A função do dinheiro em Psicoterapia
Luciano Lutereau refere que o dinheiro na psicoterapia* tem uma função particular. O pagamento de uma sessão não corresponde à simples troca de um honorário por um serviço. O tempo não pode ser comprado.
O pagamento da psicoterapia não corresponde à mera troca de um honorário por um serviço porque o tempo não pode ser comprado.
Lembro-me de uma situação em que um homem, em certa ocasião, queria incluir a sua psicoterapia nos seus bens de consumo (era um homem rico) e disse: “Se eu aqui pago…” e eu respondi ” O que está a pagar? Está a pagar por uma coisa certa, mas creio que não saiba do que se trata; mas pelo meu tempo não é, vale mais do que uma fortuna e não o dou a troco de nada, mas porque eu quero”.
Dar tempo é dar o que não se tem. Falta sempre tempo, por isso dar tempo afasta a terapia da questão monetária, porque, antes de mais, o terapeuta oferece amor.
A relação com o terapeuta é uma relação amorosa, como qualquer outra. Alguns pacientes começam a irritar-se, em determinados momentos, com o uso de dinheiro para pagar as sessões. Eles sentem que o amor se degrada (e, portanto, às vezes incluem algum outro presente para que o dinheiro não seja tudo: um livro, um vinho ou um simples “obrigado” para dizer adeus).
A atitude do obsessivo é o oposto: ele gosta dessa degradação. E, assim, procura depreciar o amor de que se sente dependente. É possível receber amor sem sentir dependência? Não é o paciente que ama, mas o terapeuta. Eventualmente pode acontecer que o paciente desencadeie uma forma de amor (e não apenas a paixão) pelo terapeuta, mas, nestes casos, é uma defesa contra o amor do terapeuta.
Uma certa forma de gratidão também pode ser entendida como defesa. Quando um paciente diz: “com tudo o que eu lhe devo”, temos uma questão a resolver, pois a terapia pode encaminhar-se para algo que a mãe lhe disse: “tudo que eu fiz para ti”.
A psicoterapia vai em sentido contrário dessa gratidão. Por isso é que o dinheiro é necessário. A função do dinheiro na terapia é parcializar a dívida que se sente com o amor do terapeuta. E é desejável que a dívida seja paga com dinheiro, porque se não for paga em dinheiro, terá custos mais elevados para paciente e terapeuta.
Assim pode entender-se porque é necessário, eventualmente, o aumento dos honorários. Não é uma indexação de acordo com a inflação do país, mas a alteração (que nem sempre é um aumento, também pode ser uma diminuição) tem como lógica intervir na dívida para com o terapeuta.
Vejamos outras situações: aqueles que, por vezes, fazem terapia sem pagar, e voltam um pouco mais tarde para nos pagarem. O dinheiro está a queimar-lhes nas mãos! Porque se não pagarem com dinheiro, temem ser capturados pelo amor do terapeuta. Por isso se compreende que alguns pacientes não possam suportar ter uma dívida com o psicoterapeuta, mas também existem outros pacientes que precisam dela!
Numa psicoterapia analisa-se a posição do paciente a respeito do amor do psicoterapeuta. Suas formas defensivas de responder a esta oferta (porque todos os terapeutas trabalham de graça!), e como se concretizam essas defesas através do pagamento (que podem ser em dinheiro ou equivalente). Se paga para que essa dívida com o amor não seja insuportável, e, onde essa dívida não ocorre, a terapia fica coxa.
Certa vez fui procurado por uma pessoa que definiu que viria falar comigo duas ou três vezes. No final fez o pagamento e, como não tenho o hábito de contar o dinheiro, só mais tarde verifiquei que me tinha pago a mais. Liguei-lhe para o informar do sucedido. Disse-me que não se tinha enganado, que tinha feito de propósito. Apesar de neste caso ser pouco provável, gostava que ele regressasse e pudesse compreender o propósito, a sua forma de lidar com o amor.
* Psicoterapia Psicodinâmica
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