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Psicoterapia

Identificação Projectiva. Pedro Martins - Psicólogo Clínico Psicoterapeuta

Identificação Projectiva

Em situações desconfortáveis com outra pessoa, por vezes é difícil saber de onde vem o desconforto, de nós ou do outro.

Quem nunca passou pela experiência de ter de lidar com alguém que receia? Não estamos a falar de uma pessoa que seja abertamente ofensiva.

Referimo-nos ao tipo de interacção em que pode não haver um problema ou conflito óbvio, mas, ainda assim, faz com que uma pessoa se sinta desconfortável e ansiosa.

Não podemos apontar a causa, tornando-a ainda mais inquietante.

Podemos deixar de agir como agimos de costume. É difícil, senão mesmo impossível, encontrar uma saída construtiva para estas situações incómodas.

A psicanálise tem vários conceitos para descrever esta situação. Um deles chama-se “identificação projectiva”.

A identificação projectiva foi descrita pela primeira vez pela psicanalista Melanie Klein.

Funciona assim: a pessoa A tem um sentimento que prefere evitar, e por isso projecta-o, inconscientemente, na pessoa B.

Muitas vezes, a projecção falha, porque a outra pessoa “recusa-se a aceitar” a projecção.

Contudo, em alguns casos, a pessoa B ressoa, ou de alguma forma identifica-se com a projecção da pessoa A e acaba por agir ou sentir de forma a combinar a projecção (a projecção da pessoa A com os sentimentos da pessoa B). Então temos a Identificação Projectiva.

 

Um exemplo:

Vera é uma personal trainer de sucesso que adora o seu trabalho. Ela tem ajudado inúmeras pessoas a atingir os seus objectivos. O seu novo aluno, Tomás, quer perder peso e aumentar a força muscular.

Após o primeiro treino, Tomás enviou várias mensagens a Vera. Ela respondeu-lhe mas sentiu-se um pouco sobrecarregada com a sua necessidade de atenção.

No segundo treino, Tomás apareceu amuado. Para além disso, não tinha feito nenhuma das mudanças que Vera sugeriu.

 

Quando se sentir repetidamente inquieto e mal sucedido na gestão de uma situação interpessoal, dê um passo atrás para pensar de onde vem esse sentimento.

 

Vera considerou a falta de entusiasmo de Tomás frustrante. Ela tinha tendência para se culpar se os alunos não melhoravam, perguntando-se se estaria a fazer algo de errado.

Durante o segundo treino, teve uma sensação de desconforto: Ela desejava que o treino terminasse rapidamente. Tentou ignorar a sensação e encorajou Tomás a manter o bom trabalho.

Mais tarde, recebeu um longo texto onde Tomás referia que não achava que os treinos estavam a ajudar, e sentia que Vera o “via apenas como uma fonte de rendimento” e que queria trabalhar com outra pessoa.

Vera pensou se olhava para os seus alunos como uma fonte de rendimento; sentimentos e pensamentos que normalmente não tinha com outros alunos.

Sentia-se confusa, não sabia o que estava a correr mal com Tomás, e tinha dúvidas sobre a sua própria forma de agir.

 

Poderá este ser um caso de identificação projectiva?

Vamos analisar os vários passos.

Primeiro passo: Nomear a emoção

Vera disse ao seu terapeuta: “Sinto que não consigo fazer nada bem”. Este é o primeiro passo.

No entanto, muitas vezes, não prestamos atenção aos sentimentos desconfortáveis à medida que eles acontecem.

Em vez de percebermos que estamos ansiosos ou frustrados, podemos perder a calma com o aluno, sentir um aperto no estômago ou uma tensão no pescoço “sem motivo”. Se nos sentirmos mal, devemos parar e reflectir.

 

Segundo passo: Aceite os sentimentos e não se julgue a si próprio

Dê a si próprio a liberdade de contactar com os seus sentimentos, sejam eles quais forem.

Isto pode ser difícil, especialmente se um certo sentimento não se encaixar com a forma como gosta de se ver a si próprio.

Por exemplo, pessoas motivadas para ajudar os outros, orgulham-se de se sentirem úteis.

 

A identificação projectiva foi descrita pela primeira vez pela psicanalista Melanie Klein.

 

Se essa pessoa tiver uma experiência negativa ao tentar ajudar alguém, poderá negar ou afastar esses maus sentimentos.

Vera sentiu-se mal consigo própria por não ter desfrutado do tempo com o seu aluno. “Uma treinadora verdadeiramente dedicada não deveria sentir-se assim”, pensou ela.

A terapeuta de Vera disse-lhe que não era uma pessoa má por ter a sensação de que não queria ajudar Tomás.

Quando deixou de se julgar a si mesma, foi capaz de compreender a sua própria experiência e perceber melhor que Tomás projectava nela os seus sentimentos de carência e baixa autoestima.

 

Terceiro passo: Sentimentos são um conjunto de informações sobre uma pessoa

Depois de nomear os seus sentimentos e deixar de se julgar, pode perguntar: “O que é que este sentimento me diz”?

Simplificando, o sentimento surgiu numa interacção entre você e outra pessoa. Contém informações sobre si, mas também sobre a outra pessoa. Estes dados são valiosos.

Vera afastou-se do sentimento de que não fazia nada bem e depois apercebeu-se de algo muito importante.

O que ela estava a sentir sobre si própria reflectia na realidade o que Tomás sentia sobre ele próprio: indesejável, sem esperança, e duvidando das suas próprias motivações.

Ou seja, um caso de identificação projectiva.

À medida que Vera identificava e aceitava os seus sentimentos e considerava a informação recolhida, deixou de se sentir perturbada e defensiva.

 

É muito importante prestarmos atenção aos sentimentos desconfortáveis à medida que eles acontecem.

 

Ela foi, então, capaz de compreender e ajudar Tomás da forma que ele precisava, mas não tinha consciência ou não conseguia comunicar ou pedir directamente.

Vera enviou uma mensagem a Tomás para marcar uma reunião. Ao conhecê-lo melhor, percebeu que ele não queria apenas perder peso e aumentar a sua força muscular.

Ele também se sentia bastante em baixo com a sua aparência. O que Tomás realmente queria, mas não podia ou não sabia como dizer, era sentir-se atraente e confiante na sua vida amorosa.

Uma vez que Vera compreendeu isso, Tomás sentiu-se compreendido, e foi capaz de seguir os seus conselhos sem necessidade de expressar inconscientemente a sua baixa autoestima através da identificação projectiva.

Resumindo, quando se sentir repetidamente inquieto e mal sucedido na gestão de uma situação interpessoal, dê um passo atrás para pensar de onde vem esse sentimento. Pode não se tratar algo que surge, necessariamente, apenas de si.

Traduzido/adaptado por Pedro Martins a partir de: Understanding Boundaries: What is Projective Identification – John K. Burton

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