder a paciência com as coisas:

“Alguém mudou o comando da televisão de sítio, não há ovos no frigorífico, a conta da luz é ligeiramente maior que o esperado…”

Estamos tão fixados neste funcionamento que não conseguimos considerar outras possibilidades.

Os nossos cérebros estão tão cheios de ser tudo tão frustrante e irritante que habilmente não deixamos espaço para nos focarmos na verdadeira questão.

DENIGRAÇÃO
Dizemos a nós mesmos que, simplesmente, não nos importamos com nada.

Seja o amor, a vida profissional/intelectual ou o quotidiano.

E, estamos muito empáticos com a nossa falta de interesse e desprezo pelas coisas.

Fazemos um grande esforço para torná-lo muito claro para os outros e para nós mesmos – estamos completamente despreocupados.

Não há margem para erro. Nós, simplesmente, não nos importamos.

“Eles são todos estúpidos. É um desperdício de dinheiro. Que idiotas.”

Podemos continuar com incessantes explicações altamente respeitáveis e argumentos valiosos sobre as razões de nada nos impressionar.

Sempre muito racionais e objectivos.

Somos mais eloquentes e espertos em eliminar qualquer ideia de que podemos estar interessados em algo, do que a defender tudo o que realmente amamos.

CRITICAR / DESAPROVAR
Nós crescemos a censurar e a desaprovar profundamente certo tipo de comportamentos e de pessoas.

O que não admitimos é que somos tão condenadores porque necessitamos afastar da consciência que uma parte nossa, de facto, gosta daquilo que condena.

Nós atacamos certos gostos sexuais como sendo totalmente depravados – precisamente por sabermos que os compartilhamos em algum lugar dentro de nós.

Ficamos encantados quando determinadas pessoas são apanhadas ou envergonhadas na imprensa; “o que eles fizeram foi totalmente horrível”, insistimos, na nossa indignação que esconde qualquer risco de manchar a conexão entre nós e eles.

Quando os nossos sentimentos ficam muito confusos, na verdade, acabamos por passa-los para outra pessoa.

Ao invés de aceitá-los como os nossos, convencemo-nos que eles só existem nos outros – que nós atacamos e censuramos por os terem.

A Negação da raiva em relação a uma determinada pessoa ou situação, muitas vezes transforma-se numa irritabilidade generalizada.


DEFENSIVIDADE

Quando surge algo de indesejável e nos coloca numa situação complicada, podemos recorrer a uma estratégia altamente eficaz: ficar ofendido.

Um colega tenta dar-nos um ponto de vista, mostrar-nos outro ângulo, mas é instantaneamente acusado de indelicadeza e de arrogância.

Alguém nos aponta algo e ficamos furiosos porque estão a colocar-nos em cheque em algo difícil para nós.

O sentimento de ofendido ocupa-nos por completo.

Deixamos de prestar atenção à situação em si, que apesar de ser correcta é indesejável. Desta forma ficamos impedidos de lidar com ela.

CINISMO/DESESPERO
Estamos tristes com algo mas confrontarmo-nos com isso seria muito difícil.

Assim, generalizamos e universalizamos a tristeza. Não dizemos que o X ou o Y nos deixou tristes.

Dizemos que tudo é terrível e todo mundo é horrível.

Vamos espalhar a dor – de modo a que a nossa dor particular e com causas concretas não possa ser alvo da nossa atenção.

A nossa tristeza é, dessa forma, afastada e diluída no mundo.

Traduzido/Adaptado por Pedro Martins
a partir de Alain de Botton

psicólogo clínico psicoterapeuta

Terapia encenada

Maria tem 32 anos e uma filha de 7. Maria está constantemente a sufocar a filha com as suas preocupações injustificadas, da mesma forma que a mãe a sufocava a ela. Reconhece isso, mas sente que não consegue mudar.

Força-se a ser diferente, acabando muitas vezes por ser um híbrido materno sem consistência afectiva. Procura a terapia com a esperança de se tornar uma mãe melhor do que a sua, e com isso poder desfrutar (em vez de contaminar) da relação com a filha.

Juntos, Maria e eu exploramos a sua identificação com a mãe e a incapacidade de separar-se dela. Através de novas identificações (não tóxicas) é possível avançar lentamente.

A distância não é corte, é continuidade (de existir).

Com o decorrer da psicoterapia sente menos necessidade das minhas intervenções. Começa a poder fazer escolhas e a reconhecer as opções como sendo suas. Essa liberdade crescente permite-lhe iniciar pequenos percursos (dentro e fora da terapia), com esforço, mas com igual prazer.

O desenvolvimento da capacidade de compreender e aceitar os relacionamentos nas suas múltiplas dinâmicas levam-na a usufruir da ligação com outros e em particular com a filha.

Apanhada na rede da transmissão intergeracional, onde de pais para filhos se perpetua certo tipo de funcionamento mental, parece agora, mais perto, de pôr fim a esse ciclo.

clínica

Psicoterapia vs. Fast-Therapy

Psicoterapia versus Fast-Therapy

Como terapeuta sou procurado por pessoas que têm um problema concreto para resolver, outras que se encontram num sofrimento agudo, mas também sou contactado por muitas que não estão satisfeitas com a forma como a vida corre.

São pessoas que tendo condições para ter uma vida melhor, não conseguem usufruir das relações afectivas, do estatuto profissional conquistado ou da situação financeira desafogada. Neste caso procuram na psicoterapia ajuda para compreender o seu mal-estar, o que está “errado” com elas.

Também há quem procure na terapia uma forma rápida de livrar-se do mal-estar. Na versão fast-therapy, não há muito espaço para questionar nem para compreender. Desejam libertar-se com a maior rapidez e de preferência, sem reflexão, daquilo que as faz sofrer.

Bastam cinco minutos para enumerarmos várias contrariedades, receios e angústias que ultrapassámos. Coisas que precisaram de tempo. Coisas que fazem da vida, aquilo que ela é, e, de nós, aquilo que somos.

O meu pai guardava com algum zelo uma bola de futebol que trazia da sua adolescência, até que um dia, muito menos zeloso, entre chutos e cabeçadas, cheguei a casa sem ela. Não me disse grande coisa, mas a tristeza nos olhos dele perdurou em mim uma eternidade. A culpa desmesurada que sentia ultrapassava a dimensão do que uma criança deve sentir numa situação daquelas. Provavelmente, a culpa não vinha só da perda da bola, mas era a parte mais visível.

Se pensarmos porque nos sentimos culpados mais facilmente ultrapassamos os sentimentos de culpa. Quando deixamos de nos interrogar estamos a paralisar o processo contínuo de crescimento, e a perder a oportunidade de retocar aspectos da nossa personalidade.

Aquela bola não volta mais, mas poder olhar para o meu pai sem me sentir culpado, poder jogar com ele com outra bola, – que não substitui a antiga, mas que está investida do mesmo afecto -, permite que o “jogo” possa continuar. Após um trambolhão, levantarmo-nos e voltar-mos ao jogo, é tudo o precisamos.

 

psicoterapia

A escolha de um terapeuta no Google

As ondas provocadas pelo artigo publicado no New York Times – What brand is your therapist?, onde Lori Gottlieb dá conta das dificuldades no exercício da sua profissão de terapeuta, têm-se feito sentir na comunicação social e noutros espaços ligados aos “psis”.

Após a sua formação Lori tinha a expectativa de poder estabelecer-se, iniciar a sua prática clínica e colher os frutos do investimento pessoal e financeiro: satisfação no trabalho e remuneração justa. Não foi preciso muito tempo para que as suas expectativas fossem goradas pela falta de pacientes que, concluiu, se alargava até aos terapeutas mais antigos e experientes. Isso, devia-se em parte, às seguradoras que tinham deixado de reembolsar os gastos com as terapias.

Uma nova realidade esperava por Lori; Branding consultants for therapists. Vários colegas seus tinham recorrido ao auxílio de branding consultants para através de estratégias de marketing conseguirem distinguir-se dos concorrentes, tornando-se visíveis ao grande público.

No meio de um conflito entre questões técnicas e éticas acabou por procurar um destes profissionais. Segundo ele, as pessoas já não estavam interessadas nas terapias convencionais, desejavam soluções rápidas e fáceis para os seus problemas e, estavam susceptíveis a propostas mais atraentes. Os terapeutas generalistas – old-school – estavam ultrapassados e o que atraía as pessoas eram especialistas, por exemplo, em cyberbullying e sexting.

Para além disso, para evitar ser considerado frio e distante, era sugerido que o terapeuta, juntamente com o anúncio da actividade profissional, expusesse a sua vida pessoal na redes sociais, principalmente os seus problemas, para que os pacientes se identificassem com eles e assim criassem uma proximidade.

O artigo de Lori é extenso e merece uma leitura atenta porque foca aspectos até aqui pouco abordados e com enormes implicações. Acredito que a escolha de um terapeuta no Google passe pela capacidade de sedução da mensagem, seja através da falsa intimidade ou pelo milagre prometido, e, quiçá, uma atraente foto da terapeuta numa praia das caraíbas, mas temo que o processo nasça inquinado.

Se o terapeuta estiver mais interessado nos seus proveitos financeiros do que no paciente, então, aconselho uma profissão mais leve e rentável. Isto não implica que se ignore o drama que se está a colocar aos terapeutas, que tanto investiram na sua formação para estarem aptos ajudar e se vêem numa situação desesperante. No entanto, há limites, não vale tudo.

Os terapeutas, para além de serem pessoas como as outras e terem que pagar as suas contas, têm também a responsabilidade de impedir, no mínimo, não contribuir, para que as psicoterapias passem a ser vistas como fórmulas/produtos de consumo, propiciadores de bem-estar imediato e constante, negando a realidade numa atitude delirante.

Desde os tempos idos do início das psicoterapias, mérito seja dado a Freud, até hoje, várias mudanças se verificaram. Actualmente, sabe-se que o poder “curativo” está na relação – autêntica – com o outro. Os estudos com bebés mostram que desde o nascimento, aquele pequeno “Ser” procura o outro – a relação –. É a partir do outro que verdadeiramente se nasce e se faz o homem.

Mascarada de múltiplas formas, lá está, a patologia dos nosso dias – o vazio -. A ilusão do preenchimento para esconder a incompletude fornecida por qualquer gadget é efémera, dura até sair o modelo seguinte.

As responsabilidades não devem ser atribuídas exclusivamente à publicidade que vende prazer imediato e a fantasia de que tudo é possível com um cartão de crédito, elas são também de todos nós que fomos sendo alegremente corrompidos pelo desenfreado consumismo como forma de alienação.

Se tiver que ficar para trás por não acompanhar os novos tempos, ficarei. Ficarei com as minhas convicções, com aquilo que acredito e do lado certo da história.

(Post publicado originalmente em 2012)

A ansiedade, a bioquímica e a interpretação da experiência. Pedro Martins Psicoterapeuta

A ansiedade, a bioquímica e a interpretação da experiência

Recentemente estive a conversar com um jovem sobre a sua ansiedade, que era sentida por ele como muito intensa.

Quando lhe perguntei acerca do que seria a sua ansiedade ele disse que não sabia.

Quando lhe sugeri que podíamos tentar explorar sobre o que se tratava a ansiedade ele disse que era tão intensa que devia ser bioquímica.

Isso significava que para ele a ansiedade não podia ser entendida como sendo psicológica, mas tinha que ser tratada como parte da sua “doença”.

Eu reconheci que a ansiedade envolve bioquímica, mas mostrei-lhe que também existem experiências e interpretações das experiências que despoletam reacções químicas.

Por exemplo, se alguém aponta uma arma na nossa direcção, provavelmente vamos sentir um intenso processo bioquímico dentro de nós mas a experiência não seria “apenas bioquímica”.

Se as pessoas procuram compreender (se) e trabalhar os seus problemas emocionais é essencial que tenham curiosidade sobre as suas experiências/vivências e possam reflectir sobre o que as pode ter desencadeado.

Se alguém aponta uma arma na nossa direcção, provavelmente vamos sentir um intenso processo bioquímico dentro de nós mas a experiência não será “apenas bioquímica”.

Por vezes essa curiosidade ou reflexão trás importantes informações sobre essas experiências.

E pode, por vezes, permitir a identificação do que fez despontar a ansiedade e dessa forma possibilitar a sua resolução.

Claro que situações de ansiedade e de depressão, normalmente têm origem em experiências muito mais complexas, e implica uma maior reflexão.

Vivemos numa sociedade que não gosta da complexidade e da reflexão profunda.

Desta forma temos um viés na direcção de pensar que as emoções perturbadoras não fazem sentido e rapidamente concluir que se trata apenas de uma questão química.

Este viés faz-nos pensar que não devemos vivenciar estados emocionais perturbadores, por isso temos tendência a afastá-los ou a dissociá-los o que torna mais difícil entendermos as causas e decidir o que fazer com eles.

Aqueles que comercializam drogas psiquiátricas aproveitam este viés cultural para oferecer uma pseudo-explicação sedutora, de que os estados emocionais indesejáveis ​​e que não são facilmente resolvidos devem ser o resultado de um “desequilíbrio bioquímico” ou algum outro problema biológico.

A nossa cultura tornou-se fortemente influenciada por esta forma de ver as coisas, ao ponto da maioria acreditar que os problemas emocionais graves para os quais não há uma explicação fácil devem ser causados por uma falha bioquímica, em vez de ser algo que pode ser potencialmente compreendido e resolvido.

O triste resultado deste esforço de marketing tem sido o drástico agravar da tendência cultural para evitar ouvirmo-nos uns aos outros e a nós mesmos.

Qualquer problema mental ou emocional que não pode ser resolvido rapidamente é “bioquímico” e não vale a pena sequer tentar entender, pelo contrário, devemos partir logo para as drogas.

Assistimos  ao drástico agravar da tendência cultural para evitar ouvirmo-nos uns aos outros e a nós mesmos.

Quando as pessoas estão traumatizadas ou quando experimentam conflitos que excedem a sua capacidade de lidar com eles dá-se uma dissociação.

Quando a dissociação é o problema, há uma necessidade de trabalhar no sentido de uma maior compreensão e integração.

No entanto, o efeito da crença no desequilíbrio bioquímico vai aumentar a dissociação.

Ao invés de se questionar acerca das origens da ansiedade ou da depressão, por exemplo, a pessoa convencida de que é um desequilíbrio bioquímico procura apenas livrar-se dela sem tentar compreender a sua origem interna.

Quando as pessoas estão convencidas que os seus problemas são bioquímicos têm menos propensão em explorar o problema com outras pessoas ou com um terapeuta.

O resultado final desta desinformação provocada pelo marketing pode ser extremamente iatrogénica, e ser uma das causas primárias, juntamente com os efeitos secundários a longo prazo das drogas, do agravamento da saúde mental.

Traduzido/adaptadoa partir de “It’s not just drugs; Misinformation used to push drugs can also make mental problems worse” – Ron Unger

Pensamento mágico. Pedro Martins Psicólogo clínico Psicoterapeuta

Pensamento Mágico

O termo pensamento mágico designa o pensamento que se apoia numa fantasia de omnipotência para criar uma realidade psíquica …

Identificação Projectiva. Pedro Martins - Psicólogo Clínico Psicoterapeuta

Identificação Projectiva

Em situações desconfortáveis com outra pessoa, por vezes é difícil saber de onde vem o desconforto, de nós ou do outro. …

Adoecer Mentalmente. Pedro Martins Psicólogo Clínico Psicoterapeuta

Adoecer Mentalmente

Adoecer Mentalmente: Durante bastante tempo podemos conseguir lidar suficientemente bem com as coisas. Conseguimos ir trabalhar …