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Eu Achava que a Estava a Ajudar Pedro Martins Psicoterapeuta

Eu achava que a estava a ajudar, mas…

Uma grande amiga minha perdeu o pai há uns tempos. Encontrei-a sentada sozinha num banco, junto ao nosso local de trabalho, sem se mexer, apenas a olhar para o horizonte.

Ela estava devastada. Eu queria ajudar mas não sabia o que lhe dizer. É tão fácil dizer a coisa errada a alguém que está vulnerável e em sofrimento.

Então, comecei a falar sobre como cresci sem pai. Disse-lhe que o meu pai se tinha afogado num submarino quando eu tinha apenas 9 meses de idade e que me custava muito a sua perda, mesmo que eu nunca o tivesse conhecido.

Eu só queria que ela percebesse que não estava sozinha, que eu tinha passado por algo parecido e que podia entender como ela se sentia.

Mas depois de ter relatado essa história, a minha amiga olhou para mim e disse: “Ok, Celeste, ganhaste. Tu nunca tiveste um pai e eu pelo menos consegui passar 30 anos com o meu. Foi pior para ti. Eu acho que não deveria estar tão chateada com a morte do meu pai.”

Fiquei atordoada e mortificada. A minha reacção imediata foi defender-me. “Não, não, não”, disse, “não é isso que estou a dizer. Eu só quis dizer que sei como tu te sentes.”

E ela respondeu: “Não, Celeste, tu não sabes. Tu não tens ideia de como eu me sinto.”

Ela afastou-se e eu fiquei ali impotente vendo-a a ir embora e a sentir-me me como uma idiota. Eu tinha falhado totalmente à minha amiga.

Eu queria consolá-la e, em vez disso, a fiz sentir pior. Naquele momento, eu ainda sentia que ela me tinha entendido mal.

Pensei que ela estava num estado muito frágil e me tinha atacado injustamente quando eu estava apenas a tentar ajudar.

 

Daquele dia em diante, comecei a perceber com que frequência respondia a histórias de perda e sofrimento com histórias das minhas próprias experiências.

 

Mas a verdade é que ela não me entendeu mal. Ela entendeu o que estava a acontecer, talvez melhor do que eu.

Quando ela começou a compartilhar os seus sentimentos senti-me desconfortável.

Eu não sabia o que dizer, então passei para um assunto com o qual estava confortável: eu mesma.

Eu posso ter tentando empatizar, pelo menos a um nível consciente, mas o que realmente fiz foi desviar o foco da sua angústia e voltar a atenção para mim.

Ela queria falar comigo sobre o seu pai, contar-me sobre o tipo de homem que ele era, para que eu pudesse apreciar plenamente a magnitude da sua perda.

Em vez disso, pedi a ela que parasse por um momento e ouvisse minha história sobre a morte trágica do meu pai.

Daquele dia em diante, comecei a perceber com que frequência respondia a histórias de perda e sofrimento com histórias das minhas próprias experiências.

Quando uma colega de trabalho foi demitida, eu contei-lhe o quanto eu me esforcei para encontrar um emprego depois de ter sido despedida anos antes.

Mas quando comecei a prestar mais atenção à forma como as pessoas reagiam às minhas tentativas de empatizar, percebi que o efeito de compartilhar as minhas experiências nunca foi aquele que eu pretendia.

 

Ela não precisava de conselhos ou das minhas histórias. Ela só precisava que eu a ouvisse.

 

O que todas essas pessoas precisavam era que eu as ouvisse e reconhecesse o que elas estavam a sofrer. Em vez disso, forcei-os a ouvirem-me.

Hoje em dia, tento estar mais consciente do meu instinto de compartilhar histórias e falar de mim mesma.

Tento fazer perguntas que incentivem a outra pessoa a continuar e fiz um esforço consciente para ouvir mais e falar menos.

Recentemente tive uma longa conversa com uma amiga minha que estava a passar por um divórcio. Passamos quase 40 minutos ao telefone e eu mal disse uma palavra.

No final do telefonema, ela disse: “Obrigada pelo teu conselho. Realmente ajudaste-me a resolver algumas coisas.”

A verdade é que realmente não lhe dei nenhum conselho; a maior parte do que eu disse foi uma versão de “Isso não parece nada fácil. Sinto muito que isso esteja a acontecer contigo.”

Ela não precisava de conselhos ou das minhas histórias. Ela só precisava que eu a ouvisse.

 

Traduzido/adaptado por Pedro Martins

A partir de: The Mistake I Made With My Grieving Friend – Celeste Headlee

chorar

Chorar é o melhor remédio

É realmente curioso como as pessoas da nossa cultura são tão chatas, que às vezes dizem aos outros, quando eles estão tristes: não chores, deixa lá, não é caso para chorar.

Não há melhor remédio para a tristeza do que chorar. As pessoas que não choram quando estão tristes nem sequer se apercebem do seu estado de tristeza, e isso ainda é pior!

Chorar é o melhor remédio e eu posso contar como descobri isso…

No princípio da minha carreira de psiquiatra fui chamado para ver uma senhora que estava num estado de depressão, de angústia, de perplexidade, de sideração extremamente impressionante. Tinha-lhe morrido um filho com leucemia depois de um longo sofrimento.

Acontecia que o filho dessa senhora tinha a idade de um dos meus filhos e eu fiquei bastante desarmado perante aquilo, sem saber o que havia de fazer.

Não ia dar um remédio a uma pessoa que estava magoada com a morte de um filho, não ia dar-lhe palavras de conforto que eu sabia que não faziam sentido nenhum, como não faziam para mim, não iria dizer-lhe que não tinha importância nenhuma morrer-nos um filho com leucemia, de maneira que fiquei ali, com vontade de chorar talvez, ou pelo menos muito impressionado, a ouvir a senhora.

Eu ouvi-a ouvia-a, muito tempo, muito tempo, muito tempo, até que ela começou a chorar… E então ela contou-me que já não chorava havia muitos meses, desde que tinha sido feito o diagnóstico e ela sabia que o filho ia morrer. E então de certa maneira agradeceu-me por eu lhe ter permitido chorar, por a ter deixado chorar.

Um mau serviço que se presta às pessoas, é convencê-las de que não se deve chorar. O normal quando se está triste, é chorar!

 

João dos Santos

“Se não sabe porque é que pergunta? – Conversas com João Sousa Monteiro”

sentimentos de culpa

Sentimentos de Culpa – O Passado é agora

Megan, quarenta e um anos, não consegue lidar com os sentimentos de culpa pelo divórcio dos pais,  devido ao terríveis comportamentos que teve depois do seu irmão ter morrido subitamente, quando ela tinha quatro anos e o irmão dois.

Por um lado, Megan sabe que estava a sofrer devido à morte do irmão, e que, numa idade tão tenra, o sofrimento manifestou-se através de horrendos ataques raiva mas, por outro lado, ela acredita que as suas birras e acessos de raiva causaram tanto stress que o pai saiu de casa para viver com a sua assistente que não tinha filhos.

A lógica da situação é clara para Megan. A forma do pai lidar com a morte do seu irmão foi deixar a família e procurar refúgio noutra vida. Mas a compreensão de Megan não altera o seu sentimento de profunda responsabilidade pela depressão subsequente da mãe. Megan acredita que se ela fosse mais solidária durante aquele período sensível, os seus pais permaneceriam casados ​​e mãe não teria ficado deprimida.

Terapeuta – “Talvez isso a ajude a pensar que poderia ter feito algo para mudar o rumo da história. No entanto, talvez seja preferível sentir-se completamente devastada com o facto de o seu irmão ter morrido, os seus pais se terem divorciado e sua mãe ter ficado deprimida.”

Digo-lhe, salientando que o sentimento de culpa é muitas vezes um substituto do sentimento de desamparo.

Megan – “Sim, mas isso não muda o facto de que eu vivo a minha vida sentindo-me horrível comigo mesma pelo meu comportamento.”

Megan explica-me que na sua mente, a imagem negativa que tem de si própria, decorre desse tempo extremamente traumático da sua vida.

Terapeuta – “É bom, de certa forma, ser capaz de fortalecer a sua debilitada auto-imagem, considerando a sua longa e extensa vida, onde você fez tantas coisas, boas e más.”

Refiro, lembrando-a que, embora a morte do seu irmão tenha sido um momento muito significativo na vida dela, ela fez muitas outras coisas, como casar-se, construir uma carreira, ter os seus próprios filhos, e se ela puder interiorizar esses eventos, podem contribuir para consolidar o sentimento de si mesma.

Megan – “É difícil ver as coisas dessa forma porque eu vivo com medo, sabendo que a vida pode mudar repentinamente.”

Terapeuta – “Sim, administrar essa ansiedade, que para você está tão viva, é um enorme desafio.”

Refiro, lembrando-a que, a um certo nível, todos nós percebemos a incerteza da vida, mas muitos de nós, somos capazes de saber isso sem que esse facto nos afete tão profundamente.

Megan – “Eu sei que vivo no passado. Eu sei que meu irmão morreu há muitas décadas. Eu sei que é particularmente difícil para mim encontrar a paz nisso. Você é a única pessoa com quem posso conversar porque sei que o meu marido, os meus amigos e a minha família não entendem as minhas ansiedades.”

Megan sublinha que se sente sozinha com seus sentimentos, em parte, porque ela não encontra legitimidade neles.

Terapeuta – “É difícil ter sentimentos que vêm tão lá de trás na sua vida. É difícil para você sentir que é onde está agora.”

Digo-lhe, tentando ajudá-la a aceitar que neste momento a sua mente está presa lá atrás.

Megan – “Sim, eu queria que as coisas fizessem mais sentido para mim…

 

Traduzido/adaptado por Pedro Martins

A partir de “Childhood guilt” – Shirah Vollmer

Luto, perda

Luto – O que não se deve dizer

O luto é uma parte inevitável da vida; a cada minuto 108 pessoas morrem no mundo inteiro. O que fazer quando alguém de quem gostamos sofreu uma perda? Não é fácil responder, e para além do mais, não existe uma maneira específica de lidar com estas coisas.

O psicanalista Robert Stolorow, em entrevista à Thrive Global refere que a nossa estratégia padrão para abordar estas situações propõe o oposto daquilo que as pessoas realmente precisam.

Na entrevista que podemos ler abaixo, Stolorow refere que as pessoas não precisam de ser consoladas na sua dor tanto quanto necessitam aproximar-se dela e que não há cronograma para o luto.

 

THRIVE GLOBAL: Escreveu que não devemos dizer a alguém que tenha experimentado uma perda traumática  “deixa-o ir e segue em frente”. Porquê?

ROBERT STOLOROW: Se você diz a alguém para seguir em frente, basicamente, você está a rejeitar a dor emocional dessa pessoa, dizendo: “Ok, basta, acabou, não quero fazer parte disso”. Você está a rejeitar o que a pessoa mais precisa, o que eu chamo de “espaço relacional” para essa dor emocional. É isso que eu tento fazer quando trabalho com pacientes traumatizados. É um pouco o oposto do que as pessoas bem-intencionadas fazem intuitivamente, tentando fazer as pessoas sentirem-se melhor.

TG: Porque é que isso é útil?

RS: Compartilhar a dor e oferecer um lugar para ela pode ajudar a torná-la mais suportável. Pode não diminuir muito a dor, mas ao existir um espaço onde a dor é permitida e onde pode ser compartilhada, ela torna-se mais suportável.

“O Luto é uma forma de Amor”

O que é realmente importante sobre ser capaz de encontrar um espaço para o sofrimento é que o luto é na verdade uma forma de amor. A dor é a forma que o amor toma quando um ente querido morre.

TG: Fale-me mais sobre isso.

RS: A magnitude do sofrimento corresponde à profundidade do amor pela pessoa perdida. É um aspecto extremamente importante da vida emocional de alguém – ser capaz de sofrer-, porque ser capaz de sofrer é uma forma de ser capaz de amar. Amar torna cada um de nós vulnerável ao desgosto amoroso.

TG: A palavra ” finitude” – A noção de Martin Heidegger de que a existência humana está inevitavelmente envolvida na temporalidade e na morte – surge muito na sua escrita.

RS: Tento tomar o conceito de finitude de Heidegger e torná-lo mais relacional. Não é apenas a nossa própria finitude que é a fonte da ansiedade existencial; É a finitude dos outros, de todos aqueles com quem nos preocupamos e amamos. Em certo sentido, a menos que estejamos completamente isolados emocionalmente dos outros, somos sempre vulneráveis ​​à dor da perda incorporada numa existência finita.

TG: É algo de que nos devíamos tentar livrar?

RS: Definitivamente não. Tendo passado por uma perda terrível há anos, e já tive outra desde então, ser enlutado faz parte da minha identidade. É parte de quem eu sou. Eu acho que posso ajudar muito as pessoas por causa disso – eu não tenho que fugir disso, não preciso evitá-lo, não preciso fugir disso.

TG: Tenho curiosidade pelo trauma menos agudo, onde não há um único acontecimento terrível, mas algo mais ambiental ou a longo-prazo, como o abuso ou a negligência nas relações familiares.

A teoria do apego diz-nos que, como adultos, as pessoas que cresceram com pais ansiosos ou emocionalmente distantes serão atraídas por essas mesmas dinâmicas nos seus relacionamentos amorosos. Como é que o seu trabalho pode ajudar a processar a dor de uma infância tóxica?

RS: Eu acho que é preciso ter mais detalhes sobre a dureza dessa infância. Uma das razões pela qual uma pessoa com uma infância tóxica pode sentir-se atraída por pessoas indisponíveis é que a pessoa está a tentar dominar dores antigas e sair delas de forma diferente. Esse é um dos motivos.

 

TG: Existe um tempo “normal” para a duração do período de luto?

RS: Eu penso que o conceito de normalidade está errado em relação à perda. Quanto mais profundo o amor, maior o sofrimento e talvez nunca termine. Eu acho que há casos em que as pessoas levam o luto até ao seu próprio túmulo. Eu sei que algumas pessoas escreveram sobre estágios de luto. Tenho a sensação de que isso é conversa fiada.

TG: Porquê?

RS: Faz-se uma espécie de cronograma universal para o processo de luto, e não se leva em conta a natureza da relação de amor perdida. O sofrimento varia dependendo da natureza da relação que se perdeu. O sofrimento tem sido patologizado. Quando você patologiza o sofrimento você está patologizar o amor.

 

Traduzido/adaptado por Pedro Martins

a partir de “Why you should never tell someone who’s grieving to Move On”

Entrevista a Robert Stolorow

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