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Psicoterapia

negação

Negação: uma forma de lidar com as emoções

A negação é um termo teórico, que passou a ser usado na vida cotidiana, na maioria das vezes, distorcendo o seu significado.

Segundo o Vocabulário da Psicanálise – Laplanche & Pontalis, a negação ou (de) negação é o “processo pelo qual o indivíduo, embora formulando um dos seus desejos, pensamentos ou sentimentos, até aí recalcado, continua a defender-se dele negando que lhe pertença”; “recusa da percepção de um facto que se impõe no mundo exterior.”

A negação por um certo período de tempo pode ser considerada um mecanismo saudável.

A negação é um mecanismo de defesa inconsciente em que o conflito emocional e a ansiedade são evitados por recusa em reconhecer pensamentos, sentimentos, desejos, impulsos, ou factos que são conscientemente intoleráveis.

Em alguns casos, a negação por um certo período de tempo pode ser considerada um mecanismo saudável de mitigar o “intolerável”, dando à mente a oportunidade de elaborar e se adaptar.

Perante emoções demasiado intensas, a negação representa uma forma de preservar a coesão mental, ainda que a negação, em última análise, possa ser nociva.

Uma vez que negação também requer um investimento substancial de energia, implica que outras defesas sejam também utilizadas para manter os sentimentos inaceitáveis ​​afastados da consciência.

A perpetuação do uso das defesas e a sua falência acaba por ser uma das circunstâncias que levam algumas pessoas a procurar a psicoterapia.

Gradualmente as “defesas” tornarem-se cada fez mais inadequadas e ineficazes, deixando a dor emocional oculta (no seu estado original), ascender à superfície.

Os mecanismos de defesa podem ser encontrados em indivíduos saudáveis, mas a sua presença excessiva é, via de regra, indicação de possíveis sintomas neuróticos.

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Implodir ou explodir?

Implodir ou explodir? A resposta não é fácil e, normalmente, a decisão está dependente dos (supostos) efeitos colaterais da explosão, ou seja, como recuperar dos danos resultantes – reais ou imaginados.

Embora provoque grandes estragos, a implosão (explosão interna) tem a “vantagem” de ser controlada pelo próprio.

Já na explosão (externa), o maior receio é a imprevisibilidade quanto aos (supostos) estragos. Temem-se os efeitos no outro e o reflexo no próprio.

É complicado abordar esta questão sem sabermos o que está por trás, mas tomemos o exemplo:

Imaginemos que a Filipa diminui e amesquinha constantemente a Inês através de observações desagradáveis, comentários depreciativos e a responsabiliza por tudo o que de mal ocorre.

Um dos efeitos nefastos da Inês não reagir traduz-se no desenvolvimento de sentimentos de desvalorização e de inculpação – absorção da maldade do outro transformando-a em sua-; algo que se pode enraizar profundamente no Eu a ponto de se constituir como parte integrante deste.

Neste caso, podemos supor que a “explosão” seria a resposta adequada, mas temos que considerar um aspecto. O que representa a Filipa para a Inês?

Se pensarmos que se trata de uma figura com uma grande representação afectiva, é natural que a reacção da Inês  possa ser bloqueada devido ao receio (normalmente fantasiado) de vir a perder a relação com a Filipa. Quando o medo é grande é muito mais provável que se dê uma implosão do que uma explosão.

Uma das conclusões que se podem tirar é que certas dinâmicas relacionais implicam custos muito elevados.

As coisas não são tão simples como tentei demonstrar, são, até, muito mais complexas. Cada caso é um caso, mas implodir não é a solução, pelo contrário, é uma forma de perpetuar certos padrões relacionais.

 

Trauma – Uma Introdução

No Vocabulário de Psicanálise, Laplanche e Pontalis descrevem trauma ou traumatismo (psíquico) como:

“Acontecimento da vida do indivíduo que se define pela sua intensidade, pela incapacidade em que se acha o indivíduo de lhe responder de forma adequada, pelo transtorno e pelos efeitos patogénicos duradouros que provoca na organização psíquica.”

No entanto, nem toda a experiência de trauma é um acontecimento específico; ele pode ser cumulativo.

Neste caso, uma vez que as causas são menos claras, torna-se mais difícil de lidar.

Conceito importante associado ao de trauma, é o de sinal de angústia.

Laplanche e Pontalis referem:” O sinal de angústia reproduz de forma atenuada a reacção de angústia vivida primitivamente numa situação traumática, o que permite desencadear operações de defesa.”

Segundo P. Casement, quando se considera a revivência do trauma é importante pensar em conjuntos inconscientes.

“Isso dá-nos uma lógica em termos da qual podemos entender como a mente regista inconscientemente elementos particulares como sendo da mesma natureza – porque foram anteriormente vivenciados juntos.

Assim eles passam a ser estabelecidos como relacionados, de forma atemporal e sem excepção.

Para o inconsciente a parte pode representar o todo, logo, qualquer coisa associada a uma situação traumática pode representar o trauma como um todo e pode deflagrar o sinal de ansiedade, alertando a mente inconsciente como se aquela situação traumática estivesse na eminência de se repetir.”

Trauma: “Acontecimento da vida do indivíduo que se define pela sua intensidade, pela incapacidade em que se acha o indivíduo de lhe responder de forma adequada.

P. Casement dá-nos um exemplo através de uma vinheta clínica:

Uma menina de dois anos de idade foi levada pela mãe para ser vacinada antes de viajar para o estrangeiro.

Para poder aplicar a vacina na coxa da criança, o médico pediu à mãe para levantar o vestido da filha.

Até aí nada de anormal, à excepção, talvez, da presença desse relativamente estranho – o médico de família.

Mas depois de ficar chocada com a súbita dor da injecção, foram necessários alguns meses para que a criança fosse capaz de recuperar da experiência que parecia estar sempre iminente.

Mais especificamente, ela demonstrava um claro sinal de ansiedade sempre que a mãe tentava trocar-lhe as roupas.

Qualquer tentativa da mãe de levantar o vestido da criança era recebida com gritos.

Uma reacção semelhante era evidente quando se tirava qualquer outra peça de roupa; quanto mais perto da parte inferior do corpo mais intensa era a reacção.

Outras pessoas tinham mais sucesso do que a mãe nessa operação, mas ninguém podia levantar-lhe o vestido.

Podemos ver neste exemplo como várias associações relacionadas com a situação de perigo foram estabelecidas em torno do trauma original.

As mais específicas eram as seguintes: a mãe com a criança ao colo levantando o vestido.

Associações menores também podiam ser identificadas: roupas perto da coxa e pessoas como a mãe.

Era perceptível que a criança tinha mais confiança no pai do que na mãe quando estava no colo.

Mas quando a criança estava no colo de outra pessoa, o pai tornava-se a fonte de ansiedade caso estendesse as mãos para ajudar a tirar a roupa.

O sinal de angústia reproduz de forma atenuada a reacção de angústia vivida primitivamente numa situação traumática.

Por isso, dava a sensação de existirem diferentes níveis de associação a funcionar:

– uma pessoa-colo do sexo feminino era mais temida do que uma pessoa-colo do sexo masculino, particularmente quando associada à tentativa de tirar a roupa.

Também um homem de braços estendidos para ajudar, quando associado à tentativa de tirar roupas, era mais temido do que uma mulher na mesma posição.

Neste exemplo podemos ver que o trauma passou a ser associado a um conjunto de elementos principais:

– estar no colo de uma mulher; roupas removidas ou levantadas; um homem a estender as mãos para fazer algo.

Reconhecendo intuitivamente as associações às quais sua filha reagia, a mãe encontrou uma maneira de lidar com o problema.

Ao colocar a criança na banheira e molhando as roupas, ao invés de tentar despi-la ao colo distanciou-se da situação traumática.

Conseguiu então tirar roupas que estavam molhadas em vez de secas.

Roupas molhadas não tinham participado no trauma original, de modo que essa diferença permitiu à criança aceitar uma nova maneira de se despir, apesar de que remover roupas ainda era parte daquilo que a mãe fazia.

Ela não estava, portanto, evitando completamente a experiência, mas encontrando uma maneira de fazer face a ela – na medida em que a criança estava em condições de a tolerar.

Gradualmente os vínculos associativos tornaram-se mais fracos e as roupas secas também puderam ser removidas: primeiro, removidas quando ela estava sentada numa banheira vazia e, depois, sentada ao colo da mãe.

Divertida-mente ou O lugar das Emoções

Admitimos com relativa facilidade que cada época tem sua própria visão de mundo ou de homem, com seus valores ídolos e demónios, contudo é menos claro que cada época tenha também sua visão do que vem a ser a alma, a mente ou a subjectividade.

Um dos problemas mais difíceis de resolver, quando se trata de psicopatologia é saber se o que Hipócrates chamava de melancolia (a bílias negra), é o mesmo que os medievais temiam pelo nome de acídia, este sentimento, perigosamente contagioso, de descrença e de suspensão da fé que assolava os mosteiros cristãos.

Seria a melancolia descrita no tratado de mais de mil páginas, publicado por Robert Burton, em 1621, a mesma doença que a melancolia apresentada por Cullen em 1785, como uma das quatro formas de doenças dos nervos?

Para o primeiro, a melancolia era um hábito e uma disposição, que incluía desde pena, carência e tristeza até sentimentos difusos de perigo, medo e luto, ocasionando uma perturbação geral da mente. Ela podia se mostrar como uma forma persistente de descontentamento ou ser acompanhada de pensamentos de angústia, vergonha de si e culpa.

Já para Cullen, este grande sistematizador da medicina a melancolia era um tipo de perturbação dos nervos sem febre, sem ataques de espasmos, sem perda de consciência ou fraqueza muscular.

Como saber se a loucura maníaco depressiva, descrita por Kraeplin em 1899, com alternância entre estados de exaltação maníaca e bruscas quedas na melancolia é de fato a redescrição do que Falret chamou de loucura circular em 1823?

Quando vemos nossos pacientes às voltas com diagnósticos como depressão ou bipolaridade e percebemos quão convencionais são tais designações, penso que todo paciente deveria ser informado da historicidade de seu transtorno.

Não apenas porque isso faria perceber que há transtornos indexados no último verão – como o transtorno disfórico pré-menstrual, o luto patológico (se exceder 15 dias) ou o transtorno da explosividade intermitente –, mas porque isso revelaria como as nossas formas de sofrimento e de adoecimento estão profundamente conectadas com a maneira como entendemos o funcionamento da alma, da psique, da mente, da subjectividade ou da personalidade (seriam elas todas a mesma coisa?).

O filósofo americano Richard Rorty certa vez propôs um experimento curioso para verificar a consequência de nossas crenças sobre a mente em nossa experiência de mente ela mesma.* Ele imaginou uma civilização completamente semelhante à nossa, nela tudo teria corrido como se deu na Terra com excepção do conhecimento sobre neurologia e funcionamento do cérebro. Isso teria levado às pessoas deste planeta conjectural a substituírem a expressão de emoções incertas e indeterminadas, como alegria, ódio, ou tristeza por descrições perfeitamente precisas. Neste outro planeta ninguém diria “estou contente de te reencontrar”, mas algo do tipo “na sua presença meu neurônio T27 foi estimulado na frequência de 1.23 neurons”. A pergunta que Rorty levanta a partir disso é se de fato este outro mundo e seus habitantes, seriam iguais a nós, com uma vantagem, sua expressão de emoções seria dada sem ambiguidade e saberíamos exactamente que os outros sentem, objectivamente como nós e nós como eles.

Tal tipo de consideração, sobre a forma como sofremos e sobre a maneira como experimentamos emoções é o fulcro do novo filme da Pixar (agora comprada pela Disney), chamado no Brasil Divertida Mente (Inside Out, 2015).

O filme é inteligente e bem feito, com um roteiro mais complexo do que o habitual para o género. Ele narra as desventuras de uma menina de nove anos do ponto de vista do que acontece em seu cérebro. E o cérebro é composto por duas funções principais: as memórias, que são armazenadas, desfeitas ou qualificadas conforme as exigências de cada momento e as emoções, que estão na torre de comando, operando os movimentos, decisões e reacções.

Encontramos aqui as cinco das seis emoções básicas descritas por Darwin e redesenhas por Eckmann e Friessen nos anos 1980: alegria e tristeza, raiva e medo, além do nojo.

Quiçá esta tenha sido uma redução necessária para dar maior continuidade ao filme, mas salta aos olhos a exclusão de uma das emoções mais importantes para definir o ser humano como um ser orientado para a descoberta e a novidade, ou seja, a surpresa ou espanto.

Ao lado das memórias e das emoções existem os pequenos mundos que se organizam como plataformas semi-independentes, qual uma loja de departamentos: a família, a bobeira, o hóquei, a escola.

Esta anatomia da mente já é por si reveladora. Não se trata mais de um conflito entre sensibilidade e intelecto (nos moldes platônico-kantianos), ou entre senso e sensibilidade (como diria Jane Austen), ou entre inconsciente e consciência (como argumentou Freud), ou entre razão e emoção (como tantas vezes insistiu a psicologia popular).

Trata-se agora de um conflito entre duas emoções: a alegria e a tristeza, que inicialmente não se reconhecem como mutuamente necessárias.

Aqui o filme é didáctico acerca de nossa ideologia contemporânea. Assim como no século XVII Descartes ou Hume se perguntavam sobre a origem do erro ou sobre a origem do mal, agora nós nos perguntamos para que serve a tristeza mesmo?

De fato a alegria é o ponto de vista de onde o filme é contado, sendo as outras emoções, figurantes, um tanto caricatos, que não devem assumir o controle da situação, a ponto de por tudo a perder. É um filme sobre nossa época, e nela, sobre o cansaço de ser alegre. Um filme sobre o mal-estar com a felicidade.

Já há algum tempo a pergunta sobre o lugar dos afectos na política vem se tornando uma pergunta crucial. Definir que tipo de corporeidade queremos para a experiência política é, de certa maneira, sancionar um tipo de afecto como central, em torno do qual os outros se organizarão hierarquicamente, exactamente como em Divertida Mente. Políticas do medo ou da esperança concorrem contra políticas do desamparo e da indiferença, como discute Vladimir Safatle em seu novo livro O circuito dos afectos. O tipo de economia de afectos que reconhecemos em nossos modelos de mente determina modalidade de sofrimento que devemos reconhecer e quais poderão ser ignoradas.

É isso que está em jogo também no chamado “trabalho emocional” e em toda a retórica dos afectos no mundo do trabalho. Os afectos tornaram-se uma espécie de selo de qualidade que dão garantia de continuidade em um universo que opera apenas na presencialidade imediata dos sistemas de interesse. Em um mundo que deve se modificar segundo a plasticidade exigida pela efemeridade das montagens ou dos projectos que organizam a produção, sintomas são a persistência do afecto, assim como verdadeiros talentos vêm com a “certificação” dos afectos, assim como experiências autênticas são as que deixam afectos soldados com memórias.

É neste cenário que devemos receber um filme como este nos lembrando da epígrafe que o Marquês de Sade colocou em seu A filosofia na alcova. Segundo sua recomendação este será um “o livro que a mãe lerá para a sua filha”.

Divertida Mente nos ensina sobre o valor da tristeza, mas também ele quer ser uma espécie de manual de neurologia universal da mente governada por emoções. Ele nos convida a pensar nossas diferenças a partir desta gramática básica e universal das emoções, o que pode ser apenas a expressão muito local de uma geografia particular onde os conflitos estão dentro de nós, e a nós nos cumpre “administrá-los” de modo mais ou menos produtivo.

O filme teria sido muito mais divertido se em vez de todos nós nos identificarmos em torno das cinco emoções básicas, tivéssemos que lidar com compleições diferentes de geografias mentais distintas. Neste caso teríamos como resposta para a conjectura de Rorty que quando mudamos o vocabulário mudamos o mundo e, portanto, nem a melancolia de Hipócrates é a nossa contemporânea depressão e nem todos temos que sofrer, da mesma maneira, em um conflito entre alegria e tristeza.

Christian Ingo Lenz Dunker

No colo aprendi a amar

Num post anterior dei conta de um estudo da FPCE-UC onde se concluía que: “Brincar 10 minutos diários com os filhos em idade pré-escolar, sem direito a fazer mais nada em simultâneo, e de forma cooperativa, contribui para reduzir os distúrbios de comportamento, como p. ex., hiperatividade, défice de atenção, oposição (a criança opõe-se a qualquer ordem do adulto) e desafio e agressividade.”

Agora surge um estudo desenvolvido no Japão pelo Dr. Kumi Kuroda (Riken Brain Science Institute) com resultados, passe a ironia, absolutamente inesperados: os bebés acalmam quando são colocados no colo.

Durante décadas os pais foram bombardeados com dezenas de teorias estapafúrdias que ensinavam a cuidar dos filhos. Os especialistas na matéria, pediatras e psicólogos, venderam milhares de livros “revolucionando” a forma de educar. Técnicas para lidar com choros, birras, (etc.), foram desenvolvidas com base em preconceitos (e muita ciência, sempre muita ciência) e, invariavelmente, descentrando-se do principal: – A Criança .

Resultado: os pais perderam a espontaneidade e a sua capacidade instintiva de cuidar (que passa de pais para filhos).

Em vez de se desenvolver um vínculo seguro através do estabelecimento de uma boa relação – objectivo primeiro -, instrumentalizou-se a relação humana precoce.

É um exagero dizer que os inúmeros diagnósticos de hiperactividade estão relacionados com este tipo de relação, até porque muitos desses diagnósticos estão errados, mas como a sabedoria popular nos ensina: “quem semeia ventos colhe tempestades”.

Nunca imaginei poder dizer que estes estudos são muito bem-vindos, nem imaginei, sequer, que fossem desenvolvidos e que tivessem esta divulgação. Mas eles aí estão, para nos mostrarem o que já sabíamos.

inveja

Inveja: a emoção que existe, mas ninguém tem

A inveja é considerada uma emoção secundária e um dos sete pecados mortais. Há sobre ela anedotas, citações, textos inteiros, teses académicas, mas quando se sai à rua parece que ninguém a conhece. Afinal o que é a inveja e por que a temos? E poderá ter um lado bom?

“No jargão chamam-lhe«dor de cotovelo» e não será por acaso. Recentemente, recorrendo à análise de imagens de ressonância magnética, o investigador japonês Hidehiko Takahashi, publicou na revista Science um estudo que mostra que sentir inveja ativa o córtex singulado anterior, a zona cerebral que processa a dor física. Mais, a dor da inveja é tão forte que – concluiu este ano um grupo de investigadores da Bradley University, nos Estados Unidos da América, e da Nanyang Technological University, em Singapura – pode levar a uma tristeza extrema e causar mesmo depressão.”

Tive muito gosto em responder às perguntas da jornalista Sofia Teixeira para a “Notícias Magazine”, podem continuar a ler aqui

Espírito Positivo Pedro Martins psicoterapeuta psicoterapia cancro

A tirania do espírito positivo

Ao ler um artigo no jornal Público – “Cancro:afinal, é permitido chorar”, deparei-me com a expressão: “a tirania do espírito positivo”.

Arregalei os olhos, e disse: “Finalmente!”

“O espírito positivo não é o remédio universal para todos os males.”

Para bem de todos, e neste caso, para os doentes com cancro, cai por terra a ideia de que o espírito positivo é o remédio universal para todos os males.

É muito provável que os primeiros (naturais e compreensíveis) sentimentos após um diagnóstico de cancro, sejam de medo, de injustiça, de revolta e de raiva. “Porquê a mim?!” Não muito distante, deve andar a tristeza.

Pode ser que esteja enganado, que esteja só a falar por mim. Pode ser que eu seja um pessimista e por isso não consiga ver o sol a brilhar quando inesperadamente se abre uma janela para a escuridão.

É muito importante reconfortar alguém que está num grande sofrimento, independentemente, da forma.

Mas se conseguirmos fazer sentir ao outro que estamos disponíveis, resistir-mos às frases feitas, e dermos espaço ao outro para lidar com a sua dor, estamos a ser uma enorme ajuda.

Se já reconfortou alguém, usando alguma frase feita, não se preocupe, não é considerado um “tirano do espírito positivo”.

Para ser um verdadeiro “tirano”, precisa fazer sentir ao outro que os ditos “sentimentos não positivos” são maus, que lhe fazem mal, e se não os tivesse, com certeza, a sua vida seria melhor.

“A tirania do espírito positivo”, que se tenta eliminar na oncologia está profundamente enraizada e tem ferozes defensores, a maioria, impossibilitados de serem “honestos” com o que estão a sentir.

O nosso papel é ajudar o outro a construir uma narrativa sobre a sua dor, e dessa forma libertá-lo da tirania do espírito positivo.

relações Psicanálise e Psicoterapia Relacional – continuação Pedro Martins Psicoterapeuta Psicoterapia

Psicanálise e Psicoterapia Relacional – continuação

O termo Psicanálise Relacional foi introduzido em 1983 por Stephen Mitchell e Jay Greenberg no livro Relational Concepts in Pshychoanalysis. Ele desenvolveu-se a partir da convergência de diversas correntes importantes na teoria psicanalítica que se afastaram muito do modelo pulsão/estrutura, no qual as pulsões têm papel central na vida psicológica.

As teorias relacionais postulam que “as relações com os outros constituem os blocos fundamentais na construção da vida mental”.

O termo relacional, tão amplo, inclui interações entre o indivíduo e o mundo social, relações interpessoais internas e externas, autorregulação e regulação mútua, formando, assim, uma ponte entre os espaços interpessoal e intrapsíquico (Lewis Aron, 1996).

O modelo relacional vê as operações da mente como sendo diádicas e interativas na sua natureza; a experiência surge num campo interativo entre pessoas, e a situação analítica é compreendida na psicanálise relacional como sendo moldada pela participação contínua do analisando e do analista, bem como pela construção mútua do significado, da autenticidade e das novas experiências relacionais.

Os antigos padrões relacionais repetem-se, mas espera-se que cada dupla analista-paciente consiga descobrir modos singulares de ir além da situação de aprisionamento ao passado, e consigam construir e negociar novas formas de estarem um com o outro. Busca-se menos a verdade objectiva e mais o significado do que eles sejam capazes de construir.

O modelo relacional reforça a ambiguidade da realidade: cada indivíduo tem seu ponto de vista plausível; todo conhecimento tem como base uma perspectiva, mas há outras perspectivas e outros centros de subjectividade além do nosso (Aron, 1996).

O primeiro e mais importante desvio que levou a teoria psicanalítica a avançar do modelo freudiano de desenvolvimento, de psicopatologia e tratamento do paciente, que era um modelo de “uma pessoa”, para um modelo de “duas pessoas”, ou relacional, foi feito por Ferenczi.

Desde muito cedo, Ferenczi chamou a atenção para o analista como pessoa real, percebida pelo paciente em matizes subtis do seu comportamento e diante das quais o paciente reage. Deste modo, a transferência do paciente não surge exclusivamente de dentro dele; ela é influenciada pelos comportamentos e pelas intervenções do analista.

Segundo Fairbairn, a motivação fundamental dos seres humanos é procurar ligações com os outros. Cada indivíduo molda os seus relacionamentos conforme padrões de relação que trazem internalizados desde os seus mais precoces relacionamentos significativos. Os modelos de ligação com os primeiros objectos tornam-se as formas preferenciais e esperados de relacionamento com novas pessoas.

Os novos objetos amorosos são escolhidos pela sua similaridade aos objetos satisfatórios ou insatisfatórios do passado, e as interações com os novos parceiros desencadeiam os antigos comportamentos esperados. As novas experiências são processadas e interpretadas conforme as antigas expectativas.

Segundo ele, os pacientes não podem abandonar as ligações aditivas aos antigos objetos, a menos que acreditem e confiem que é possível desenvolver novos modos de relacionar-se que, de facto, eles podem ser ouvidos e vistos. Definiu o progresso analítico como sendo o resultado de uma capacidade modificada de se relacionar com os outros (Mitchell e Black, 1983).

O desvio conceptual da abordagem de “uma pessoa” para a abordagem de campo de “duas pessoas” tem, naturalmente, muitas consequências na situação analítica.

O método psicanalítico clássico baseia-se na premissa de que a psicanálise oferece ao paciente um tipo peculiar de experiência, por meio do estabelecimento de uma situação analítica cuidadosamente controlada: o divã, a frequência das sessões, quatro ou cinco vezes na semana, a regra fundamental da livre associação, o analista silencioso na maior parte do tempo e encoberto pelo anonimato são fatores técnicos que possibilitam ao paciente passar por uma experiência que activa antigas recordações e padrões da infância.

O elemento central desta visão é a premissa de que as experiências do paciente em análise se originam a partir do interior do paciente e se expandem no espaço analítico cuidadosamente planejado que a técnica clássica proporciona. Essa premissa torna o modelo clássico essencialmente numa perspectiva de “uma pessoa”. O encontro analítico funciona como uma máquina do tempo, na qual o paciente retorna ao seu passado por deslocamentos temporais da transferência. A pessoa do analista não é importante, já que o seu papel funcional é o de operador da máquina do tempo. Se for competente, o analista vai proporcionar uma função genérica que dá ao paciente a capacidade de experienciar, examinar e compreender mais plenamente seu passado.

A acção terapêutica dentro do modelo relacional depende do estabelecimento de um ambiente seguro no qual cada elemento da dupla contribui com percepções singulares que têm a sua própria experiência compartilhada. À medida que os padrões relacionais do início da vida do paciente vão sendo reencenados dentro do espaço analítico, os laços afectivos patológicos que o prendem a antigos objectos vão ser realçados e mantidos em rigoroso contraste com os relacionamentos novos, e espera-se, mais adaptativos e flexíveis, que paciente e analista lutam para negociar no presente.

Por meio do processo de contrastar, integrar e apreciar os matizes de perspectivas e subjectividades alternativas, diferentes das nossas, é que o paciente e analista constroem – em conjunto – uma visão compartilhada do mundo que existe, além das paredes do self, a partir de duas perspectivas diferentes.

Referências:

Sauberman, P. R. (2009). Psicanálise relacional contemporânea da pulsão para a relação. Rev. bras. psicanál v. 43 n.1 S. Paulo

auto-imagem Psicanálise e Psicoterapia Relacional – Uma introdução Pedro Martins Psicoterapeuta - Psicoterapia

Psicanálise e Psicoterapia Relacional – Uma introdução

A Psicanálise Relacional começa a tomar a sua forma actual durante os anos oitenta do século passado, especialmente nos EUA, quando um grupo de autores (Mitchell, Aron, Stolorow, Benjamin Bromberg) procura integrar a tradição relacional (Sullivan, Murray, Kohut) com a teoria britânica das relações de objecto (Balint, Fairbairn, Winnicott).

Trata-se de uma psicanálise anti-cartesiana porque propõe que o mundo seja entendido, principalmente, como uma constelação de relacionamentos que permitem a construção do ser humano individual. A mente não nasce com o indivíduo mas desenvolve-se na interacção humana com o meio ambiente. A criança não é apenas um produto do meio ambiente, mas interage com ele, com a sua espontaneidade e inclinações.

Para a teoria freudiana, o ser humano é motivado por impulsos sexuais e agressivos, inata e biologicamente determinados. Para a nova abordagem, no entanto, a principal motivação é a busca de relações com os outros.

As relações iniciais com os cuidadores primários moldam o nosso comportamento, a auto-imagem e a forma de satisfazer os nossos desejos e necessidades, assim, não podem ser separadas do contexto relacional.

Os padrões iniciais de relacionamento tendem a ser reproduzidos posteriormente na interacção relacional com os novos companheiros de relação.

Uma das características marcantes da psicanálise relacional está no peso dado à interpretação, ou seja, esta não é considerada o factor terapêutico fundamental.

A presença empática do terapeuta, o acompanhamento, o apoio (Winnicott – holding), são factores, no mínimo, tão importantes, como aquilo que em concreto se possa interpretar/dizer ao paciente.

Outro importante factor é redução da assimetria entre o terapeuta e o paciente, ou seja, o terapeuta não se situa numa cúpula de onde emite o seu oráculo, que o paciente deve ouvir com humildade e submissão. Aqui, o paciente nem sempre está errado quando mostra a sua discordância com algo que o terapeuta disse ou fez.

 

Traduzido e adaptado de “Defenicion del Psicoanálisis relacional”

– Psicoanálisis: principios del psicoanálisis relacional

 

A Nostalgia e a Depressão. Pedro Martins Psicoterapeuta - Psicoterapia

A Nostalgia e a Depressão

A ideia de que a nostalgia é um sentimento negativo é generalizada e a estreita relação entre nostalgia e depressão não é de hoje: “O deprimido é aquele que vive do/no passado”.

A nostalgia foi originalmente descrita como uma “doença neurológica de causa essencialmente demoníaca” pelo médico Suíço Johannes Hoffer em 1688. A nostalgia foi considerada uma doença desde o século XVII devido aos sintomas encontrados em soldados pelos médicos militares: desejo de regressar a casa, acompanhado de dor. Nostalgia: Nostos – desejo de voltar para casa; Algos – a dor que o acompanha.

No século XIX e XX a nostalgia continuou a ser considerada uma patologia, sendo exemplo disso a “psicose emigrante” ou certas formas de “melancolia”.

Quando o Dr. Sedikides, TimWildschut e outros colegas de Southampton começaram a suas investigações sobre a nostalgia descobriram que se tratava de um sentimento praticamente universal, encontrado inclusive em crianças a partir dos 7 anos. Os temas em volta dos quais a nostalgia se desenvolve eram muito semelhantes: reminiscências sobre amigos e familiares, casamentos, músicas, pôr-do-sol. Em síntese, acontecimentos em que o protagonista está rodeado de figuras importantes em momentos significativos. A maioria dos sujeitos relata que esses pensamentos surgiam quando algo de mau acontecia ou quando se sentiam sozinhos e que essas memórias contribuíam para que se sentissem melhor.

A nostalgia demonstrou neutralizar a solidão, o tédio e a ansiedade, tornando as pessoas mais generosas e tolerantes com estranhos. Mas, não-há-bela-sem-senão. A nostalgia tem o seu lado doloroso, é um sentimento agridoce, pois nem todas as memórias são felizes. Mas, no geral, como referem os pesquisadores de Southampton, os elementos positivos superam muito os elementos negativos e o efeito final traduz-se numa vida com maior significado.

Segundo o Dr. Routledge “A nostalgia tem uma função existencial crucial“, ela traz à mente as experiências queridas que nos asseguram que somos pessoas de valor e que temos vidas significativas”.

As memórias, principalmente, as boas, mas também, as más, são o nosso maior património. Porque não começar a dar-lhes mais uso?!

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Identificação Projectiva. Pedro Martins - Psicólogo Clínico Psicoterapeuta

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