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O Primeiro Espelho é a Face da Mãe

“No desenvolvimento emocional individual, o precursor do espelho é a face da mãe.” D. W. Winnicott

Quando olhamos nos olhos de alguém, podemos sentir-nos amados, odiados, rejeitados ou compreendidos.

Mesmo enquanto adultos, é muitas vezes uma experiência poderosa e põe-nos em contacto com a ressonância e o eco da infância, e com essa sensação de luta para sermos reconhecidos pelo nosso primeiro espelho – a nossa mãe.

Todos nós enterramos no nosso interior uma memória da experiência de nos vermos reflectidos nos olhos da nossa mãe.

Para quem é mãe pela primeira vez, amamentar e interagir com o bebé pode trazer de volta essa sensação de continuidade, simbiose e conexão – de uma forma boa.

Mas também pode trazer sentimentos assustadores e incoerentes, como o de cair num estado de semi-existência – ou no nada.

No seu artigo inspirado no ensaio de Lacan sobre The Mirror Stage, o psicanalista D.W.Winnicott examina as primeiras experiências de nos sentirmos reflectidos.

“O que o bebé vê quando olha para o rosto da mãe? Sugiro que, normalmente, o que o bebé vê é ele mesmo. Noutros termos, a mãe está a olhar para o bebé e aquilo com que ela se parece está relacionado com o que ela vê ali. Tudo isso é facilmente tomado por evidente. Peço que isso, naturalmente, bem realizado por mães que estão a cuidar dos filhos, não seja considerado tão evidente assim. Posso demonstrar a minha proposição referindo o caso de um bebé cuja mãe reflecte o próprio humor dela ou, pior ainda, a rigidez das suas próprias defesas. Em tal caso, o que é que o bebé vê?

Naturalmente, nada se pode dizer sobre as ocasiões isoladas em que a mãe pode não reagir. Muitos bebés, contudo, têm uma longa experiência de não receber de volta o que estão a dar. Eles olham e não se vêm a si mesmos. Há consequências. […] Depois, o bebé se acostuma à ideia de que, quando olha, o que é visto é o rosto da mãe. O rosto da mãe, portanto, não é um espelho. Assim, a percepção toma o lugar da apercepção, toma o lugar do que poderia ter sido o começo de uma troca significativa com o mundo, um processo com duas direcções no qual o auto-enriquecimento se alterna com a descoberta do significado do mundo das coisas vistas”

Embora, claro, isto seja bastante denso, o que eu acho que Winnicott quer dizer é que mães que estão absortas nos seus próprios pensamentos ou estão emocionalmente indisponíveis (devido ao stress, ansiedade, medo ou traumas não resolvidos) não respondem ao bebé de maneira a que ele possa desenvolver um sentimento de self.

Essa falta de resposta impede que o bebé se veja a si mesmo reflectido e respondido no rosto da mãe. O bebé também perde a oportunidade de se envolver em trocas e entender o ambiente social como um lugar de intercâmbio, onde o seu self em desenvolvimento é parte integrante (potencial) dos relacionamentos.

 

“A principal tarefa do terapeuta é ser o espelho que esteve ausente na infância.”

 

Esse espelhamento precoce também é teorizado pelo psicólogo Heinz Kohut (psicologia do Self). Para Kohut, a principal tarefa do terapeuta é fornecer o reflexo que esteve ausente na infância. Ele vê o papel do terapeuta como o “self-objecto” que oferece reconhecimento empático para o “verdadeiro” self, que foi frequentemente negligenciado ou reprimido, e assim permitir que o self fragilizado possa emergir.

Tanto Winnicott como Kohut sublinham o poder dessas experiências – a experiência de ser espelhado. Eles enfatizam que as nossas primeiras experiências sociais podem condicionar a nossa sensação de estarmos vinculados, de nos sentirmos amados – de existir.

Parece um enorme e pesado impacto para algo que a maioria de nós não se lembra.

Pesquisadores contemporâneos encontraram evidências que apoiam as teorias de Winnicott. Por exemplo, no livro sobre a vinculação e os olhos da mãe, a psicanalista Mary Ayres refere que aqueles que não foram espelhados adequadamente podem apresentar um sentimento primitivo de vergonha. Esse sentimento de vergonha é incorporado ao senso de si em desenvolvimento e fornece um núcleo de “não reconhecido” em torno do qual a personalidade é formada. Normalmente não está disponível para o pensamento consciente, mas permanece como uma sensação de se ser incompleto ou de não se ser amado.

Em terapia, procuramos ajuda para questões que se desdobram de sentimentos subjacentes de falta de amor. Um bom terapeuta é aquele que nos oferece o espelhamento que nos fará sentir compreendidos.

Como terapeuta, estou bem ciente de que as palavras muitas vezes fracassam. Mas a compreensão, a empatia e, sim, o amor podem colmatar as lacunas da linguagem.

Para Kohut e outros teóricos, a empatia é a principal força de cura na terapia e, sem ela, apenas fornecemos argumentos intelectuais – palavras e ideias que remetem para feridas mais profundas.

 

Traduzido e adaptado por Pedro Martins

A partir de: “The first mirror” – Amanda Robins

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