Categoria: <span>Psicologia Clínica</span>

Por que eu sou tão anal? - Pedro Martins Psicoterapeuta

Por Que Eu Sou Tão Anal?

Por vezes as pessoas perguntam: “Por que o meu amigo, parceiro, pai, chefe é tão anal?”.

De onde vem o termo “anal” e o que significa?

Este termo tem origem em Freud, e tal como muitas das suas ideias permanece fortemente enraizada no nosso “inconsciente colectivo” sem termos a noção das suas origens psicanalíticas.

A teoria da “personalidade retentivo-anal” é uma delas.

Nos “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade” Freud descreve as três fases do desenvolvimento psicossexual na primeira infância: oral (0 a 1 ano), anal (1 a 3 anos) e fálico (3 a 6 anos).

A fase anal coincide com o período do treino do bacio. Nesta fase as crianças apercebem-se pela primeira vez que podem controlar os esfíncteres, assim como a si mesmas e o ambiente.

Pela primeira vez, a criança sente que pode obedecer ou opor-se à vontade dos pais.

 

A fase anal coincide com o período do treino do bacio.

 

“Não” é uma palavra muito popular entre os 2-3 anos de idade.

Embora a personalidade retentivo-anal não esteja incluída no DSM – Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, tem alguns aspectos em comum com o Transtorno Obsessivo-Compulsivo da Personalidade:

– Uma grande preocupação com limpeza que se expressa através de lavagens constantes das mãos, extrema ordem e necessidade de controlo.

Estes comportamentos têm como objectivo reduzir a ansiedade.

O que é a Analidade?

Geralmente, quando alguém pergunta: “Por que sou tão anal?”, refere-se à extrema necessidade de controlar as coisas ao seu redor através de uma enorme atenção aos pormenores.

Isto pode ser irritante para os que estão à sua volta, porque esse comportamento estende-se para além do que é considerado razoável, útil ou produtivo.

Francisco, um jovem advogado queixou-se de que a sua colega sénior tinha exigido que ele investigasse todas as teorias possíveis envolvidas num aspecto de um caso, mesmo as consideradas muito improváveis.

Isso obrigava-o a passar todo o fim-de-semana a pesquisar decisões que, na sua opinião, não tinham relação com o caso e eram uma completa perda de tempo.

Referindo-se à sua colega Francisco disse: “ela é tão anal”. Com isso, ele queria dizer que ele a sentia extremamente controladora e ansiosa.

Ao mesmo tempo, as próprias pessoas podem ficar frustradas com a necessidade de controlo e de ficarem excessivamente focadas em detalhes não essenciais, pois sentem-se incapazes de conter essa necessidade ou impulso.

 

O comportamento “anal” é uma tentativa de controlar a ansiedade.

 

Joana queria comprar um frigorífico novo. On-line pesquisou pelos melhores modelos. Encontrou um muito bem cotado dentro dos valores que estava disposta a gastar, mas com algumas apreciações negativas.

Passou vários dias a pesquisar os aspectos que tinham sido avaliados ​​negativamente, assim como a procurar outros modelos.

Todos os modelos com boas avaliações apresentavam algumas críticas.

Passado algum tempo, Joana percebeu que estava com medo de tomar uma decisão errada, mas a pesquisa em vez de ajudar a decidir ainda a deixou mais ansiosa.

Em ambos os exemplos, o comportamento “anal” é uma tentativa de afastar a ansiedade criando a ilusão de ordem.

A ansiedade surge da sensação de caos iminente, e o comportamento “anal” é uma tentativa de controlar ou de se defender desse caos.

O que fazer com a analidade?

Francisco, por exemplo, pode sentir que a sua colega está a ser “anal”, mas ela vê o seu próprio comportamento como meticuloso – uma qualidade – e considera a resistência de Francisco como um indício de desleixo e preguiça.

No caso de Joana, ela própria está irritado com as suas tendências anais e gostaria de pura e simplesmente tomar uma decisão e seguir em frente com a vida. Ficaria feliz se alguém decidisse por ela.

 

Todas as pessoas podem, ocasionalmente ser “anais”.

 

Se você acha que costuma ser “anal”, aqui estão alguns aspectos sobre os quais deve reflectir:

– Está a acontecer alguma coisa na sua vida que o está a deixar ansioso? A sua “analidade” pode ser uma maneira de controlar essa ansiedade.

– Pergunte a alguém próximo de si se o seu comportamento parece excessivo ou fora de controlo.

– Tente delegar tarefas a outras pessoas e depois deixe que elas determinem a extensão da atenção aos detalhes.

– Considere quais são as consequências de um resultado que é suficientemente bom, mas não perfeito?

Todas as pessoas podem, ocasionalmente ser “anais”.

Quando você ou outra pessoa estiver a ser “anal”, lembre-se de que é uma indicação de que está com dificuldade em controlar a ansiedade.

O comportamento “anal” é uma tentativa de controlar essa ansiedade.

 

Traduzido/adaptado por Pedro Martins a partir de:

Susan Kolod – “Why am I so anal?”

Podemos ser só amigos? Pedro Martins Psicoterapeuta

Não Podemos Ser Só Amigos?

Uma das coisas mais docemente amarga de ouvir; dita carinhosamente no final de uma longa e divertida noite, é a proposta de que devemos, afinal, permanecer “apenas bons amigos”.

Tomamos a proposta para uma amizade como sinónimo de uma ofensa, porque a nossa cultura romântica tem continuamente, e desde tenra idade, deixado uma coisa muito clara para nós:

O amor é o propósito da nossa existência; a amizade é o insignificante prémio de consolação.

Deveríamos reflectir um pouco sobre alguns aspectos relacionados com o amor:

– o comportamento, o nível de satisfação e o estado de espírito dos próprios amantes.

Se fôssemos julgar o amor, principalmente, pelos impactos, pela quantidade de lágrimas, pelas enormes frustrações, pela crueldade das ofensas que se desdobram em seu nome, não continuaríamos a avaliá-lo da mesma forma, e, poderíamos até confundi-lo com um transtorno mental.

 

A amizade é o insignificante prémio de consolação.

 

As cenas que tipicamente se desenrolam entre os amantes dificilmente seriam imagináveis ​​noutras relações.

Honramos aqueles que amamos com o nosso pior humor, com as acusações mais injustas e com os insultos mais malignos.

É para os nossos amantes que dirigimos a culpa por tudo o que deu errado nas nossas vidas.

Esperamos que eles saibam tudo o que queremos dizer sem nos preocuparmos em explicar.

É aos seus pequenos erros e mal-entendidos que respondemos com indignação e raiva.

E, em comparação, é na amizade, um estado supostamente inferior, cuja alusão no final de um encontro nos esmaga, que mostramos as nossas maiores e nobres virtudes.

Na amizade somos pacientes, encorajadores, tolerantes, divertidos e, acima de tudo, gentis.

Esperamos um pouco menos e, portanto, temos uma capacidade enorme de perdoar.

Não presumimos que seremos completamente compreendidos e, assim, aceitamos as falhas de uma forma mais leve e humana.

 

Paradoxalmente são os amigos que nos oferecem o verdadeiro caminho para os prazeres que o romantismo associa ao amor.

 

Não imaginamos que os nossos amigos devam admirar-nos sem reservas e apoiar-nos em qualquer coisa que façamos.

E, por isso, esforçamo-nos e comportamo-nos, agradando a nós mesmos e aos nossos amigos ao longo da vida.

Nós somos, na companhia de nossos amigos, os nossos melhores Eus.

Paradoxalmente é a amizade que nos oferece o verdadeiro caminho para os prazeres que o romantismo associa ao amor.

O facto de isto soar surpreendente é reflexo do quanto limitada a nossa visão quotidiana de amizade se tornou.

Mas a verdadeira amizade é algo mais profundo e digno de regozijo:

– É um espaço no qual duas pessoas podem ter uma noção das vulnerabilidades uma da outra;

– Apreciar as loucuras um do outro sem recriminação;

– Tranquilizar-se mutuamente quanto ao seu valor e acolher as tristezas e as tragédias da existência com delicadeza e carinho.

Colectiva e culturalmente, cometemos um grande erro que acaba por nos deixar mais solitários e mais decepcionados do que seria necessário.

Num mundo melhor, o nosso objectivo principal não deveria ser encontrar um amante especial que substitua todos os outros humanos, mas colocar a nossa inteligência e energia em descobrir e cultivar um círculo de amigos verdadeiros.

No final de uma noite, quem sabe diríamos, a prováveis futuros companheiros, com um sorriso envergonhado, que os convidámos para entrar – sabendo que isso seria uma rejeição dolorosa – ‘Sinto muito, não poderíamos ser apenas… amantes?

Ter noção das dificuldades dá confiança. Pedro Martins Psicoterapeuta

Ter Noção das Dificuldades dá Confiança

Uma das maiores fontes de desespero é a crença de que as coisas deveriam ter sido mais fáceis do que, na verdade, acabaram por ser.

Não desistimos somente porque as coisas são difíceis, mas porque não esperávamos que fossem assim.

O grande esforço implicado é interpretado como uma prova humilhadora de que não temos o talento necessário para concretizarmos os nossos desejos.

Tornamo-nos submissos e tímidos e acabamos por nos render, porque sentimos que uma luta tão grande só existe para nós.

Parece que para os outros é tudo mais fácil.

A capacidade de permanecer confiante depende, em grande medida, de se internalizar a narrativa correcta sobre as dificuldades que, provavelmente vamos encontrar.

E, no entanto, infelizmente, as narrativas que temos à mão são – por diversas razões – profundamente enganadoras.

Estamos cercados de histórias de sucesso que conspiram para fazer com que o êxito pareça mais fácil do que de facto é.

Portanto, acaba por involuntariamente destruir a nossa confiança diante dos nossos obstáculos.

 

Parece que para os outros é tudo mais fácil. Mas não é.

 

Algumas das explicações para o predomínio de narrativas optimistas são benignas.

Se disséssemos a uma criança o que lhe está reservado – momentos de solidão, relações instáveis, empregos insatisfatórios, etc., – ela poderia atemorizar-se e desistir.

Preferimos ler-lhe as aventuras do coelhinho “Miffy e os seus amigos”.

De outro ângulo, as razões para o silêncio em torno das dificuldades são um pouco mais egoístas:

– Procurar impressionar as pessoas.

O artista aclamado ou o empresário de sucesso esforça-se para disfarçar a energia implicada, e fazer com que seu trabalho pareça simples, natural e óbvio.

Sem sabermos detalhadamente o que implica desenvolver um projecto, não nos podemos posicionar correctamente em relação às nossas derrotas.

Como não sabemos o suficiente sobre o percurso espinhoso daqueles que admiramos, não perdoamos a forma trágica como correram as nossas primeiras tentativas.

Certas sociedades têm sido mais sábias do que as nossas em evidenciar a nobreza implicada nos esforços.

A confiança não é a crença de que não vamos encontrar obstáculos.

É o reconhecimento de que as dificuldades são uma parte inevitável de todos os projectos importantes.

É necessário que as pessoas saibam que a ansiedade, a dor e o desapontamento estão presentes nas vidas bem-sucedidas.

 

Traduzido/adaptado por Pedro Martins

a partir de Alain de Botton

Comprrender as coisas de forma racional versus emocional. Pedro Martins Psicólogo Clínico

Compreender as coisas de forma Racional vs. Emocional

É necessário distinguir entre saber algo sobre nós mesmos de forma racional e emocional

Conhecer a nossa própria mente é, na melhor das hipóteses, difícil.

É, até, extraordinariamente difícil compreender coisas básicas sobre nós e o que está por trás delas.

Coisas que condicionam as nossas vidas, e, das quais, esperamos um dia libertar-nos.

Em certos momentos é, verdadeiramente desanimador, concluir que saber uma coisa sobre nós, ter consciência dela, não é suficiente para que ela se altere.

Uma compreensão racional do passado, apesar de correcta, por si só não é suficiente para nos libertar.

Podemos, por exemplo, saber do ponto de vista racional de que somos tímidos junto de figuras de autoridade porque o nosso pai era uma figura fria e distante, e que não nos apoiava nem dava o amor que precisávamos.

Conseguir chegar até esta conclusão pode ser o trabalho demorado e, tendo chegado, poderíamos esperar que os nossos problemas com a timidez e a autoridade diminuíssem.

Mas, na nossa mente, infelizmente, as coisas não são assim tão simples.

Uma compreensão racional do passado, apesar de correcta, por si só não é suficiente para nos libertar.

Para isso, temos de olhar de forma aprofundada o que se passou connosco e o que suportámos.

Precisamos dar mais um passo e compreender as coisas do ponto de vista emocional.

Teremos que contactar com um conjunto de episódios do passado, nos quais os problemas com os nossos pais e as questões da autoridade se originaram.

Temos de permitir recordar certos momentos que devido à sua intensidade foram remetidos para longe na nossa memória.

É preciso encontrar, contactar e escutar emocionalmente partes nossas.

Não basta saber que tivemos um relacionamento difícil com o nosso pai, é preciso contactar com os sentimentos associados à situação.

Sabemos que pensar racionalmente é importante – mas, por si só, dentro do processo terapêutico, não é suficiente para resolver os nossos problemas psicológicos.

Há uma diferença fundamental entre reconhecer que éramos tímidos enquanto crianças e vivenciar o que era sentir-se intimidado, ignorado e com receio de ser rejeitado ou ridicularizado.

É diferente saber, de uma maneira abstracta, que a nossa mãe não esteve muito focada em nós quando éramos pequenos e re-conectarmos com o que sentíamos quando tentávamos partilhar algumas das nossas necessidades com ela e não conseguíamos.

A psicoterapia permite reviver certos sentimentos. Só quando estamos em contacto com os sentimentos é que podemos corrigi-los com a ajuda das nossas capacidades – agora mais maduras – e, assim, abordar os problemas reais na nossa vida actual.

É preciso encontrar, contactar e escutar partes nossas – talvez pela primeira vez – para que possam ser ao mesmo tempo tranquilizadas e revigoradas.

É com base neste tipo de conhecimento emocional arduamente conquistado, e não no seu tipo racional, que podemos encontrar uma forma de resolver os nossos problemas internos.

Traduzido/adaptado por Pedro Martins

a partir de “Knowing things intellectually vs. knowing them emotionally”

Dormir na Cama dos Pais Pedro Martins Psicoterapeuta

Dormir na Cama dos Pais

Muito se tem escrito sobre a vontade dos filhos irem dormir para a cama do casal e se os pais devem ou não permitir.

Mas fala-se menos sobre a vontade dos pais terem os filhos a dormir com eles, e, em alguns casos, a permanecer lá durante anos.

De uma maneira geral, aconselha-se que a criança durma sozinha a partir do quarto ou sexto mês de vida, no sentido de favorecer o desenvolvimento da sua autonomia.

Para que a criança possa desenvolver a “capacidade de estar só” – Winnicott -, é importante que os pais a coloquem a dormir sozinha.

O simples facto de a criança dormir sozinha faz com que a “capacidade de estar só” se desenvolva?

A resposta é não.

O desenvolvimento da autonomia está dependente das características do vínculo mãe-bebé. 

O desenvolvimento da “capacidade de estar só” está dependente do vínculo mãe-bebé. São as características deste vínculo que determinam se este processo será mais fácil ou mais difícil.

PAIS QUE DORMEM COM OS FILHOS

Nem sempre são os filhos a ir para a cama dos pais. Há casos em que acontece o contrário.

Devido aos medos que a criança manifesta na hora de adormecer muitos pais (a mãe ou o pai) dormem na cama dos filhos e por lá ficam.

Uns ficam umas horas, outros uns dias.

Mas temos também os pais que, aparentemente, trocaram de forma definitiva, a sua cama pela dos filhos.

O contrário também acontece, com os filhos a permanecer indefinidamente na cama dos pais.

Este funcionamento, de tão prolongado, adquire um carácter de normalidade.

Em ambos os casos a intimidade do casal está ameaçada ou, pelo menos, condicionada.

Muitas vezes, o nascimento de um filho é uma excelente justificação para os pais dormirem separados ou porem os filhos a dormir com eles, contornando, assim, os problemas pré-existentes no casal.

Ao mesmo tempo, o nascimento de um filho mexe, em certos casos, profundamente com a vida do casal:

O cansaço físico e emocional; a mãe que não aceita o seu corpo depois da gravidez, e por isso se afasta para não ter contacto íntimo com o parceiro; o pai que sente ciúmes do tempo que a mãe dedica ao filho; a diminuição do desejo sexual; etc.

Por vezes as mães sentem-se culpadas por continuarem a ser mulheres, depois da maternidade.

É como se o novo papel de mãe, para ser exercido plenamente implicasse recusar a sua feminilidade, e as coisas a ela associadas.

É muito importante que o pai não se afaste como homem e faça sentir à mãe que ela ainda é uma mulher desejada e com desejos.

Isto é importante para o casal como para o filho, na medida em que a mãe não busca somente na criança a gratificação afectiva.

 A presença dos filhos na cama dos pais é uma ameaça à intimidade do casal.

Existem casos em que as mães têm medo de que algo fatal possa acontecer com o bebé se não dormirem com ele.

Passam grande parte da noite acordadas a ouvir o batimento cardíaco do bebé e a respiração, para se assegurarem que continua vivo.

Normalmente, isto está associado a sentimentos de culpa.

Por vezes, a ansiedade, o medo e a angústia dos pais é apaziguada de forma mais cómoda colocando os filhos a dormir com eles na cama do casal.

Nos casos em que um filho passou por uma situação traumática, ou na elaboração de certas perdas, dormir com a criança durante um tempo pode ser importante para recuperar a confiança e, aos poucos, voltar para a sua cama.

FILHOS QUE DORMEM COM OS PAIS

Nos casos em que a cama é compartilhada, é habitual que a criança durma com os pais, sempre ou alternadamente até chegar aos dois ou três anos de vida e depois vá para o seu quarto, sem qualquer implicação emocional para a criança ou para os pais.

Portanto, no nosso caso, a questão não é dormir ou não dormir na cama do casal, mas saber o que leva os pais a fazerem-no.

Em abstracto podemos dizer que as coisas vão bem quando é a criança que quer dormir com os pais e não tanto, quando são os pais que precisam de dormir com os filhos.

Por que algumas pessoas têm tanta dificuldade de admitir os seus erros - Pedro Martins Psicoterapeuta

Por que algumas pessoas têm tanta dificuldade de admitir os seus erros?

Todos cometemos erros com alguma regularidade.

Alguns erros são pequenos, como: “Não, não é preciso pararmos no supermercado, há leite que chegue para o pequeno-almoço”.

Alguns maiores, como: “Não é preciso andarmos a correr; temos tempo de sobra para chegar ao aeroporto e fazermos o check-in tranquilamente”.

Outros com grandes implicações, como: “Eu sei que estava escuro e a chover, mas tenho certeza de que foi este homem que arrombou a casa do outro lado da rua”.

Ninguém gosta de estar errado. É uma experiência emocional desagradável.

A questão é:

Como respondemos quando descobrimos que estávamos errados?

Quando não havia leite suficiente para o pequeno-almoço; quando apanhámos trânsito e perdemos o voo, ou quando descobrimos que devido à nossa identificação um homem inocente foi preso.

Alguns de nós admitimos que estávamos errados e dizemos: “Oops, tu estavas certa. Deveríamos ter comprado leite”.

Alguns de nós insinuamos que estávamos errados, mas não o fazemos explicitamente ou de uma maneira que seja satisfatória para a outra pessoa: “Tínhamos muito tempo para chegar ao aeroporto a horas, o problema foi o trânsito estar invulgarmente caótico. Mas tudo bem, para a próxima saímos mais cedo.

Mas algumas pessoas recusam admitir que estão erradas, mesmo diante de evidências esmagadoras: “Eles libertaram-no devido aos testes de DNA e à confissão do responsável? Ridículo! Tenho a certeza que foi ele; eu vi que foi ele!”

O que é que psicologicamente torna impossível admitir os erros? O Ego

Os dois primeiros exemplos são, provavelmente, familiares para a maioria de nós, porque são respostas típicas aos nossos erros.

Aceitamos a responsabilidade total ou parcialmente (às vezes, muito, muito parcialmente), mas não contrariamos os factos.

Não alegamos que havia leite suficiente quando não havia, ou que não estávamos atrasados para ir para o aeroporto.

Mas o que leva as pessoas a reagir contra os factos; a não admitir que estavam erradas em qualquer circunstância?

O que é que psicologicamente torna impossível admitir que estavam erradas, mesmo quando é óbvio que estavam?

E porque é que sistematicamente não admitem que estavam erradas?

A resposta está relacionada com o seu ego.

Algumas pessoas têm um ego tão frágil, uma auto-estima tão baixa, uma constituição psicológica tão fraca, que admitir que cometeram um erro ou que estavam erradas é insuportável para os seus egos.

Aceitar que estavam errados, lidar essa realidade, seria tão catastrófico psicologicamente, que a mente faz algo notável para evitar isso:

– Literalmente, distorce a percepção da realidade.

Dessa forma protegem o ego frágil, mudando os próprios factos na sua mente, para que não estejam errados ou sejam culpados.

Nesse sentido, fazem afirmações do tipo:

“Eu verifiquei e havia leite suficiente, alguém deve ter bebido”.

Quando lhes é dito que ninguém esteve em casa depois de saírem, logo, ninguém poderia ter bebido o leite, eles insistem:

“Alguém deve ter bebido, porque eu verifiquei e havia leite”.

As pessoas que repetidamente exibem esse tipo de comportamento são, por definição, psicologicamente muito frágeis.

A rigidez psicológica que apresentam não é um sinal de força, antes uma indicação de fraqueza.

Aliás, a rigidez psicológica, é, regra geral, sinal de fragilidade.

Estas pessoas não decidem manter-se firmes; são obrigadas a fazer isso para protegerem os seus egos frágeis.

Para admitir os nossos erros é necessária uma certa capacidade emocional.

Normalmente ficamos aborrecidos quando erramos, mas superamos isso.

Entre os que superam os erros, temos uns que o fazem com muita dificuldade: os perfeccionistas.

Mas quando as pessoas são constitucionalmente incapazes de admitir que erraram, quando não conseguem tolerar a ideia de que podem cometer erros, é porque têm um ego demasiado frágil para superar o sentimento de que falharam.

Daí terem que deformar a própria percepção da realidade e contestar factos óbvios no sentido de se defenderem de forma rígida contra a realidade.

Traduzido/adaptado por Pedro Martins a partir de:

Why It’s So Hard for Some People to Admit They Were Wrong – Guy Winch

Compreender a Ansiedade Pedro Martins Psicoterapeuta Psicólogo Clínico.

Compreender a Ansiedade (parte II)

ANSIEDADE EXISTENCIAL

E se a ansiedade não estiver ligada a nenhuma situação recente, mudança ou evento stressante?

E se de alguma forma a ansiedade surgir do nada? Na verdade, às vezes, a ansiedade pode surgir inesperadamente quando certas situações nos levam a reflectir sobre “o estado” da nossa vida.

Inevitavelmente, todas as pessoas terão que considerar a sua morte. É mais provável que isso aconteça após uma situação em que alguém se viu confrontado com a morte; aquando da perda de um ente querido ou, simplesmente, de olhar para o futuro.

No entanto, a ansiedade existencial também pode surgir em circunstâncias agradáveis.

Por vezes, o nervosismo pode surgir com a tomada de consciência de que nenhum momento dura para sempre, e até o momento mais feliz acabará.

Como seres humanos, apreciamos tanto esses momentos que “deixá-los ir” pode gerar ansiedade.

A ansiedade existencial também pode surgir em circunstâncias agradáveis.

Mesmo que não estejamos a reflectir sobre questões de vida/morte, a ansiedade existencial pode surgir quando pensamos sobre os nossos objectivos, valores, ou planeamos o futuro.

Queremos que as coisas que fazemos e desejamos na vida tenham um propósito e um significado.

Quando os empregos, hobbies, relacionamentos ou objectivos pessoais começam a perder o propósito, a angústia e o mal-estar podem aparecer.

Pode parecer estranho, mas além das coisas desagradáveis que ansiedade existencial nos faz sentir, também está a enviar-nos uma mensagem importante.

Imaginemos que o João seguiu o desejo do pai de que ele também fosse advogado.

O João não questionou essa decisão nem pensou se esse objectivo estava de acordo com os seus desejos e valores. Apenas o seguiu diligentemente, convencido de que era isso que queria.

No entanto, após vários anos a exercer, sente-se cada vez mais nervoso, preocupado com coisas insignificantes e incapaz de dormir à noite, não encontrando nenhuma razão concreta para as insónias.

O trabalho é pouco gratificante. Ele esperava que ao atingir o objectivo (ser advogado) se sentiria completo, mas sente-se mais vazio do que nunca.

Neste caso, os sentimentos de ansiedade existencial, embora dolorosos, podem ser uma ajuda, encaminhando-o na direcção da auto-reflexão:

Quais são os meus objectivos? Ser advogado encaixa naquilo que desejo? É verdadeiramente significativo para mim? Que acções ou papéis marcantes estão a faltar na minha vida?

A ansiedade existencial pode ser comparada a um simpático bichinho que vive na nossa consciência.

Às vezes é esse bichinho que (no pior momento possível!) nos vem lembrar que a vida pode ser mais do que um conjunto de tarefas rotineiras e mundanas, e que uma vida com propósito e com objectivos é muito importante.

Essencialmente, a ansiedade existencial:

Pode, ou não, ser desencadeada por uma situação ou por um evento stressante. É um sentimento que surge, para a maioria das pessoas, de vez em quando.

Não há necessariamente um problema óbvio ligado à ansiedade existencial. No entanto, isso pode ajudar-nos a reflectir sobre questões importantes:

Porque faço isto? Porque o meu trabalho é importante para mim? O que é verdadeiramente significativo para mim? O que eu valorizo? Que pessoa quero ser nos relacionamentos? Etc.

Compartilhar a ansiedade existencial com os outros pode fazer com que nos sintamos menos sozinhos e mais capacitados para fazer escolhas de acordo com as nossas convicções.

No entanto, a vida trará sempre novas questões sobre as quais reflectir.

Criar conexões significativas e fazer escolhas consistentes com os nossos valores, são algumas das coisas que podem ajudar a combater a ansiedade existencial.

Agora que falámos um pouco sobre exemplos em que a ansiedade pode ser desconfortável, mas ao mesmo tempo útil, vamos falar sobre o que acontece quando a ansiedade se torna tão intensa que começa a atrapalhar mais do que a ajudar.

Neste caso podemos designá-la de ANSIEDADE DISFUNCIONAL

Em última instância até a ansiedade disfuncional tem alguma utilidade. No entanto, é preciso considerar os custos/benefícios.

A ansiedade disfuncional pode impedir-nos de atingir os nossos objectivos com mais frequência do que nos ajuda a alcançá-los.

É como se fosse um alarme de incêndio que faz um barulho ensurdecedor e que não se desliga. Tanto faz que se tenha queimado uma torrada ou que a casa esteja a arder: os sensores estão desligados, por isso não consegue avaliar a dimensão do problema.

A Ansiedade disfuncional pode impedir-nos de atingir os nossos objectivos.

As ameaças e os perigos são sentidos em todos os lugares, mesmo nos lugares seguros.

Existem maneiras diferentes disso se manifestar. Temos, por exemplo, padrões específicos de ansiedade (disfuncional) que surgem repetidamente, como a perturbação da ansiedade generalizada, ansiedade social, fobia específica, transtornos obsessivos, stress pós-traumático.

A ameaça que a pessoa experimenta em cada um destes padrões é um pouco diferente.

Quando uma pessoa experimenta ansiedade social severa, por exemplo, teme que as outras pessoas a julguem ou excluam. Esse medo pode evoluir e ter vida própria, levando a outras possibilidades assustadoras:

“E se ninguém gostar de mim?”; “E se os meus amigos apenas fingem que gostam de mim?”; “E se eu não conseguir encontrar um parceiro? ”; “ E se eu ficar sozinha para sempre? ”

A perturbação de Stress Pós-Traumático (PTSD) e a perturbação Obsessivo-Compulsiva também tendem a apresentar uma ansiedade significativa.

A PTSD é uma perturbação que ocorre após uma pessoa viver uma experiência traumática, como um assalto ou um acidente de carro.

A ansiedade na PTSD, geralmente, tem a ver com a sensação de ameaça e perigo para a vida ou o bem-estar da pessoa.

Muitas vezes a pessoa pode ter medo de coisas que sentia como seguras: caminhar na rua, (no caso de um assalto); conduzir (no caso de um acidente de automóvel).

A ansiedade disfuncional também pode surgir associada a outros tipos de problemas de saúde mental, como a depressão.

Embora na depressão a dificuldade principal da pessoa possa passar por sentir-se em baixo e triste, ela pode ficar preocupada e muito mais ansiosa do que costumava ficar em relação a várias questões.

A Ansiedade disfuncional sobrestima o perigo

Basicamente, a ansiedade disfuncional, é a ansiedade que gera certo tipo de pensamentos (preocupações excessivas, receios de rejeição, expectativas de fracasso), de sentimentos (nervosismo, angústia) e de estados físicos (tensão, dores abdominais, dificuldade de concentração) que não são proporcionais à ameaça real.

Quando vamos a uma festa para conhecer novas pessoas, por exemplo, corremos o risco de que algumas das pessoas que nos são apresentadas não gostem de nós.

No entanto, a ansiedade vai focar-se apenas nisso e irá ignorar outras possibilidades: que há pessoas na festa que podem sentir-se neutras em relação a nós ou achar que somos interessantes, engraçados, etc.

A ansiedade disfuncional amplia as coisas a um ponto que se assemelham a uma catástrofe.

Se conhecer uma pessoa na festa e ela não simpatizar consigo por um motivo qualquer, é pouco provável que tenha um impacto significativo na sua saúde, objectivos, trabalho ou relacionamentos.

Contudo, a ansiedade disfuncional tece uma teia de pensamentos em que um evento trivial parece conduzir a todos os tipos de tragédias no futuro: não ter amigos, ficar sozinho para sempre, etc..

Simplificando, a ansiedade disfuncional sobrestima o perigo e subestima os nossos recursos internos e externos.

É fundamental compreender o que estamos a sentir para tomar decisões informadas sobre o que realmente fazer em relação aos vários tipos de ansiedade.

Se, por exemplo, estamos a lidar com a ansiedade útil e funcional, mas a confundimos com a ansiedade disfuncional podemos seguir o caminho perigoso de tentar eliminar algo que é de facto valioso e útil.

Em resumo, a ansiedade disfuncional:

Geralmente, a ansiedade não é proporcional à situação, contexto ou evento, e é, frequentemente, excessiva e avassaladora.

Muitas vezes leva a evitar pessoas, lugares ou situações que são temidas. Prejudica os nossos objectivos e acções.

Nunca se está verdadeiramente tranquilo: a ansiedade não desaparece, somente diminui por um curto período de tempo.

Como podemos saber que tipo de ansiedade estamos a sentir?

Antes de mais, é preciso dizer que as pessoas podem experimentar os vários tipos de ansiedade – às vezes, até no mesmo dia!

É importante ter presente que os vários tipos de ansiedade não são mutuamente exclusivos.

Alguém com ansiedade social poder ter um pavor existencial, ou um ataque de pânico depois de receber más notícias sobre o trabalho. Também pode ter uma preocupação perfeitamente funcional em relação a uma cirurgia que é necessário agendar.

A ansiedade disfuncional é mais rara, e a ansiedade funcional está presente no dia-a-dia da maioria das pessoas. A ansiedade existencial costuma aparecer sem convite.

Adaptado por Pedro Martins a partir de: “Understand Anxiety” – Alina Sotskova

Génese, desenvolvimento e reprodução da violência. Pedro Martins Psicoterapeuta - Psicólogo Clínico

Génese, desenvolvimento e reprodução da violência

Da Agressividade Natural à Génese, Desenvolvimento e Reprodução da Violência

Existe uma agressividade estrutural, endógena ou constitucional porque se admite fazer parte intrínseca da constituição biopsíquica do indivíduo.

É uma agressividade natural, em princípio benigna, posta ao serviço da construção da identidade, autonomia individual e estabelece normas para a vida em grupo.

A agressividade estrutural alimenta várias funções, possibilitando a realização de outras tantas finalidades:

– Aproximação, preensão e controlo daquele que desejamos;

– Defesa do território e do estatuto;

– Afastamento de rivais;

– Afirmação pessoal ou assertividade;

– Competição com os pares e os mais fortes e poderosos.

Esta força agressiva é, pois, um instrumento necessário à adaptação e útil ao desenvolvimento.

A agressividade reactiva é uma reacção à agressão do meio, designadamente do outro.

É desencadeada, quer pela agressão sofrida quer pela agressão prevista ou imaginada.

Surge, portanto, como resposta imediata ao ataque ou como ataque preventivo.

O homem é um animal ético por natureza porque se identifica com a vítima, o sofredor e o desvalido.

Esta forma de violência ou de agressividade, necessária à sobrevivência, é mitigada pelas regras do convívio social.

Na sua contensão, o medo do castigo, a culpa, a vergonha e os sentimentos de compaixão desempenham um papel importante.

Os sentimentos de compaixão pelo outro, derivados da capacidade de empatia e de identificação projectiva – poder sentir o que o outro sente, colocar-se na pele do outro, são as verdadeiras raízes da consciência moral.

Por isso, o homem é um animal ético por natureza – porque se identifica com a vítima, o sofredor e o desvalido.

Não precisa, a bem dizer, de uma moral ditada pelo exterior. Ele próprio a constrói.

Só aqueles que – por infeliz experiência infantil – não tiveram pessoas empáticas e disponíveis aquando do processo de identificação primária apresentam mais tarde incapacidade de empatia perante os fracos ou necessitados.

E por tal se tornam frios, perversos e criminosos; abusam do poder e exploram os outros; maltratam, negligenciam, abandonam.

Mal-amados, são incapazes de amar.

O acumular de experiências traumáticas – privações, castigos, humilhações – gera agressividade, ou propensão para desencadear comportamentos hostis e destrutivos.

Uma vez carente, magoado e ressentido, o indivíduo reage facilmente por agressão às ameaças, ataques e ofensas; o medo, o furor e a raiva narcísica impõem-na.

A frustração da expectativa de receber afecto, apreço e reconhecimento é, de entre todas, a que mais hostilidade e revolta provoca.

O homem, porque conhece o outro e se conhece, necessita de amor e reflexão.

Sem entrada de estima só se produz ódio. Ferido no seu orgulho o animal humano enraivece-se. É este o destino do que não foi amado: a violência.

Bibliografia:

– “Violência Inconsciente” – A. Coimbra de Matos

– “Génese, desenvolvimento e reprodução da violência” – A. Coimbra de Matos

O-Primeiro-Espelho-Pedro-Martins-Psicoterapeuta - Psicoterapia

O Primeiro Espelho é a Face da Mãe

“No desenvolvimento emocional individual, o precursor do espelho é a face da mãe.” D. W. Winnicott

Quando olhamos nos olhos de alguém, podemos sentir-nos amados, odiados, rejeitados ou compreendidos.

Mesmo enquanto adultos, é muitas vezes uma experiência poderosa e põe-nos em contacto com a ressonância e o eco da infância, e com essa sensação de luta para sermos reconhecidos pelo nosso primeiro espelho – a nossa mãe.

Todos nós enterramos no nosso interior uma memória da experiência de nos vermos reflectidos nos olhos da nossa mãe.

Para quem é mãe pela primeira vez, amamentar e interagir com o bebé pode trazer de volta essa sensação de continuidade, simbiose e conexão – de uma forma boa.

Mas também pode trazer sentimentos assustadores e incoerentes, como o de cair num estado de semi-existência – ou no nada.

No seu artigo inspirado no ensaio de Lacan sobre The Mirror Stage, o psicanalista D.W.Winnicott examina as primeiras experiências de nos sentirmos reflectidos.

“O que o bebé vê quando olha para o rosto da mãe? Sugiro que, normalmente, o que o bebé vê é ele mesmo. Noutros termos, a mãe está a olhar para o bebé e aquilo com que ela se parece está relacionado com o que ela vê ali. Tudo isso é facilmente tomado por evidente. Peço que isso, naturalmente, bem realizado por mães que estão a cuidar dos filhos, não seja considerado tão evidente assim. Posso demonstrar a minha proposição referindo o caso de um bebé cuja mãe reflecte o próprio humor dela ou, pior ainda, a rigidez das suas próprias defesas. Em tal caso, o que é que o bebé vê?

Naturalmente, nada se pode dizer sobre as ocasiões isoladas em que a mãe pode não reagir. Muitos bebés, contudo, têm uma longa experiência de não receber de volta o que estão a dar. Eles olham e não se vêm a si mesmos. Há consequências. […] Depois, o bebé se acostuma à ideia de que, quando olha, o que é visto é o rosto da mãe. O rosto da mãe, portanto, não é um espelho. Assim, a percepção toma o lugar da apercepção, toma o lugar do que poderia ter sido o começo de uma troca significativa com o mundo, um processo com duas direcções no qual o auto-enriquecimento se alterna com a descoberta do significado do mundo das coisas vistas”

Embora, claro, isto seja bastante denso, o que eu acho que Winnicott quer dizer é que mães que estão absortas nos seus próprios pensamentos ou estão emocionalmente indisponíveis (devido ao stress, ansiedade, medo ou traumas não resolvidos) não respondem ao bebé de maneira a que ele possa desenvolver um sentimento de self.

Essa falta de resposta impede que o bebé se veja a si mesmo reflectido e respondido no rosto da mãe. O bebé também perde a oportunidade de se envolver em trocas e entender o ambiente social como um lugar de intercâmbio, onde o seu self em desenvolvimento é parte integrante (potencial) dos relacionamentos.

 

“A principal tarefa do terapeuta é ser o espelho que esteve ausente na infância.”

 

Esse espelhamento precoce também é teorizado pelo psicólogo Heinz Kohut (psicologia do Self). Para Kohut, a principal tarefa do terapeuta é fornecer o reflexo que esteve ausente na infância. Ele vê o papel do terapeuta como o “self-objecto” que oferece reconhecimento empático para o “verdadeiro” self, que foi frequentemente negligenciado ou reprimido, e assim permitir que o self fragilizado possa emergir.

Tanto Winnicott como Kohut sublinham o poder dessas experiências – a experiência de ser espelhado. Eles enfatizam que as nossas primeiras experiências sociais podem condicionar a nossa sensação de estarmos vinculados, de nos sentirmos amados – de existir.

Parece um enorme e pesado impacto para algo que a maioria de nós não se lembra.

Pesquisadores contemporâneos encontraram evidências que apoiam as teorias de Winnicott. Por exemplo, no livro sobre a vinculação e os olhos da mãe, a psicanalista Mary Ayres refere que aqueles que não foram espelhados adequadamente podem apresentar um sentimento primitivo de vergonha. Esse sentimento de vergonha é incorporado ao senso de si em desenvolvimento e fornece um núcleo de “não reconhecido” em torno do qual a personalidade é formada. Normalmente não está disponível para o pensamento consciente, mas permanece como uma sensação de se ser incompleto ou de não se ser amado.

Em terapia, procuramos ajuda para questões que se desdobram de sentimentos subjacentes de falta de amor. Um bom terapeuta é aquele que nos oferece o espelhamento que nos fará sentir compreendidos.

Como terapeuta, estou bem ciente de que as palavras muitas vezes fracassam. Mas a compreensão, a empatia e, sim, o amor podem colmatar as lacunas da linguagem.

Para Kohut e outros teóricos, a empatia é a principal força de cura na terapia e, sem ela, apenas fornecemos argumentos intelectuais – palavras e ideias que remetem para feridas mais profundas.

 

Traduzido e adaptado por Pedro Martins

A partir de: “The first mirror” – Amanda Robins

Tipos-de-Reacção-à-Perda-do-Amor-Pedro-Martins-Psicoterapeuta - Psicoterapia

Tipos de Reacção à Perda do Amor

A aflitiva, catastrófica perda do “outro” – no psicótico – resulta de que neste tipo de estrutura psicopatológica do Eu o outro é absolutamente único; e, consequentemente, na sua perda, fica completamente só e perdido no nada.

Na estrutura depressiva o “outro” – um outro especial – é bastante mais importante que os outros; podemos dizer, o único verdadeiramente importante. Quando o perde o depressivo sente-se sem verdadeiro objecto de amor.

Na organização neurótica há um “outro” privilegiado, mas há vários outros importantes e amados. Quando se perde esse outro privilegiado, não fica nem só nem sem amor – e esta distinção é fundamental.

Podemos acrescentar que o sujeito normal/neurótico tem um número de pessoas investidas com intensidades e formas variadas.

 

A desesperança resultante da perda, o sentimento de que não poderá conquistar um novo amor, organiza a estrutura depressiva.

 

Em regra, a uma série de perdas e desilusões, o indivíduo pode perder a confiança na sua capacidade de amar e/ou na sua qualidade para ser amado, e então perde a esperança e deprime-se verdadeiramente.

Já não é só o sofrimento pela perda havida mas também a desesperança, o sentimento de que não poderá conquistar novo amor e é esta desesperança que organiza a estrutura depressiva.

Na história do depressivo raramente há uma só perda, mas uma sucessão de perdas que estruturam um sentimento de incapacidade de conquistar o amor do outro.

As novas perdas de afecto são cada vez mais intoleráveis, não só porque diminuem as reservas narcísicas, como esgotam o debilitado capital de esperança.

Por outro lado, as relações amorosas, vividas sob o signo da inibição (e muitas vezes na desconfiança da sinceridade do amor do outro), são insatisfatórias. Quando perdidas deixam o sabor amargo do que não foi e podia ter sido, a perda do que ainda não tinha sido ganho – o desespero, a tristeza, a frustração de ter perdido o que apenas se saboreara parcialmente. É a morte antes da vida; a tristeza que se segue à tristeza e não à alegria.

 

A partir de “Psicopatologia Dinâmica” – A. Coimbra de Matos

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