A ansiedade é uma experiência humana universal, embora, para cada pessoa essa experiência seja diferente.
No mundo pós-moderno o termo “ansiedade” generalizou-se, assim como “stress” e “depressão”. Em psicologia essas palavras têm definições específicas, embora frequentemente debatidas.
Mas quando evocada numa conversa do dia-a-dia, a palavra “ansiedade” significa tantas coisas, que quase perde o seu significado. Alguém dizer: “eu tenho ansiedade”, tal como dizer: “eu tenho fome”; é, somente, parte da condição humana.
É diferente dizer, por exemplo, “estou a paralisar com a ansiedade”. Essa afirmação diz-nos algo sobre a ansiedade que é experenciada. Diz-nos que para a pessoa a ansiedade se tornou dolorosa ou um obstáculo. Mas ainda não nos diz qual é o problema.
“Ansiedade” é um vocábulo muito amplo, porque inclui diferentes tipos de reacções, pensamentos, sentimentos e experiências. Assim, significará coisas muito diferentes para cada pessoa. Não admira que possa ser confuso compreendê-lo dentro de nós mesmos, e, nem pensar em tentar entender as experiências de ansiedade de outras pessoas!
Mas há algumas coisas que nos ajudam a entender melhor a ansiedade. Uma dessas coisas é perguntar: o que se está a recear? O que preocupa mais a pessoa? Que dor, perda ou infelicidade está a tentar evitar?
Um outro conjunto de questões está mais relacionado com a ansiedade propriamente dita. Então, devemos perguntar, como funciona a ansiedade – especificamente para esta pessoa? Que funções tem? São positivas ou negativas? É útil de alguma forma? Em que casos é inútil?
O valor do conhecimento não pode ser subestimado. Se entendermos mais profundamente o que está a acontecer com as nossas próprias emoções e pensamentos, estaremos numa posição melhor para lidar de forma eficaz e atender às nossas necessidades de uma maneira autêntica e satisfatória.
Antes de falarmos sobre os diferentes tipos de ansiedade, vamos para já definir esse termo abrangente.
Em primeiro lugar, há uma grande diferença entre o medo e a ansiedade.
O medo é uma emoção que experimentamos quando somos confrontados com uma ameaça imediata à nossa vida, saúde, valores ou objectivos.
O medo é o que sentiríamos se estivéssemos a atravessar a estrada e de repente viesse um carro a acelerar na nossa direcção a grande velocidade.
O medo está relacionado com um perigo no aqui e agora e a ansiedade com um perigo no futuro.
A ansiedade, por outro lado, é uma emoção que diz respeito a um receio que experimentamos quando antecipamos um perigo que pode surgir no futuro. Por exemplo, quando estamos a estudar para um exame muito importante e ficamos com receio de ter uma má nota.
A ansiedade depende de cogitar situações futuras indesejáveis ou dolorosos.
Simplificando, o medo é sobre o perigo no aqui e agora e a ansiedade é sobre o perigo no futuro.
A experiência da ansiedade é diferente para cada pessoa, mas algumas tendências comuns são: uma preocupação grande e/ou constante; pensar que não se está seguro; a expectativa de algum tipo de ameaça ou dor.
Algumas pessoas experimentam sintomas fisiológicos de ansiedade, tais como dificuldade em respirar, um aperto no peito e palpitações, transpiração, dores de cabeça, enjoo e vómitos, tonturas e sensação de desmaio.
ANSIEDADE FUNCIONAL
Vamos começar com um tipo de ansiedade que nos pode ajudar; A ansiedade funcional.
Esta afirmação pode ser surpreendente, pois uma das tendências populares e pouco felizes é tentar “livrar-se” da ansiedade, administrá-la ou medicá-la para que desapareça.
Essa abordagem implica que a ansiedade não tem valor, que deve ser exorcizada. Isso seria como tentar livrar-se da fome ou da sede (pode imaginar as consequências desastrosas disso).
A ansiedade não é intrinsecamente boa ou má, é algo que quase todos os seres humanos experimentam.
A ansiedade, como a fome e a dor, pode não ser confortável, mas muitas vezes pode ter um propósito.
Se não sentimos fome, podemos esquecer-nos de comer e, portanto, podemos ficar desnutridos ou até mesmo morrer.
Se não sentirmos qualquer tipo de ansiedade, podemos agir de forma muito impulsiva, assumir muitos riscos, agir sem pensar em relação aos outros, deixar de antecipar as consequências das nossas acções ou futuros problemas.
Um bom exemplo de ansiedade funcional e sadia é aquela vozinha que entra em acção quando se aproxima a data de um exame e diz: “O exame está a chegar. Ainda não começaste a estudar. Se não começares a estudar, vais andar muito nervoso com a falta de tempo.”
Esse tipo de preocupação pode levá-lo a pegar nos livros, levando ao resultado que deseja – estudar para o exame com tempo suficiente para poupar o stress da última hora, ir confiante e com o conhecimento suficiente solidificado para que corra bem.
A ansiedade funcional é essencialmente a ansiedade que nos ajuda a avançar em direcção aos nossos objetivos.
Permite antecipar, planear e visualizar obstáculos – reais – aos nossos objectivos e encontrar maneiras de lidar com eles ou superá-los.
A ansiedade funcional é desconfortável, mas não nos vai manter acordados a noite toda ou tornar-se num frenesim de pensamentos obsessivos.
A ansiedade funcional diminui quando um problema real (do futuro próximo) é resolvido ou o plano para resolvê-lo está implementado na nossa mente.
É como um bom amigo que conhece os nossos objectivos e necessidades, mas que sabe que às vezes nos distraímos e afastamos do caminho.
A ansiedade saudável é um amigo que vive dentro da nossa mente e que gentilmente nos recorda o que é importante, nos ajuda a voltar aos trilhos e que se afasta quando já não é necessário.
Para resumir, a ansiedade funcional:
- É proporcional à situação ou evento
- Ajuda-nos a planear, preparar e agir
- Reassegura-nos.
- Acalma quando o problema é resolvido ou quando o objectivo é alcançado
ANSIEDADE SITUACIONAL
A ansiedade situacional parece incongruente, mas pode ter uma função.
A partir daqui, as coisas ficam mais complicadas. Afinal, somos criaturas complexas!
Pensemos neste cenário fictício, mas baseado em situações que acontecem em casos clínicos concretos: A paciente descreve os vários ataques de pânico que teve nas últimas semanas. Isso nunca lhe tinha acontecido e foi aterrorizador. De repente ficou sem fôlego, com tonturas e com o coração a bater muito. Pensou que estava a ter um ataque cardíaco.
Ao falar da sua experiência tornou-se claro que os ataques de pânico só ocorreram à noite, quando ela e o marido discutiam sobre as prioridades do trabalho e da vida familiar.
De seguida começa a descrever as dificuldades financeiras com que a família se tem deparado nos últimos anos e que o seu marido arranjou um segundo emprego para ajudar a pagar as contas.
Em virtude disso ele passou muito menos tempo em casa. Ela fala sobre a distância que se está a criar entre os dois e que “nunca têm nenhum tempo de qualidade juntos.”
O primeiro ataque de pânico aconteceu depois do marido lhe ter dito que teria de fazer horas extras durante vários meses porque um colega estava doente.
Os ataques de pânico são o problema nesta situação?
À primeira vista, parece assim. O pânico foi repentino e assustador. À medida que a história se desenrola, no entanto, parece que os ataques de pânico, embora dolorosos, são uma reacção a outro problema.
os ataques de pânico podem ser a maneira de a mente alertar a pessoa para o que está acontecer na sua vida.
De certa forma, os ataques de pânico nessa situação são como um sinal de alerta para o perigo do relacionamento conjugal se desintegrar.
Para a maioria das pessoas, essa ameaça é muito desestabilizadora.
Noutras palavras, às vezes, os ataques de pânico podem ser a maneira de a mente alertar a pessoa para o que está acontecer na sua vida: na família, no trabalho ou num relacionamento.
Algo pode ter saído do trilho. Talvez os objectivos da pessoa estejam a ser bloqueados, ou necessidades importantes não estejam a ser consideradas. Talvez sinta que está iminente uma perda, um problema de saúde ou algum outro aspecto importante da sua vida.
Neste caso, se não fossem os ataques de pânico, a paciente não teria a oportunidade de reflectir sobre o estado do seu relacionamento com o marido, perdendo também a oportunidade de tentar abordar os problemas da relação.
O pânico é essencialmente a ansiedade no seu nível mais intenso.
Às vezes, o pânico é como um alarme de incêndio que dispara a meio da noite. É claro que você não gosta de ter que sair da cama, mas está convicta que é bom ter um alarme para o dia em que um fogo possa ser real.
A ansiedade situacional é como o animal de estimação interno que, de repente, começa a miar muito alto, mas apenas porque o fogão está em chamas. O problema não é o miado – é outra coisa. Mas o miado chama-nos a atenção.
Resumindo, a ansiedade situacional é essencialmente uma ansiedade sadia e funcional que é expressa por um canal diferente do canal de origem e por isso pode ser difícil estabelecer uma conexão.
Pode ou não ser proporcional à situação, contexto ou evento. Por exemplo, pode acontecer quando você está a dormir, o que geralmente é uma situação bastante segura.
Pode ajudar-nos a planear, preparar e agir, mas também pode ser confuso se não tivermos certeza do problema para o qual está apontar.
Quando se descobre para que problema a ansiedade está apontar, pode ser uma ajuda preciosa para resolver a questão.
COMPREENDER A ANSIEDADE (PARTE II)
COMPREENDER A ANSIEDADE (PARTE III)
Adaptado por Pedro Martins a partir de: “Understand Anxiety” – Alina Sotskova