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Pensamento mágico. Pedro Martins Psicólogo clínico Psicoterapeuta

Pensamento Mágico

O termo pensamento mágico designa o pensamento que se apoia numa fantasia de omnipotência para criar uma realidade psíquica em que o indivíduo vivencia como “mais real” do que a realidade externa.

Quando falamos de pensamento, estamos sempre a referir-nos a pensamento e sentimento.

Este pensamento substitui a realidade externa actual por uma realidade inventada, mantendo assim a estrutura existente do mundo interno.

O pensamento mágico subverte a oportunidade de aprender a partir das experiências de vida com objetos externos reais.

O preço psicológico pago pelo indivíduo em virtude da sua crença no pensamento mágico é muito claro:

– O pensamento mágico não funciona, pois nada pode ser construído sobre ele a não ser outras camadas de construções mágicas.

O pensamento mágico tem apenas um objetivo: evitar enfrentar a verdade da própria experiência interna e externa.

O método utilizado para alcançar esse objectivo é o da criação de um estado mental em que o indivíduo acredita criar a realidade na qual ele e os outros vivem.

Nessas condições, a realidade psíquica oculta a realidade externa, a realidade não é a “da experiência, mas a do pensamento”.

Consequentemente, as surpresas emocionais e os encontros com o inesperado são, sempre que possível, recusados.

No limite, quando um indivíduo teme que a integridade do seu self esteja em perigo, pode defender-se por meio de fantasias omnipotentes que abrangem virtualmente tudo, desconectando-o da realidade externa, a tal ponto, que o seu pensamento se torna delirante e/ou alucinatório.

Nesse estado psicológico, ele torna-se incapaz de aprender a partir da própria experiência.

Na medida em que a realidade psíquica oculta a realidade externa, a capacidade do indivíduo de distinguir sonho e percepção, símbolo e simbolizado vai-se degradando progressivamente.

 

Ao substituir a realidade de facto por uma realidade inventada dilui-se a diferença entre realidades interna e externa.

 

Daí resulta que a própria consciência (consciência de si) seja comprometida ou perdida, o que, no quadro psicoterapêutico, leva a uma situação em que o paciente trata os seus pensamentos e sentimentos não como experiências subjectivas, mas como factos.

O pensamento mágico está por trás de muitas defesas psicológicas. A mania e a hipomania refletem a hegemonia de um conjunto de fantasias omnipotentes:

– Apoiado em defesas maníacas, o indivíduo sente que tem controlo absoluto sobre o objeto/outro que lhe falta, portanto, não o perdeu, mas rejeitou-o; não lastima, mas, antes, celebra a perda do objeto/outro porque está melhor sem ele.

Além do mais, essa perda deixa de ser uma perda, pois o objeto/outro não tem valor e é desprezível.

Os sentimentos associados a essas fantasias omnipotentes são muito bem resumidos por M. Klein (1935/1968), como sentimentos de controlo, desprezo e triunfo.

Todas as qualidades do pensamento mágico que acabámos de ver refletem o uso da fantasia de omnipotência para criar a ilusão – e, às vezes, o delírio – de que não se está sujeito às leis que se aplicam aos outros, o que inclui as leis da natureza, a inexorabilidade do tempo, o papel do acaso, a irreversibilidade da morte etc.

O pensamento mágico é muito conveniente – basta dizer algo para não ter de enfrentar a verdade do que ocorreu, e muito menos tomar qualquer atitude.

Contudo, por mais vantajoso que seja, há uma desvantagem primária: não “funciona” – nada pode ser construído sobre ou com ele, a não ser outras camadas de construções mágicas.

Este “pensamento” não tem força no mundo real, no que existe fora da mente da pessoa.

 

O pensamento torna-se cada vez mais uma ficção – uma invenção mágica da própria mente, uma construção dissociada da realidade externa.

 

Mais do que uma forma do pensamento genuíno, constitui um ataque tanto contra o reconhecimento da realidade quanto contra o próprio pensamento – ou seja, é uma forma de anti-pensamento.

Substitui a realidade de facto por uma realidade inventada, fazendo, assim, desmoronar a diferença entre realidades interna e externa.

A crença, por exemplo, de que se pode usar uma estratégia do tipo “perdoar e esquecer” indiscriminadamente nas experiências interpessoais acaba por cegar ainda mais o indivíduo não apenas em relação à realidade da natureza do vínculo emocional que existe entre ele e os outros, mas também em relação a quem ele mesmo é.

Torna-se cada vez mais uma ficção – uma invenção mágica da própria mente, uma construção dissociada da realidade externa.

Nada, nem ninguém pode ser construído sobre ou com um pensamento mágico porque à “realidade” criada de modo omnipotente falta a alteridade absoluta e imutável da realidade factual externa.

Ora, a experiência da alteridade da realidade externa é necessária para criar uma verdadeira experiência de si.

Sem não eu não pode haver eu. Sem um outro diferenciado, a pessoa é todo mundo e ninguém.

Uma implicação dessa compreensão do papel central do reconhecimento da alteridade no desenvolvimento do self é a ideia de que, se é muito importante que o terapeuta entenda o paciente, é igualmente importante que este seja uma pessoa diferente do paciente.

A última coisa de que qualquer paciente precisa é de uma segunda versão de si mesmo.

 

O pensamento mágico tem apenas um objetivo: evitar enfrentar a verdade da própria experiência interna e externa.

 

Uma paciente reduzida à sua omnipotência

Na entrevista inicial, para explicar porque me tinha procurado, a senhora S declarou: “Tenho um talento incrível para estragar tudo: o meu casamento, as relações com os meus filhos e a maneira como faço o meu trabalho”.

Apesar da ironia proposital da afirmação, achei que estivesse mais a gabar-se do que a admitir os seus fracassos ou a pedir ajuda. Senti que me estava a avisar que não era uma pessoa comum – “tenho um talento incrível”.

Na primeira semana de terapia ocorreu algo bastante surpreendente.

A senhora S deixou uma mensagem telefónica a avisar que os seus horários de trabalho tinham mudado e que só conseguiria chegar para a hora seguinte, ou seja, com uma hora de atraso.

A mensagem terminava assim: “se não me retornar, quer dizer que estamos combinados”.

Não tive outra opção a não ser ligar-lhe de volta.

Na minha mensagem, disse que a esperava na hora marcada, não depois.

Se não tivesse feito isso, ela teria chegado na mesma hora que o meu paciente seguinte. Se nós os três nos encontrássemos na sala de espera, teria ocorrido uma situação de intrusão.

A senhora S chegou vinte minutos atrasada à sessão cujo horário queria alterar.

Deu-me desculpas e explicações esfarrapadas.

Disse-lhe: “Acho que não acredita que lhe reservei um lugar de verdade aqui e que, portanto, sente que precisa de roubar um. Mas não penso que estas coisas possam ser roubadas”.

Eu desconfiava seriamente que a ansiedade de não ter um lugar próprio a acompanhava desde sempre, mas não lhe disse isso.

 

Mais do que uma forma do pensamento genuíno, constitui um ataque tanto contra o reconhecimento da realidade quanto contra o próprio pensamento.

 

Ela respondeu que não pensava que as coisas fossem assim tão complicadas e passou a falar-me dos acontecimentos no seu trabalho.

Disse-lhe: “Acha que não terei um lugar aqui com a senhora a não ser que eu lute para isso”. A paciente fez de conta que não ouviu nada.

Falava da própria vida de modo bastante irrefletido. A respeito da sua “juventude”, disse que tivera uma “infância perfeitamente normal” e que seus pais, universitários de sucesso, eram “perfeitamente razoáveis”. “Não posso culpá-los por tudo”.

Imaginava que a paciente estava certa, mas de um modo que ela estava longe de suspeitar.

Isto é, ela fora uma criança “perfeitamente” comportada – obediente e receosa das suas emoções -, e os seus pais foram “perfeitamente razoáveis”, no sentido de que eram pouco dados a receber ou a exprimir sentimentos. Essa inferência foi confirmada com o tempo nos relatos da paciente sobre a sua própria infância.

Os esforços da senhora S para me controlar e roubar, a mim e aos meus outros pacientes, estavam estreitamente ligados à sua crença de que eu tinha as respostas para os seus problemas – a incapacidade de ser mãe, esposa, amiga ou uma pessoa produtiva profissionalmente.

A minha “teimosia” em não lhe dar soluções para os problemas desnorteava-a tanto quanto a enfurecia.

Com o tempo, comecei a perceber que, desde o início da terapia, um aspecto estava a tornar-se cada vez menos disfarçado e mais provocatório na minha relação com a paciente.

Deturpava regularmente sentimentos e comportamentos assim como acontecimentos que ocorriam dentro ou fora do consultório.

Isso era mais visível quando distorcia alguma coisa que ela ou eu tínhamos dito durante a sessão em curso ou numa sessão recente.

 

No limite, quando um indivíduo teme que a integridade do seu self esteja em perigo, pode defender-se por meio de fantasias omnipotentes.

 

Depois de quase dois anos sentindo-me controlado desse modo, disse: “Penso que, apresentando a mim e a si todas estas histórias que sabe serem falsas ou enganadoramente incompletas, garante que tudo o que eu diga ou pense não tenha interesse ou valor para si. A realidade é apenas uma história que cria e recria como quer. Não há eu real ou você real que esteja fora do seu controle. Como pode criar qualquer realidade que lhe sirva, não precisa fazer realmente seja o que for para realizar as mudanças na sua vida que disse querer fazer”.

Enquanto dizia isso à senhora S, sentia-me zangado por ela estar a assolapar o trabalho terapêutico e a mim.

Também tinha consciência de que, ao salientar que não aprovava o modo como ela fazia o seu percurso, eu a forçaria, provavelmente, a entrar num estado ainda mais defensivo, o que, de facto, aconteceu.

Entretanto, não foi a minha zanga o que mais me perturbou nessa ocorrência, mas o facto de falar-lhe de um modo repreensivo, o que sentia como algo alheio a mim.

Numa sessão posterior fiquei subitamente ansioso, parecia não saber onde estava, quem estava comigo, o que estava a fazer. Senti-me desnorteado.

Levei uns segundos para deduzir onde estava, o que eu estava ali a fazer – ou seja, quem eu era. Minutos depois, esse pensamento dedutivo foi seguido de um sentido mais sólido de mim mesmo como pessoa e terapeuta da senhora S.

Com o tempo, essa experiência inquietante levou-me a tomar consciência do meu próprio medo de me perder na experiência psicológica e interpessoal em que a senhora S reinventava continuamente não apenas a realidade, mas também a ela mesma e a mim.

 

A realidade psíquica oculta a realidade externa. A realidade não é a “da experiência, mas a do pensamento”.

 

Pareceu-me que ela estava a mostrar o que não me conseguia dizer – ou dizer a si própria – ou seja, qual era a sensação de se inventar e reinventar e de ser inventada e reinventada por outra pessoa.

Isto fez-me lembrar a exigência dos pais da senhora S, bem como os próprios esforços para ser “uma criança perfeita”, que não exige nada emocionalmente dos pais, ou seja, uma criança que não é uma criança.

Disse à senhora S: “Creio que as suas distorções da realidade e particularmente as invenções a seu e a meu respeito são esforços para me mostrar o que não me consegue transmitir em palavras. Parece-me que, em criança, você sentiu que era a invenção da mente de outra pessoa e que continua a sentir-se assim. Acredito que tem tido medo de dizer a verdade a mim ou a si mesma porque isso ameaçaria o pouco de si mesma que sente como real. Dizer-me a verdade seria como abrir-se para que eu pudesse apossar-me o que sente ser e haver de mais real dentro de si e o substituísse com a minha própria versão de si”.

A senhora S não descartou com uma tirada sarcástica ou rejeição desdenhosa como costumava fazer. Antes, ficou quieta durante os poucos minutos que faltavam para o fim da sessão.

Na sessão do dia seguinte, a senhora S contou-me um sonho: “Estava a jogar ténis – na realidade não sei jogar ténis – e a bola rolou até um canto bem longe do complexo de campos onde estávamos a jogar. Naquele canto havia um recipiente cheio de bolas novinhas, mas não tinha maneira de levar mais do que uma ou duas. Não me consigo lembrar o que ocorreu depois. De manhã, quando acordei, sentia-me bem – nem óptima, nem péssima”.

 

O pensamento mágico subverte a oportunidade de aprender a partir das experiências de vida.

 

Eu disse-lhe: “Ao contar-me esse sonho começou a dizer a mim e a si mesma que, no sonho, estava a jogar ténis, mas que na realidade não sabe jogar. Pareceu-lhe importante que ambos saibamos o que é real e o que não é. A bola rolou até um canto afastado onde havia um recipiente cheio de bolas novas – parecia um tesouro atraente, mas só podia levar uma ou duas. No entanto, as bolas de ténis que você tinha já bastavam. Quando acordou, não se sentiu como quem perdeu um tesouro, nem como uma ladra, como costumava ocorrer antes. Você sentiu-se bem”.

Ela respondeu: “É verdade, não me importei mesmo por não poder levar as bolas todas. Não queria, não precisava delas. Encontrar as bolas não foi como descobrir um tesouro, apenas me pareceu estranho. Quando era pequena, ainda no colégio… numa loja roubei coisas que não precisava; assim que saí deitei-as fora. Sinto nojo quando me lembro disso. Mesmo sem precisar daquelas coisas, não consegui resistir”.

Durante o ano seguinte a essa sessão, a senhora S inventou muito menos a própria realidade. Às vezes, quando começava a distorcê-la, parava e dizia:

“Não adianta eu continuar a falar porque eu estou a deixar de lado uma parte importante do que aconteceu por vergonha de lhe contar”.

Nos trechos que comentei, a paciente estava profundamente arraigada no pensamento mágico que a levava a um esforço de inventar (e destruir) realidades dela mesma e as minhas.

Para ela, a alternativa de inventar realidade não era apenas uma experiência de desamparo, mas um sentimento de perda de si mesma, um sentimento de que estava a ser roubada por alguém.

 

Trata-se de um pensamento que se apoia numa fantasia de omnipotência para criar uma realidade psíquica em que o indivíduo vivencia como “mais real” do que a realidade externa.

 

As distorções da realidade da paciente – a criação mágica da própria realidade – irritaram-me, uma vez que contribuíam para o que parecia um roubo da significação do diálogo terapêutico e um roubo do meu sentido de self.

No início, eu disse à paciente que o seu pensamento mágico era excessivamente acusador e, consequentemente, inútil para ela.

Contudo, útil para mim, uma vez que me alertou para o facto de que ela não me reconhecia na maneira como lhe tinha falado.

O facto de falar com a senhora S sobre o que acreditava ser os seus sentimentos de perder-se nas suas infinitas reinvenções da realidade ofereceu-nos um contexto emocional – modo continente de pensar – que permitiu a ela e a mim sonhar com uma experiência de ela ser ela mesma no mundo sem necessidade de magia.

Tanto no sonho como nas conversas comigo sobre as bolas de ténis, a paciente foi capaz de se aceitar tal como era. A realidade não era uma ameaça; serviu de alteridade fundadora.

A minha alteridade e a da realidade externa tornaram-se imediatamente mais presentes quando lhe “recontei” o sonho com as bolas de ténis de maneira diferente da dela.

Ao ouvir-me contar o sonho, acredito, a senhora S viu algo como ela mesma – ela mesma a uma distância considerável – no “meu sonho”.

Serviu-se da realidade externa – da alteridade – da minha versão do sonho, como revelou ao corrigir tranquilamente a minha versão quando não se reconhecia nele.

Por exemplo, disse que encontrar todas essas bolas de ténis “não era como descobrir um tesouro”; antes achou “estranho” – isto é, alheio à pessoa que ela estava a tornar-se.

 

Traduzido/adaptado por Pedro Martins a partir de “On three ways of thought: magical thinking, dream-like thinking and transformative thinking – Thomas H. Ogden

Adoecer Mentalmente. Pedro Martins Psicólogo Clínico Psicoterapeuta

Adoecer Mentalmente

Adoecer Mentalmente: Durante bastante tempo podemos conseguir lidar suficientemente bem com as coisas.

Conseguimos ir trabalhar todas as manhãs, falamos das coisas agradáveis das nossas vidas aos amigos e divertimo-nos durante um jantar.

Não somos completamente equilibrados, mas há poucas maneiras de saber que as coisas são igualmente difíceis para as outras pessoas, e o que temos direito de esperar em termos de contentamento e paz de espírito.

Provavelmente, dizemos a nós próprios para deixarmos de ser auto complacentes e redobrarmos os nossos esforços para nos sentirmos bem, e nos valorizarmos através das nossas realizações.

Presumivelmente, somos especialistas mundiais em não sentir compaixão por nós próprios.

Nós podemos passar décadas nisto.

Não é raro que as condições mentais mais graves permaneçam sem diagnóstico durante muito tempo.

Simplesmente não notamos que por baixo da superfície estamos mentalmente doentes: cronicamente ansiosos, com uma enorme autoaversão e muito perto do desespero e de uma raiva avassaladora.

Isto também acaba, simplesmente, por ser sentido como normal.

Até que um dia, expectavelmente, algo desencadeia um colapso.

Pode ser uma crise no trabalho, uma inversão nos nossos planos de carreira ou um erro que cometemos.

Pode ser uma desilusão amorosa, alguém que nos deixa, ou uma percepção de que estamos profundamente insatisfeitos com um parceiro com quem pensávamos ficar.

Sentimo-nos misteriosamente exaustos e tristes, a ponto de já não conseguirmos enfrentar nada, nem mesmo uma refeição em família ou uma conversa com um amigo.

Podemos ser atingidos por uma ansiedade incontrolável em torno dos desafios diários, como falar com os nossos colegas de trabalho ou ir a uma loja.

Ficamos atolados numa sensação de desgraça e de catástrofe iminente.

Estamos mentalmente doentes e, com sorte, saberemos erguer imediatamente a bandeira branca e rendermo-nos

 

A nossa doença está a tentar chamar à atenção para os nossos problemas, mas só o pode fazer de forma desarticulada, apresentando sintomas grosseiros e vagos. Diz-nos que estamos preocupados e tristes, mas não nos pode dizer com o quê e porquê.

 

Não há nada de vergonhoso ou raro no nosso estado; adoecemos, como tantos outros antes de nós.

Não é preciso agravar a nossa doença com um sentimento de vergonha.

Isto é o que acontece aos humanos perante as condições dolorosas, alarmantes e sempre incertas da existência.

A recuperação pode começar no momento em que se admite que já não se tem a menor ideia de como lidar com a doença.

As raízes da crise remontam, quase de certeza, a um tempo distante.

As coisas não terão estado bem em certas áreas durante muito tempo, possivelmente, desde sempre.

Provavelmente, passámos por graves insuficiências nos primeiros tempos.

Disseram-nos e fizeram-nos coisas que nunca deveriam ter ocorrido, e momentos de tranquilidade e cuidado que foram desafortunadamente perdidos.

Para além disto, a vida adulta terá apresentado dificuldades para as quais não estávamos bem equipados para suportar.

 A nossa doença está a tentar chamar à atenção para os nossos problemas, mas só o pode fazer de forma desarticulada, apresentando sintomas grosseiros e vagos.

Diz-nos que estamos preocupados e tristes, mas não nos pode dizer com o quê e porquê.

Esse será o trabalho de investigação do paciente, ao longo de meses ou anos, provavelmente, na companhia de um psicoterapeuta.

A doença contém a cura, mas tem de ser explorada e a sua desarticulação original tem de ser interpretada.

Algo do nosso passado clama por ser reconhecido – e não nos deixará em paz até que lhe tenhamos dado o devido valor.

Em certos momentos pode parecer-nos uma sentença de morte, mas é-nos dada, através da crise, uma oportunidade para finalmente ousarmos ouvir o que a nossa dor nos tenta dizer, e de recomeçarmos as nossas vidas numa base mais compassiva e realista.

 

Traduzido/adaptado por Pedro Martins

a partir de: Falling mentally ill – Alain de Botton

Personalidade Depressiva - Pedro Martins Psicólogo Clínico Psicoterapeuta

Personalidade Depressiva

Paciente mulher com personalidade depressiva

P: Tenho de pensar em mim, preocupar-me/ocupar-me com as minhas coisas. Só penso nos outros, preocupando-me com eles constantemente, ocupo-me apenas com as coisas dos outros. Esqueço-me de comprar roupa para mim, estou sempre a comprar roupa para o Francisco. Cozinho para ele; se estou só, não cozinho, como qualquer coisa que haja em casa.

T: Como há muito lhe venho mostrando

P: É verdade… Mas depois – penso – fico vazia, não tenho nada que me interesse ou motive. Assim ao menos – ocupando-me com os outros – ando entretida, sinto-me mais preenchida.

 

Nunca ninguém reparou que andasse deprimida, nem ela própria disso se apercebia.

Era assim, sempre foi assim; ela e os outros sempre acharam que era normal.

São as derrotas sucessivas que a trazem à terapia. Não percebe porque tal acontece.

Abandona umas vezes, é abandonada outras.

Nos abandonos afectivos, fica algum tempo deprimida – depressão que nem pela intensidade nem pela duração tem características patológicas;

O único aspecto patológico (mas que é importante e significativo) é a ausência de revolta e acusação do objecto abandonante:

– Sente sempre que a culpa/responsabilidade foi toda sua.

Quando é ela a abandonar, o motivo consciente é a saturação e o desinteresse progressivo pela relação.

Interessa-se pouco com si própria. Quando tem uma nova relação amorosa anima-se por algum tempo.

Só que não repara, desconhece a depressão larvar em que se arrasta – a depressividade.

A depressividade é uma certa e específica forma de personalidade depressiva, a mais característica – que se revela pelo abatimento, sintoma patognomónico da doença depressiva (depressão/personalidade depressiva).

Traduz-se a queda/declínio da líbido (sexual lato sensu e narcísica), restando ou exacerbando-se a líbido ideal (dessexualizada) e a ligação de aconchego e dependência;

Numa outra linguagem e perspectiva, a queda da energia psíquica (perda da vitalidade).

 

O abatimento é o sinal nuclear da doença depressiva.

 

Reiteramos: o abatimento é o sinal nuclear da doença depressiva.

A alteração do humor, a tristeza, não é um sintoma essencial.

O certo é que há depressões sem tristeza, mas não existem depressões sem abatimento.

Na depressão normal, que se distingue, não só pela menor intensidade e duração e pela proporcionalidade da alteração à grandeza da perda actual, mas principalmente pelo predomínio da revolta sobre o sofrimento depressivo – há algum abatimento.

Mas o que caracteriza a depressão normal é o ressentimento e a raiva.

Na depressão doença, predomina o sentimento depressivo e a inibição (abatimento) sobre a revolta.

É que na depressão patológica subjaz (mesmo que latente) a depressividade por um lado; pelo outro, são recrutadas/reactivadas perdas afectivas anteriores; por outro ainda, a agressividade está inflectida sobre o próprio.

A partir de a: “Depressividade/Personalidade Depressiva” – Coimbra de Matos

Elaboração Psíquica - Afecto, Emoção e Sentimento Pedro Martins Psicoterapeuta Psicólogo Clínico

Elaboração Psíquica- Afecto, Emoção e Sentimento

Antes de vermos o que é a elaboração psíquica da emoção, é importante rever os termos afecto, emoção e sentimento.

Em 1917, Sigmund Freud, com a sua habitual antevidência, descreveu os afectos como experiências compostas que incluem “determinadas inervações ou descargas motoras” e “certos sentimentos”.

Desde então, os psicólogos têm definido:

Emoção como a componente neurofisiológica/expressão motora do afecto (ou seja, o que acontece no corpo);

Sentimentos como a componente subjectiva, cognitivo-experiencial (ou seja, “o que é ter essa emoção”; “o que nos faz sentir essa emoção”).

Segundo António Damásio, a emoção é um conjunto de reacções corporais, automáticas e inconscientes, face a determinados estímulos provenientes do meio onde estamos inseridos.

O sentimento surge quando tomamos consciência das nossas emoções, isto é, o sentimento dá-se quando as nossas emoções são transferidas para determinadas zonas do nosso cérebro, onde são codificadas sob a forma de actividade neuronal.

O termo “afecto” abrange tanto a componente emocional como a componente sentimental. Os afetos exprimem-se através de emoções e em sentimentos.

Para os nossos fins – elaboração psíquica da emoção -, pensemos no afecto como sendo expresso em quatro “registos” diferentes: somático, motor, fantasmático e verbal (seguindo o modelo proposto pela primeira vez pelos psicanalistas franco-canadianos Serge Lecours e Marc-André Bouchard nos anos 90).

No registo somático, o afecto é expresso através de sensações fisiológicas internas.

O afecto é experimentado pela primeira vez na infância – nos órgãos internos, cabeça, musculatura e pele – através de sensações de dor, tensão, calor ou náusea.

Ao longo da vida, o corpo continua a ser o nosso derradeiro cenário emocional, o lugar onde qualquer experiência que não possamos experienciar e elaborar mentalmente continua a deixar a sua marca.

 

O psicoterapeuta ajuda o paciente a colocar em palavras os afectos que permaneceram não reconhecidos, ou seja, a promover a elaboração psíquica

 

O nível seguinte em termos de complexidade, também experienciado pelas crianças, é o registo motor. Este envolve o comportamento e a acção do corpo/sistema muscular.

Os bebés contorcem-se, agitam-se, choram e sorriem – tudo isto são manifestações reflexivas de sensações afectivas corporais.

No entanto, os adultos também usam a actividade corporal como meio de expressão dos afectos: lutas no pátio da escola, bater as portas e abraços calorosos são, em parte, expressões deste registo.

O próximo nível na cadeia que liga corpo e mente é o fantasmático. Este envolve a utilização de imagens mentais e cenas para representar estados corporais elementares.

O seu conteúdo pode tomar a forma de imagens expressas em sonhos e fantasias.

É um passo fundamental, pois é o primeiro a utilizar símbolos para representar o afecto.

Estes, em particular, podem ser combinados para permitir a criação de estruturas de significado mais complexas.

Note-se que nem todas as expressões fantasmáticas do afecto têm esta qualidade representativa: considere as alucinações persecutórias, que muitas vezes são vividas como “coisas em si mesmas” sem qualidades simbólicas.

Por último, temos o registo verbal que implica a manifestação do afecto através linguagem (“pôr em palavras”).

Considerado o topo da nossa estrutura emocional, permite-nos ligar o passado ao presente, suster uma experiência e examiná-la de diferentes ângulos, colocar as nossas emoções “em pausa” e actuar sobre elas.

 

O afecto pode ser expresso em quatro “registos” diferentes: somático, motor, fantasmático e verbal

 

Como argumentou o psicanalista britânico Donald Winnicott no século passado, o afecto é, antes de mais, uma experiência corporal para as crianças.

E é somente num ambiente intersubjectivo “suficientemente bom” – a relação entre mãe e filho – que o “psico-soma” começa a desdobrar-se através da elaboração psíquica do afecto como experiência corporal.

A psicoterapia é, de certa forma, semelhante. A relação entre terapeuta e paciente cria um novo espaço intersubjectivo destinado a promover a elaboração psíquica da emoção.

Ou seja, a elaboração do afecto em imagens e palavras, e a crescente complexificação e sofisticação entre as imagens e as palavras.

O psicoterapeuta, tal como a mãe “suficientemente boa”, ajuda o paciente a colocar em palavras os afectos que permanecem não reconhecidos, a fim de serem psiquicamente elaborados.

Síndrome do Cólon Irritável Pedro Martins Psicoterapeuta Psicólogo Clínico

Síndrome do Cólon Irritável

A síndrome do cólon irritável, também conhecida por colite nervosa, é uma doença do intestino que gera uma quantidade de sintomas desagradáveis:

Espasmos, dores e inchaço no abdómen, diarreia, prisão do intestino e outras alterações no movimento intestinal.

Podendo afectar até 20 por cento da população, é geralmente tratada com medicamentos (alívio dos sintomas gastrintestinais), mudanças na alimentação e estilo de vida.

No entanto, um estudo sugere agora uma terceira via: Psicoterapia.

O estudo Financiado pelo NHS britânico (Serviço Nacional de Saúde) e realizado por investigadores da Universidade de Southampton, do King’s College London e do King’s College Hospital, e publicado no jornal da especialidade (Gut) concluiu que as pessoas sujeitas a psicoterapia tiveram um alívio maior dos seus sintomas.

Isso sugere que em muitos casos poderão estar em causa situações de ansiedade e stresse.

Para a maioria dos pacientes com (síndrome do cólon irritável – SCI), é necessário considerar a mente e o corpo a fim de se obter uma minoração dos sintomas.

As alterações gastrointestinais, como a alteração do trato intestinal, o crescimento excessivo de bactérias no intestino delgado e a hipersensibilidade aos estímulos viscerais, como a distensão intestinal, devem ser entendidas como provenientes de uma raiz comum: hiper-responsividade emocional.

 

Em muitos casos de síndrome do cólon irritável poderão estar em causa situações de ansiedade e stress

 

O sistema nervoso entérico (ENS), muitas vezes designado de segundo cérebro, é altamente complexo.

Ele está sob o controle involuntário do sistema nervoso central.

Alguns investigadores sugerem que os sintomas da (SCI) resultam da sensibilidade anormal do paciente aos estímulos externos, ou seja, interações e situações sociais; da estrutura emocional, e da híper-vigilância aos estímulos com origem nos órgãos internos.

A alteração no trato intestinal é explicada pelo desequilíbrio autonómico, enquanto que a dor se deve ao aumento da sensibilidade à dor causada pelo stress.

Isto também torna o paciente mais alerta e responsivo às sensações internas.

Um episódio efectivo de dor associado a estas sensações também pode condicionar o paciente a temê-las, produzindo assim sintomas de (SCI) mesmo sem disfunção intestinal real.

Desta forma, pode instigar um ciclo vicioso entre o pensamento negativo e receoso e as irregularidades funcionais do intestino, que se reforçam e se perpetuam mutuamente.

 

Redução do stress

A redução do stress é, portanto, de primordial importância para quebrar este ciclo. Isto pode envolver:

Técnicas de relaxamento e exercícios de respiração.

Yoga, pilates, ou tai chi relaxam e tonificam o corpo, e ao mesmo tempo fortalecem a conexão mente-corpo.

Caminhar, correr ou nadar também podem ajudar, distraindo a mente das sensações internas e proporcionando novos estímulos, assim como uma sensação de bem-estar. Além disso, é claro, há o benefício do próprio exercício físico.

 

Psicoterapia

Sentimentos de ansiedade e stress são muitas vezes difíceis de ultrapassar. A psicoterapia pode ser um importante auxílio, ajudando os pacientes a identificar a conexão entre o seu interior e o exterior, resolver conflitos, e desenvolver recursos internos para lidar com o stress.

Por que a Terapia Funciona Pedro Martins Psicoterapeuta Psicólogo Clínico

Por que a Terapia Funciona?

Actualmente a discussão já não anda tanto à volta da eficácia das psicoterapias, mas na razão por que a terapia funciona; quais os factores que estão na base da sua eficácia.

Em 2006, uma equipa de investigadores noruegueses começou a estudar como os psicoterapeutas com vasta experiência ajudam as pessoas a mudar.

Liderada por Michael Rønnestad, professor de psicologia clínica da Universidade de Oslo, a equipa acompanhou cinquenta pares terapeuta-paciente, analisando minuciosamente o que tornou os terapeutas tão eficazes.

Margrethe Halvorsen, uma pós-doutorada na época, teve a função de entrevistar os pacientes no final do tratamento.

Foi assim que conheceu Carrie – uma mulher de quase 40 anos, solteira, sem filhos e fácil de gostar.

Quando criança, Carrie (pseudónimo) tinha sido, de forma repetida, abusada sexualmente às mãos da mãe e dos amigos dela.

Antes de iniciar a terapia, costumava automutilar-se e tentou matar-se várias vezes. O seu corpo apresenta marcas das tentativas de suicídio.

“A história dela estava ali… à minha frente”, refere Halvorsen, depois fica em silêncio enquanto tenta encontrar palavras para transmitir a forte impressão que Carrie lhe causou.

Sete anos depois de se conhecerem, ainda é difícil articular: “Talvez “presença” seja a palavra certa”.

Foi a forma como Carrie falou das atrocidades de que foi vítima – com voz firme e olhos bem abertos – que levou a investigadora a interrogar-se sobre como alguém tão marcado poderia parecer tão vivo e inteiro.

A certa altura da entrevista, quando Halvorsen pediu a Carrie que descrevesse a sua terapia numa imagem ou palavra, ela deixou escapar: ‘Salvou a minha vida’.

Intrigada, convidou três colegas psicólogos para ajudá-la a aprofundar o caso de Carrie e descobrir o que aconteceu na terapia. “Não sabíamos onde estávamos a entrar”, disse-me Halvorsen.

 

Duas pessoas sentam-se numa sala e conversam, todas as semanas, por um período de tempo determinado, e a certa altura uma delas sai uma pessoa diferente. Por quê? Como?

 

Após as entrevistas iniciais com Carrie e com o seu terapeuta, os investigadores obtiveram um total de 242 notas resumidas que os dois tinham escrito após cada sessão ao longo dos três anos do estudo.

A partir desses dados, a equipa seleccionou e transcreveu literalmente 25 sessões que pareciam particularmente importantes. O material final era composto por 500 páginas.

Halvorsen e os seus colegas permaneceram intrigados por mais de dois anos, numa tentativa de entender o que exactamente tinha salvado a vida de Carrie.

Quando mergulhamos na questão de como as pessoas mudam através da terapia podemos ficar com a cabeça às voltas.

Aqui está uma intervenção psicológica que parece funcionar tão bem quanto as drogas (e, sugerem os estudos, provavelmente, melhor a longo prazo), e, no entanto, como é que exactamente isso funciona?

Duas pessoas sentam-se numa sala e conversam, todas as semanas, por um período de tempo determinado, e a certa altura uma delas sai uma pessoa diferente, que já não está atormentada pela dor, refém do medo ou esmagada pelo desespero. Por quê? Como?

As coisas ficam ainda mais intrigantes se você considerar o grande número de terapias disponíveis e os diferentes métodos que elas costumam usar.

Algumas querem que você sinta mais (por exemplo, abordagens psicodinâmicas e focadas na emoção); outras – sentir menos e racionalizar mais (por exemplo, terapias cognitivo-comportamentais ou CBT).

As primeiras veem as emoções difíceis como algo que precisa sair, ser trabalhado, elaborado e re-assimilado; as segundas – como algo a ser estimulado e controlado através da modificação consciente de pensamentos negativos.

Alguns terapeutas falam pouco, deixando espaço para que certos sentimentos ​​dos pacientes venham à superfície; outros dificilmente param entre sequências estruturadas de exercícios e trabalhos de casa.

 

O que acontece entre o paciente e o terapeuta vai além da mera conversa e é mais profundo do que o tratamento clínico

 

Em mais de 400 psicoterapias disponíveis actualmente, o seu terapeuta pode assumir a forma de um curandeiro, um confidente, um clínico, um coach, um treinador de condicionamento mental ou qualquer combinação ou derivação disto.

Nos últimos três anos, conversei com dezenas de terapeutas de várias escolas, tentando perceber a eficácia da psicoterapia, como a terapia funciona – e com isso quero dizer – curas.

Ultimamente, ampliei a minha pesquisa para perceber as bases da eficácia terapêutica para incluir investigadores, terapeutas e profissionais da área, mas a maioria dessas conversas fez-me sentir que nem os estudiosos em mudanças terapêuticas, nem os que as efectuavam poderiam, quando pressionados, explicar de maneira convincente como é que as pessoas se curam.

A contragosto, eu voltava novamente ao que Alan Kazdin, professor de psicologia e psiquiatria infantil na Universidade de Yale, referiu em 2009, num artigo amplamente citado:

‘É notável que, após décadas de pesquisa em terapia, não possamos fornecer uma explicação baseada em evidências de como ou porque, até mesmo as nossas intervenções mais estudadas produzem mudanças.’

Para complicar, numerosos estudos nas últimas décadas chegaram ao que parece ser uma conclusão contraintuitiva: que todas as psicoterapias têm efeitos relativamente parecidos.

Isto é conhecido como o “veredicto das aves Dodo” – em homenagem a um personagem de Alice no País das Maravilhas (1865) que declara após um concurso: “Todos ganharam e todos devem ter prémios”.

O facto de nenhuma forma isolada de terapia se ter mostrado significativamente melhor de que as outras pode surpreender os leitores, mas é familiar aos pesquisadores da área.

 

O vínculo emocional e a colaboração entre paciente e psicoterapeuta – chamada aliança terapêutica – emergiram como um forte preditor de melhorias

 

“Há tantos dados para essa conclusão que, se não fosse tão ameaçadora para certas teorias, seria aceite há muito tempo como uma das principais descobertas da psicologia”, escreve Arthur Bohart, professor emérito da California State University, Dominguez Hills, e autor de vários livros sobre psicoterapia.

Mesmo assim, essa alegada equivalência entre várias terapias é um produto da estatística.

Não diz nada sobre o que funciona melhor para cada indivíduo em específico, nem implica que você possa escolher um qualquer tipo de terapia e obter o mesmo benefício.

Talvez algumas pessoas se deem bem com a forma estruturada duma abordagem cognitiva, enquanto outras respondam melhor à exploração aberta e à procura e criação de sentido oferecidas pelas perspectivas psicodinâmicas/psicanalíticas.

Quando agregadas, essas diferenças individuais podem ser anuladas, fazendo com que todas as terapias pareçam igualmente eficazes.

Muitos pesquisadores, no entanto, acreditam que essa não é a única explicação.

Para eles, a razão mais profunda pela qual nenhuma terapia parece oferecer vantagens únicas sobre qualquer outra, é que todas elas são eficazes por causa dos elementos que compartilham.

A principal delas é a relação terapêutica; associada a resultados positivos por uma quantidade de evidências.

O vínculo emocional e a colaboração entre paciente e psicoterapeuta – chamada aliança terapêutica – emergiram como um forte preditor de melhorias, mesmo em terapias que não enfatizam factores relacionais.

Ver: Psicanálise e Psicoterapia Relacional – Uma Introdução

Até recentemente, a maioria dos estudos sobre a aliança terapêutica mostrava que ela se correlacionava apenas com uma melhoria da saúde mental nos pacientes, mas os avanços nos métodos de pesquisa permitiram encontrar evidências através de um nexo de causalidade, sugerindo que a relação terapêutica pode realmente estar na base da cura.

 

Bowlby percebeu que “o vínculo mãe-bebé não é puramente gerado pelo desejo de agarrar o seio como fonte de alimento, mas também é motivado pela ideia de ligação ao outro”

 

Da mesma forma, a investigação sobre os traços dos psicoterapeutas que apresentam bons resultados revelou que a maior experiência ou a adesão mais rigorosa a uma abordagem específica não resulta em maior eficácia, ao passo que a empatia, a afectividade, a esperança e a expressividade emocional se traduz em melhorias.

Tudo isso sugere uma alternativa tentadora à visão da terapia, tanto do profissional quanto do leigo: que o que acontece entre o paciente e o terapeuta vai além da mera conversa e vai mais fundo do que o tratamento clínico (propriamente dito).

A relação é superior e mais primitiva, e compara-se aos avanços no desenvolvimento que ocorrem entre mãe e bebé, e que ajudam a transformar um bebé envolto num turbilhão de sensações e emoções, numa pessoa normal e saudável.

Estou a referir-me à vinculação.

Para levar a analogia ainda mais longe, e se, pergunta a teoria da vinculação, a terapia lhe der a oportunidade de voltar atrás e reparar os seus primeiros laços emocionais e corrigir o funcionamento nocivo que está na base do seu sofrimento mental?

A teoria da vinculação foi desenvolvida pelo psicanalista britânico John Bowlby, que na década de 1950 combinou a teoria evolutiva e a psicanálise num corajoso novo paradigma.

Agastado com a falta de rigor académico na sua profissão, Bowlby voltou-se para a etologia.

Experiências com macacos recém-nascidos (algumas tão cruéis que nenhum conselho de ética as permitiria hoje) desafiaram a noção predominante de que os bebés veem as mães, principalmente, como fonte de alimento.

Bowlby percebeu que “o vínculo mãe-bebé não é puramente gerado pelo desejo de agarrar o seio como fonte de alimento, mas também é motivado pela ideia de ligação ao outro”, diz Jeremy Holmes, professor britânico de terapias psicológicas (agora aposentado) e co-autor do livro Attachment in Therapeutic Practice (2018).

 

As pesquisas sobre a teoria da vinculação sugerem que as interacções precoces com os cuidadores podem afectar drasticamente as crenças sobre si mesmo

 

Bowlby demonstrou que a busca por uma ligação ou segurança é uma necessidade inata: evoluímos para procurar um vínculo com os cuidadores ‘mais velhos e mais sábios’ para nos proteger do perigo durante o longo período de desamparo conhecido como infância.

A figura do apego, geralmente um ou ambos os pais, torna-se uma base segura a partir da qual explorar o mundo, e um porto seguro para o qual retornar para ser revigorado.

Segundo Holmes, Bowlby viu na teoria da vinculação “o começo de uma ciência dos relacionamentos íntimos” e a promessa de que ’se pudéssemos estudar pais e filhos, e a maneira como eles se relacionam, poderíamos começar a compreender o que acontece entre paciente e terapeuta’.

As pesquisas sobre a teoria da vinculação sugerem que as interacções precoces com os cuidadores podem afectar drasticamente as crenças sobre si mesmo, as expectativas em relação aos outros, a maneira como você processa as informações, lida com o stress e regula as emoções enquanto adulto.

Por exemplo, filhos de mães com sensibilidade – do tipo afectuoso e tranquilizante – desenvolvem uma vinculação segura, aprendem a aceitar e expressar sentimentos negativos, pedem ajuda e apoiam-se nos outros, e confiam na própria capacidade de lidar com o stress. 

Por contraste, filhos de cuidadores que não são responsivos ou são insensíveis desenvolvem uma vinculação insegura.

Eles tornam-se ansiosos e angustiados ao menor sinal de separação da sua figura de vinculação.

Os filhos de mães severas ou depreciadoras desenvolvem um padrão de vinculação inseguro evitante; suprimem as suas emoções e lidam sozinhos com o stress.

Finalmente, crianças com cuidadores abusivos ficam desorganizadas; elas alternam entre o evitante e o ansioso, envolvem-se em comportamentos estranhos e, como Carrie, geralmente têm comportamentos auto-destrutivos.

 

Impulsionadas por uma necessidade desesperada de segurança, as pessoas com vinculação insegura procuram “fundir-se” com os seus parceiros

 

Estilos de vinculação insegura ansiosa, insegura evitante e desorganizada desenvolvem-se como respostas a cuidados inadequados; um caso de: ‘tirar o melhor proveito de uma situação má’.

As interacções repetidas com figuras de vinculação não responsivas podem ser codificadas de maneira neutra e, mais tarde na vida, subconscientemente activadas, especialmente na intimidade e em situações stressantes.

É assim que os padrões de vinculação na infância se podem solidificar numa parte corrosiva da personalidade, distorcendo a forma como a pessoa se vê, experimenta o mundo e interage com os outros.

O psicólogo Mario Mikulincer, do Centro Interdisciplinar Herzliya em Israel, é um dos pioneiros da moderna teoria da vinculação, estudando precisamente os efeitos em cascata.

Em várias experiências ao longo de duas décadas, ele descobriu que, enquanto adultos, as pessoas ansiosas têm baixa auto-estima e são facilmente dominadas por emoções negativas.

Eles também tendem a aumentar os perigos e a duvidar da sua capacidade de lidar com eles.

Impulsionadas por uma necessidade desesperada de segurança, essas pessoas procuram “fundir-se” com os seus parceiros e podem ficar desconfiadas, com ciúmes ou com raiva deles, geralmente, sem uma causa objectiva.

Se os ansiosos entre nós desejam a conexão, as pessoas evitantes lutam pela distância e pelo controlo.

Eles desapegam-se de emoções fortes (positivas e negativas), retiram-se dos conflitos e evitam a intimidade.

A autoconfiança deles significa que se veem fortes e independentes, mas essa imagem positiva é fabricada às custas de manter uma visão negativa dos outros.

Como resultado, os seus relacionamentos íntimos permanecem superficiais, frios e insatisfatórios.

E embora ficar emocionalmente entorpecido possa ajudar as pessoas evitantes nos desafios do dia-a-dia, a pesquisa mostra que, no meio de uma crise, as suas defesas podem desmoronar e deixá-las extremamente vulneráveis.

Não é difícil ver como esses padrões de vinculação podem prejudicar a saúde mental.

 

O bom terapeuta torna-se uma figura de apego temporária

 

Tanto os que têm uma vinculação insegura ansiosa como insegura evitante têm sido associados a um maior risco de desenvolver ansiedade, depressão, solidão, distúrbios alimentares, dependência do álcool, abuso de substâncias e violência.

A forma de tratar esses problemas, dizem os teóricos da vinculação, é através de um novo relacionamento.

Nesta perspectiva, o bom terapeuta torna-se uma figura de apego temporário, assumindo as funções de uma mãe nutridora, reparando a confiança perdida, restaurando a segurança e desenvolvendo duas das principais capacidades geradas por uma infância normal: a regulação das emoções e uma intimidade saudável.

Quando Carrie começou a terapia, ficou claro que ela seria uma paciente que colocaria vários desafios.

A carta do seu médico pedia alguém “corajoso” para tratá-la, e podemos ver porquê: ela insistia em manter o direito de se auto-mutilar e de se suicidar.

“Tive a sensação de que ela se poderia matar a meio da terapia mas tive de correr esse risco”, disse o terapeuta aos investigadores no final do estudo.

Então, como é que ele conseguiu trazer Carrie de volta?

Ao analisar algumas respostas da enorme quantidade de dados recolhidos, Halvorsen e a sua equipa descobriram um padrão entre Carrie e o terapeuta análogo às interacções mãe-bebé.

Primeiro, Carrie desvalorizava-se e afundava-se mais, depois o terapeuta reconhecia as suas emoções negativas, e de imediato interpretava as suas tendências destrutivas como um mecanismo de sobrevivência que ela usara em criança para se proteger do trauma, mas que a prejudicavam enquanto adulta.

Gentilmente, mas com firmeza, ele desafiou a auto-aversão de Carrie, reestruturando o que ela via como condenável e inaceitável em si mesma, em algo humano e compreensível.

Frequentemente, ele pedia que ela pensasse na “criança na escada”, referindo-se a uma memória que Carrie tinha compartilhado numa sessão anterior.

 

Não entendemos as nossas experiências internas até vê-las acontecer nas reacções dos cuidadores

 

“É uma cena realmente perturbadora”, disse-me Halvorsen – em que a mãe de Carrie fica enfurecida com ela. – A mãe encheu uma mala com algumas das roupas da menina e mandou-a embora.

E a menina ficou sentada na escada por longas horas, sem saber o que fazer ou para onde ir.

Halvorsen notou que o terapeuta voltava a essa cena repetidamente, tentando evocar a auto-compaixão de Carrie e combater a sua implacável autocrítica.

Este padrão empático com reenquadramento e restruturação parece-se com as trocas de espelhamento e mitigação entre mãe e bebé nos primeiros anos de vida.

Esteja algum tempo junto de um recém-nascido e você verá que, quando ele chora, a mãe entra, pega-o ao colo e depois a sua expressão facial imita exageradamente a angústia do bebé.

De acordo com o psicanalista Peter Fonagy, da University College London, este espelhamento amplificado da mãe, esta imagem que devolve ao bebé, constitui uma parte fundamental para a criança poder desenvolver um senso de si e um controlo emocional.

“A ansiedade, por exemplo, é para o bebé uma mistura confusa de mudanças físicas, ideias e comportamentos”, refere Fonagy. ‘Quando a mãe reflecte, ou espelha a ansiedade da criança, ele agora ‘sabe’ o que está a sentir.’

Fonagy refere que este conhecimento não vem pré-instalado em nós. Não entendemos o significado das nossas experiências internas até vê-las exteriorizadas ou representadas nos rostos e nas reacções dos nossos cuidadores.

“Paradoxalmente, mesmo que agora eu saiba perfeitamente bem quando me sinto ansioso”, explica Fonagy numa entrevista em vídeo de 2016, “a ansiedade que reconheço como minha ansiedade não é propriamente a minha própria ansiedade, mas é a imagem da minha mãe a olhar para trás quando eu, em bebé, me senti ansioso.

 

A imagem que a mãe devolve ao bebé, constitui uma parte fundamental para este poder desenvolver um senso de si e um controlo emocional.

 

A mãe sensível capta o estado mental e emocional do bebé e espelha-o. Desta forma a criança aprende a reconhecer a sua experiência interna como “tristeza” ou “ansiedade” ou “alegria”.

As sensações anteriormente caóticas agora tornam-se coerentes e integradas no senso de quem ele é, permitindo que as emoções sejam processadas, previstas e manejadas adequadamente.

Mas a mãe não se limita a espelhar a dor emocional do bebé; ela acalma-o.

Embalando o bebé nos braços ou murmurando com uma voz suave, a mãe responsiva sustem o choro e contém os sentimentos negativos do bebé.

A angústia, escreve Holmes em 2015, “é transmitida do bebé para mãe, “metabolizada”, ou seja, pré-digerida, e devolvida ao bebé com menor intensidade e num formato que ele possa digerir.

O terapeuta de Carrie também a ajudou a assimilar os seus sentimentos mais dolorosos. Ao aprender a tolerar estados negativos, ela poderia desenvolver resiliência face às suas experiências internas mais sombrias.

Ele encorajou-a a deixar sair a vergonha e a raiva, e devolveu-as empaticamente de uma forma que a fizesse sentir-se vista e reconhecida.

Mas ele também conteve e transformou essas emoções para ela, devolvendo-as em termos de adaptação, protecção e sobrevivência.

Como uma boa mãe, pré-digeriu a angústia de Carrie, dando-lhe um sentido, um significado e uma explicação.

O terapeuta transformou-as em algo que agora poderia ser aceite e suportado.

Eventualmente, a co-regulação das emoções entre mãe e filho, ou terapeuta e paciente, abre o caminho para o auto-domínio e auto-regulação.

Uma forma de isso acontecer nos primeiros anos, escreve Mikulincer, em 2003, é internalizando o cuidador:

A voz e a atitude do cuidador tornam-se parte de si e, quando você se depara com uma fase difícil, começa a usar as mesmas falas, o mesmo tom, que a sua mãe costumava usar para o acalmar.

 

O bom terapeuta sintoniza inconscientemente os estados internos dos quais o paciente pode nem estar ciente

 

Ao mesmo tempo, a progressiva emancipação da dependência emocional na infância passa pelo crescimento dos seus próprios recursos internos, enfrentando e aprendendo com os desafios.

Ao fazer um movimento para o exterior a jovem criança enfrenta o risco inevitável do fracasso.

“Com o apoio, a segurança, a orientação e o incentivo de uma figura de apego cuidadosa e afectuosa, as crianças podem lidar melhor com o fracasso, persistir na tarefa apesar dos obstáculos, e inibir outros impulsos e distracções”, referiu Mikulincer.

Dessa forma, as crianças aumentam a sua tolerância a emoções negativas e desenvolvem capacidades preciosas para lidar com os problemas por conta própria.

Um processo semelhante ocorre na terapia. Passado algum tempo, os pacientes internalizam o afecto e a compreensão do seu terapeuta, transformando-o num recurso interno para obter força e apoio.

Uma voz nova e compassiva cintila na vida, silenciando a do crítico interno – ele próprio um eco de figuras insensíveis de apegos anteriores.

Mas esta transformação não é fácil. Como escreveu o poeta W H Auden em The Age of Anxiety (1947): ’Preferimos estar arruinados a mudar…’

É função do terapeuta é orientar os pacientes enquanto viajam por águas desconhecidas, ajudando-os a permanecer esperançosos e a persistir através da dor, tristeza, raiva, medo, ansiedade e desespero que possam ter de enfrentar.

Isso acontece não apenas através das conversas, mas também no silêncio.

De facto, de acordo com o psicólogo Allan Schore, da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, que estudou o apego do ponto de vista da neurobiologia nos últimos 20 anos, a mudança na terapia não ocorre tanto na comunicação verbal entre paciente e terapeuta, mas de uma maneira mais imperceptível – através de uma diálogo entre dois cérebros e dois corpos.

Talvez este modo de vinculação predomine nas terapias que procuram aprofundar as emoções.

 

A mãe sensível capta o estado mental e emocional do bebé e espelha-o. Desta forma a criança aprende a reconhecer a sua experiência interna

 

Mais uma vez, o processo espelha a boa prestação de cuidados no início da vida.

Muito antes da fala, mãe e bebé comunicam-se por meio de vias não-verbais – expressão facial, contemplação mútua, nuances vocais, gestos e toques.

A mãe sensível “lê” os estados emocionais do filho e responde apropriadamente através do seu próprio corpo.

Estas comunicações não-verbais, escreve Schore, são registadas e processadas pelo hemisfério direito do bebé, moldando os sistemas neuronais nascentes, envolvidos no processamento emocional e nas respostas automáticas ao stress.

Os sinais não-verbais da mãe são codificados como estratégias inconscientes implícitas que o hemisfério direito do bebé mais tarde activará inconscientemente para regular as suas emoções.

Mais uma vez, algo semelhante ocorre na terapia. O bom terapeuta sintoniza subconscientemente as emoções não verbalizadas; estados internos dos quais o paciente pode nem estar ciente.

Momento a momento, o terapeuta ajusta a sua própria linguagem corporal em resposta aos ritmos internos do paciente, envolvendo-os num tipo de dança na qual ambos os parceiros se sincronizam e se influenciam mutuamente.

De acordo com Schore, com o tempo, as comunicações não-verbais do terapeuta podem ficar impressas no hemisfério direito do paciente, examinando os padrões de coping guardados, e dando origem a padrões mais flexíveis e adaptáveis.

Para Fonagy, um factor igualmente fundamental na terapia para a restauração do bem-estar é a aprendizagem social.

Do ponto de vista da evolução, podemos estar desconfiados das outras pessoas, porque um viés negativo serve para a sobrevivência.

No entanto, para uma espécie intensamente social como a nossa, estar constantemente à defesa não é um bom presságio.

Como, então, confiamos, cooperamos e conectamos com as outras pessoas, além de nos protegermos da ameaça que elas podem representar?

 

O principal valor da psicoterapia reside no seu potencial de reavivar a nossa confiança epistémica

 

A teoria da pedagogia natural, proposta em 2011 por Gergely Csibra e György Gergely, professores de ciências cognitivas da Universidade da Europa Central em Budapeste, sugere uma resposta.

Nesta visão, a evolução criou um mecanismo sofisticado para relaxar a nossa vigilância natural, para que possamos aprender com os outros.

Para reconhecer fontes de informação relevantes e confiáveis, confiamos em certas pistas ou sinais visuais e verbais.

Na infância, escreve Fonagy em 2014, estes sinais são os mesmos que estão subjacentes a uma ligação segura (as vocalizações ‘maternais’, por exemplo).

Noutras palavras, os bebés estão preparados para confiar no cuidador sensível, que, por sua vez, os ensina a confiar nos outros e a navegar no mundo social.

Um estudo da Universidade de Harvard em 2009 mostra que crianças seguramente vinculadas são juízes exigentes e credíveis – confiam na mãe quando ela está a ser razoável, mas seguem os seus próprios julgamentos quando as posições desta são contrárias à realidade.

A segurança em si e nos outros transforma as crianças em adultos abertos a novas informações, confortáveis ​​com a incerteza e flexíveis para mudarem de opinião à luz de novos dados.

O oposto verifica-se para os que têm uma vinculação insegura.

As pessoas ansiosas tendem a distorcer os sinais sociais e exagerar as ameaças, e isso pode induzi-las a ver os seus parceiros como não confiáveis, solidários ​​ou desinteressados.

As pessoas com o padrão evitante de vinculação estão concentradas em proteger-se, o que pode fazer com que se agarrem a estereótipos negativos dos outros face a amplas evidências em contrário.

Por exemplo, no estudo de Mikulincer em 2003, casais avaliavam o comportamento dos seus parceiros ao longo de três semanas.

 

A angústia é transmitida do bebé para mãe, “metabolizada”, ou seja, pré-digerida, e devolvida ao bebé com menor intensidade e num formato que ele possa digerir.

 

Enquanto as pessoas ansiosas deram classificações mais altas quando os seus cônjuges eram objectivamente mais solidários, as pessoas com o padrão evitante inseguro falharam completamente em registar as mudanças positivas dos seus parceiros.

Aparentemente, o apego inseguro perpetua a nossa suspeita natural, mantendo-nos fechados e não receptivos a informações socialmente relevantes.

Fonagy chama a isto “desconfiança epistémica” e, para ele, pode ser o denominador comum de muitos problemas de saúde mental, explicando a sua gravidade e persistência.

O principal valor da terapia reside no seu potencial de reactivar a nossa confiança epistémica e impulsionar a capacidade de aprendermos com os outros no nosso ambiente social.

Ao restaurar a vinculação segura, a terapia reduz a nossa vigilância social e abre-nos a possibilidade confiar numa pessoa – o terapeuta – que eventualmente nos permite sair para o mundo e confiar nas outras pessoas.

A importância deste reconhecimento é tal que mesmo nas sessões de CBT, quando os terapeutas são bombardeados pelos sentimentos perturbados dos pacientes, eles mudam temporariamente o foco ou postura habitual para empatizar com o sentimento presente e depois voltam a enfatizar os temas cognitivos e controle racional da experiência emocional.

A restauração da vinculação segura foi o que aconteceu com Carrie.

Nas últimas sessões, ela percebeu que não estava realmente sozinha. Ela tinha um amigo em quem podia confiar e uma irmã que compartilhou as suas memórias de infância.

Não era que essas pessoas estivessem ausentes anteriormente; ela simplesmente não as estava a ver, ou talvez não pudesse confiar no que estava bem à sua frente.

Mas a sua crescente confiança – primeiro no terapeuta, depois na boa vontade do mundo e na sua própria capacidade de navegar – permitiu-lhe ver os outros, ‘mais como oportunidades de contacto social do que como ameaças’.

 

Passado algum tempo de terapia, os pacientes internalizam o afecto e a compreensão do seu terapeuta, transformando-o num recurso interno ao qual podem recorrer

 

A terapia de Carrie não a curou: o seu trauma era demasiado profundo. Mas ela foi salva. Agora estava pronta para viver e continuar o processo de cura.

Na sua última sessão, Carrie deixou um presente de despedida para o terapeuta – um mosquetão (anel metálico usado em desportos que usam cordas, como por exemplo, a escalada).

É assim que nas montanhas, dois alpinistas ficam presos/vinculados com segurança por uma corda, de modo que, se um escorrega, o vínculo impede o outro de cair no precipício.

 

Traduzido/adaptado por Pedro Martins

a partir de Cradled by Therapy – Elitsa Dermendzhiyska

 

Por que é tão importante desenvolver uma vinculação?

A vinculação não é importante, é vital.

No momento do nascimento, o recém-nascido é cem por cento imaturo, o que nos torna dependentes da nossa mãe ou da pessoa encarregue de cuidar de nós.

A figura principal de vinculação, geralmente a mãe, é a responsável por satisfazer as necessidades básicas do recém-nascido (fome, protecção, calor, sono, etc.).

Não é apenas uma questão de melhorar a vida da criança, mas permitir que ela sobreviva.

Os estudos científicos e a prática clínica levam-nos a concluir que os bebés e as crianças que tiveram figuras de vinculação que atendiam às suas necessidades são:

Mais auto-confiantes, mais autónomas, têm uma boa capacidade de resolução de conflitos, são mais resilientes, têm uma auto-estima maior, são valorizados no trabalho, nos relacionamentos e com os amigos. Enfim, são mais felizes.

Existem coisas importantes que uma figura de vinculação deve ter em conta:

– Explicitar o seu amor à criança

– Incentivar a sua autonomia

– Legitimar as emoções e ajudar a geri-las

– Dedicar tempo de qualidade aos filhos

– Atender às necessidades dos filhos

– Protegê-los de situações perigosas de maneira equilibrada (sem serem super-protectores)

– Estabelecer limites claros e respeitosos

 

Os adolescentes que têm um apego seguro tendem a ter uma auto-estima alta

 

É importante notar que a ideia de quanto mais melhor, é falsa. As crianças precisam apenas de estímulo suficiente.

Foi demonstrado que os adolescentes que têm uma vinculação segura tendem a ter uma auto-estima alta, enquanto os adolescentes que têm uma vinculação insegura tendem a ter uma auto-estima mais baixa.

Isso é generalizável para qualquer estágio vital. John Bowlby, pai da teoria da vinculação, referiu que a auto-estima de uma pessoa está intimamente relacionada com o seu estilo de apego.

 

Vinculação Insegura

As consequências de uma vinculação insegura são terríveis e para toda a vida, a menos que algo seja feito para repará-la.

Existem diferentes estilos de apego inseguro, mas, em geral, as consequências da falta de protecção ou a superprotecção e a não promoção da autonomia são:

A dificuldade ou incapacidade de ser autónomo em diferentes áreas da vida

Baixa auto-estima

Um sentimento constante de desprotecção

Autocrítica constante

Ansiedade, somatização, medos, insegurança

Incapacidade de regular as suas próprias emoções

Dificuldade em ser empático

Maior probabilidade de desenvolver uma adição

Dependência emocional.

 

Para especificar um pouco mais, as pessoas que têm uma vinculação insegura do tipo evitante têm medo da intimidade e da proximidade.

Enquanto na vinculação insegura do tipo ansioso ambivalente, a pessoa é insegura e pouco autónoma, necessitando de outras pessoas para desenvolver os seus projectos de vida.

 

A reparação da vinculação só pode ser feita num relacionamento vertical.

 

A vinculação insegura evitante é normalmente fruto de pais autoritários, enquanto a vinculação ansiosa ambivalente é mais frequente em ambientes superprotetores, onde não há promoção da autonomia.

 

 Razões para o aumento da vinculação insegura

Primeiro, destacamos a falta de tempo que os pais passam com os filhos.

Entre outras coisas, é resultado dos horários de trabalho e da hiperestimulação em que estamos imersos.

Tudo isto dificulta a dedicação de tempo de qualidade aos filhos.

Em segundo lugar, encontramos crianças que são super-protegidas ou que se desenvolvem em contextos de desprotecção.

Ambos os estilos educacionais têm consequências muito semelhantes.

Outros aspectos que influenciam são o ritmo vertiginoso a que as crianças estão sujeitas (em resultado de uma sociedade hiperactiva), ausência de limites, modelos parentais rígidos e autoritários em que não é permitida a expressão de emoções, superestimulação, uso abusivo das novas tecnologias em detrimento da conexão social e emocional.

 

Reparar a vinculação insegura

A vinculação insegura pode ser reparada, pois o cérebro é orientado e tende para a saúde mental. Por isso vamos sempre a tempo de reparar um apego inseguro.

Um aspecto essencial para a reparação da vinculação é que ela deve ser feita num relacionamento vertical, ou seja, não pode ser realizada pelos nossos amigos ou parceiros (relacionamentos horizontais).

As Relações verticais ocorrem em contextos psicoterapêuticos.

É claro que um amigo, um parente e um relacionamento podem trazer muitos aspectos positivos, mas não é possível reparar uma vinculação nesses contextos, somente em relacionamentos verticais (psicoterapeuta-paciente).

Adaptado por Pedro Martins a partir de uma a entrevista a Rafael Guerrero

Pensa que a Dor Crónica é puramente física? Pedro Martins - Psicólogo Clínico/Psicoterapeuta

A dor crónica é puramente física?

A dor crónica não é simplesmente uma questão biomédica – é também psicológica e social.

Embora o British Journal of Medicine faça referência a um problema grave no que diz respeito à dor crónica e ao consumo de opioides nos Estados Unidos (Mackey & Kao, 2019), outros países enfrentam problemas semelhantes.

A dor crónica (DC); dor que dura três ou mais meses ou além do tempo de cura esperado, é uma epidemia que afecta actualmente milhões de pessoas.

A DC pode deixar vidas em pausa, uma vez que impede a pessoa de trabalhar, exercitar-se, ter relações sexuais, hobbies ou até sair de casa.

Uma razão pela qual nos encontramos nesta situação deve-se ao facto de a dor ser historicamente enquadrada como um problema “biomédico”.

Portanto, foi tratado principalmente com soluções biomédicas, como comprimidos e procedimentos médicos. No entanto, a dor crónica não está a ser tratada.

As taxas de dependência de opioides aumentam rapidamente e a prevalência de dor crónica continua a subir (Nahin et al., 2019).

Embora isso não signifique que se deva tirar os medicamentos das mãos de pessoas que sofrem de dor a longo prazo – o que é anti-ético na melhor das hipóteses e cruel na pior -, mas, claramente, algo tem mudar.

Graças aos recentes avanços da ciência e da medicina, agora entendemos a dor melhor do que nunca.

Pesquisas sobre manejo e tratamento da dor avançam diariamente, e os erros anteriores estão a ser corrigidos.

 

A dor “física” também é, – sempre -, afectada pelas emoções.

 

Para entender melhor a dor, vamos primeiro defini-la:

É uma “experiência sensorial e emocional desagradável”. Dito de outra forma, a dor é física e emocional 100% do tempo. Nunca é apenas emocional ou física.

Isto é confirmado por pesquisas em neurociência que indicam que a dor é processada por várias partes do cérebro, incluindo o sistema límbico – unidade responsável pelas emoções (Martucci & Mackey, 2018).

A dor “física” também é, – sempre -, afectada pelas emoções.

Por que temos dor?

A dor serve como sistema de resposta a perigos no corpo, mantendo-nos seguros e vivos, alertando-nos sobre possíveis riscos, e ensina-nos a evitar situações perigosas.

Quando queimamos a mão numa coisa quente, as probabilidades de aprender com esse acidente e não o repetirmos são altas.

Se torcemos um pé numa corrida, a dor leva-nos a parar, procurar ajuda e tratar o pé.

Você pode razoavelmente acreditar que a dor está localizada exclusivamente no corpo, na parte que dói.

Mas enquanto as informações sensoriais do corpo são críticas para o processamento da dor, ela é, realmente, construída pelo cérebro.

A evidência disso está na condição designada por “dor fantasma” nos membros, na qual uma vítima de um acidente perde um membro e continua a sentir uma dor enorme na parte do corpo que não está lá.

Se a dor estivesse localizada exclusivamente no corpo, a ausência de um membro deveria significar ausência de dor.

 

A dor serve como sistema de resposta a perigos no corpo, mantendo-nos seguros e vivos.

 

Também é razoável acreditar que a dor se deve exclusivamente a problemas biológicos com base no corpo, conforme sugerido pelo modelo biomédico (por exemplo, “o problema está nos tecidos”).

No entanto, o que sabemos actualmente – e na verdade, sabemos há décadas – é que a dor não é biomédica, mas biopsicossocial (Gatchel, 2004).

Isso significa que há três domínios sobrepostos (igualmente importantes), a termos em conta, se queremos tratar efectivamente a DC: biologia, psicologia e o funcionamento social.

O domínio biológico, geralmente, recebe mais atenção, mas restam dois terços do modelo.

Os factores psicossociais, essenciais para o tratamento eficaz, são frequentemente ignorados.

 

A pesquisa revela que as emoções negativas, pensamentos catastróficos e comportamentos pouco saudáveis exacerbam a dor crónica

 

O domínio psicológico da dor inclui pensamentos e crenças (por exemplo, “estou mal; nunca melhorarei”); expectativas e experiências anteriores; emoções (por exemplo, ansiedade, raiva, depressão) e comportamentos.

Os factores sociais incluem status socioeconómico, acesso a cuidados, família, amigos, cultura, comunidade, contexto e outros factores sócio-ambientais.

A pesquisa em neurociência revela que as emoções negativas, pensamentos catastróficos e comportamentos pouco saudáveis, efectivamente, exacerbam a dor, agravam os sintomas e mantêm a pessoa presa num ciclo de medo, inactividade, miséria e dor.

Dito de outra maneira: stress, ansiedade, depressão, pensamentos catastróficos, expectativas negativas com foco na dor, retraimento social e falta de exercício, pioram a dor.

Ao mesmo tempo a pesquisa refere que podemos exercer algum controle sobre a dor, através do manejo das emoções, pensamentos e crenças, mediante vários tipos de terapia.

Além disso, facultar aos pacientes educação e compreensão sobre a dor pode reduzi-la, assim como a incapacidade associada.

As abordagens psicossociais para o tratamento da dor são tão promissoras que foram incorporados nas clínicas de tratamento da dor da UCSF e de Stanford.

Portanto, se você tem dor crónica, lembre-se do seguinte: mudar o seu cérebro pode modificar a sua dor.

A saúde emocional afecta directamente sua saúde física, porque o cérebro e o corpo estão conectados.

 

Traduzido/adaptado por Pedro Martins

A partir de “Think Pain Is Purely Medical? Think Again.” – Rachel Zoffness

Crescer sem psicoterapia - Pedro Martins Psicoterapeuta - Psicólogo Clínico

Crescer Emocionalmente sem Terapia

Crescer emocionalmente é difícil de conseguir por conta própria.

De vez em quando, encontro alguém que parece ter crescido sem terapia, uma pessoa relativamente equilibrada e satisfeita, pouco sobrecarregada com conflitos internos.

Como psicanalista e psiquiatra, interrogo-me sobre isso. Crescer emocionalmente apresenta tantas dificuldades e desafios que ultrapassá-las com sucesso parece uma tarefa assustadora.

Onde é que a criança tem o guia para desenvolver um senso de autonomia pessoal enquanto também desfruta de relacionamentos com as outras pessoas?

Como é que um filho de três ou treze anos descobre como lidar com a inveja que tem dos outros, as questões da sexualidade, os seus desejos destrutivos e vingativos?

Como é que a criança pode saber que a sua dor de estômago representa ansiedade em ir para a escola, ou que sua preocupação com a escola pode servir para distraí-la de preocupações mais sérias sobre fantasias e acontecimentos que surgem em casa?

Há uma razão para que tantos filmes sobre ou para crianças (como o E.T.) retratem os adultos como pessoas que não compreendem o mundo das crianças: há uma certa verdade nisso.

Mesmo os pais mais intuitivos e empáticos não conseguem compreender completamente o mundo interior de uma criança, mesmo que eles já tenham sido crianças.

No entanto, os seus esforços são importantes e os pais costumam ajudar as crianças a aprender, a aceitar, a entender e a regular os seus sentimentos e desejos.

 

É muito difícil vermos os nossos pontos cegos.

 

Mas há sempre sentimentos de vergonha e culpa que as crianças preferem que os pais não conheçam, e sentimentos e fantasias que os pais não conseguem imaginar.

Uma menina de quatro anos pode dizer descaradamente à mãe que planeia casar-se com o pai, mas esconde o quanto ela adoraria fazer desaparecer o irmão mais novo.

Independentemente da forma como a mãe responde, a menina ainda está muito por sua conta, enquanto tenta discernir a fantasia da realidade.

Com pouco conhecimento ou experiência, as crianças são chamadas a lidar com os seus desejos imperiosos e as autocríticas.

Com os seus corpos em mudança e as exigências dos pais e professores, sem mencionar a existência de doenças, tristezas, rejeições de amigos, e golos falhados.

Os pais podem ajudar a crescer emocionalmente (e também podem magoar), mas há sempre muito mais coisas do que aquelas que eles podem controlar.

Com os seus recursos limitados, as crianças passam por fases onde despontam medos, peculiaridades, crenças, rituais e maneiras de se relacionar com o mundo.

Estas adaptações diminuem e fluem, mudam, ficam inactivas e reaparecem.

Todos nós carregamos pelo menos parte dessa bagagem -eu-estou-a-lidar-com-esta-loucura-o-melhor-que-posso-, para a vida adulta, e normalmente queremos deixar conteúdo da bagagem por analisar.

É tão difícil ver os nossos próprios pontos cegos, e surpreendentemente, a maioria de nós deseja ferreamente apegar-se a eles.

 

Mesmo os pais mais intuitivos e empáticos não conseguem compreender completamente o mundo interior de um filho.

 

No meu consultório vejo constantemente pessoas que se casaram para evitar um envolvimento profundo e depois divorciam-se porque o envolvimento não é suficientemente profundo;

ou que, inconscientemente, estão a fazer um esforço tão grande para serem diferentes dos seus pais, que não conseguem fazer com que o relacionamento funcione com um parceiro;

ou que continuam a fazer jogos e a tentar não se vingar de pequenos ou grandes traumas de infância.

Muitas vezes eles dizem-me: “Eu deveria ter vindo vê-lo há vinte anos”, e eu não discordo.

Por que eles não vieram?

Na maioria das vezes, as pessoas transportam os sentimentos desconfortáveis que têm sobre as suas lutas emocionais da infância para o presente.

As pessoas falam sobre o estigma de procurar ajuda para os problemas emocionais, mas o mais importante e omitido “estigma” são sobretudo, as próprias hesitações e as auto-depreciações.

A afirmação “Preciso de ajuda e vou obtê-la” raramente é mal recebida, mas a vergonha de querer ou precisar de ajuda para estas questões é tão grande que poucas pessoas se sentem à vontade para a verbalizar.

 

Como existe muito do passado no presente, mesmo que invisível, os obstáculos emocionais ao trabalho, ao amor e ao lazer são muitos.

 

Quando eu estava na faculdade, tinha tanta vergonha e medo de precisar de terapia como qualquer outra pessoa, mas existiam coisas que me incomodavam e com as quais eu não conseguia lidar.

Naquela altura, ter feito psicoterapia por um curto período de tempo ajudou-me a reconhecer que compreendia muito pouco sobre mim e sobre os meus sentimentos em relação à minha família – um começo muito útil.

Voltar a fazer psicoterapia quando era estudante de medicina ajudou ainda mais.

Durante a formação para psicanalista fiz uma psicoterapia mais longa que me proporcionou uma sensação tremendamente gratificante de finalmente desatar os nós emocionais mais apertados e ocultos.

Que sorte não me ter sentido obrigado a fingir que era maduro a ponto de me privar da ajuda essencial dos outros.

Freud sugeriu que era desejável que as pessoas pudessem amar e trabalhar, e, alguns, acrescentou, brincar.

Podem parecer coisas simples – amor, trabalho e diversão -, mas exigem equilíbrio emocional e flexibilidade, além de percepções realistas de si mesmo e dos outros.

Como existe muito do passado no presente, mesmo que invisível, os obstáculos emocionais ao trabalho, ao amor e ao lazer são muitos.

Embora algumas pessoas de facto atinjam estes objectivos aparentemente simples, mas realmente muito ambiciosos, é muito mais fácil quando alguém nos ajuda a esclarecer certas percepções erróneas.

Em qualquer idade, pode ser difícil crescer emocionalmente, dar o próximo passo no desenvolvimento.

E, os quiproquós no desenvolvimento são resolvidos com muito mais facilidade, e, geralmente, de forma mais profunda, com, do que sem terapia.

No entanto, apesar de existirem outras opções, muitos de nós parecem preferir crescer da maneira mais difícil – sozinhos -.

Traduzido/adaptado por Pedro Martins
a partir de: Growing Up Without Therapy – Lawrence D. Blum

Ansiedade de Desempenho - Psicoterapia

Ansiedade de Desempenho

Muitos actores, políticos, atletas, figuras públicas e músicos sofrem de ansiedade de desempenho – também conhecido como “medo do palco” – Barbra Streisand, Beyonce, Adele, Emma Stone, David Beckham, Whoopi Goldberg, Oprah Winfrey, Thomas Jefferson, Warren Buffett, Mahatma Gandhi, para citar alguns.

Aqueles que não são famosos também se debatem com a ansiedade de desempenho. Isso inclui gestores, escritores, académicos, advogados e até profissionais de saúde mental.

Debati-me com o “medo do palco” enquanto estudante e sofria com as dúvidas quando tocava piano em público. Então, pratiquei mais. Os meus mentores e professores garantiram-me que eu “não me deveria preocupar”.

Essas garantias não ajudaram. Senti-me sozinha e confusa. As pessoas não queriam falar sobre o “medo do palco”; agiam como se fosse contagioso.

Apesar da minha ansiedade apresentei-me, mas a experiência foi esgotante, confusa e perturbadora.

 

A ansiedade de desempenho ou “medo do palco” não afecta apenas as pessoas sujeitas a grande exposição 

 

Alguns sintomas da ansiedade de desempenho

Hoje, a ansiedade de desempenho é menos estigmatizada, mas continua a debilitar e a desmoralizar muitas pessoas. A ansiedade de desempenho apresenta sintomas físicos e psicológicos, como:

– Tremores

– Insegurança

– Pavor de cometer erros; Humilhação

– Vergonha de não ser “perfeito” perante uma plateia

– Grande preocupação com o que as pessoas pensam

– Medo de decepcionar os outros

– Preocupações em parecer “esquisito” ou “estúpido”

– Ruminação constante ou pensamento circular

 

O medo leva à “luta” ou à “fuga”

Quando as pessoas ficam assustadas e se sentem atacadas, elas tentam defender-se. Infelizmente, a luta pode transformar-se num ataque a si próprio.

Esquecendo o que sabe, a pessoa acredita que o público não irá apreciá-los ou vai rir deles.

Como exemplo, alguns artistas procrastinam na preparação para uma apresentação – e depois dizem que não tiveram tempo suficiente para se preparar!

Outros param completamente de fazer apresentações.

A forma como alguém se aproxima – ou evita uma ameaça é importante para entender e gerir a ansiedade de desempenho.

Os psicanalistas chamam às respostas defensivas à ansiedade de “defesas do ego” porque o ego (ou o Eu) está a proteger-se da percepção de um temido desastre.

 

Quando as pessoas ficam assustadas e se sentem atacadas, elas tentam defender-se. Infelizmente, a luta pode transformar-se num ataque a si próprio.

 

Diminuir a ansiedade

Exemplo 1

Clara temia que o público desaprovasse as suas performances e, frequentemente sentia-se inibida em expressar as suas ideias musicais.

As suas mãos ficavam geladas e isso causava-lhe um grande sofrimento. Na terapia, ela percebeu que os seus medos e sensações físicas tinham um significado emocional na sua vida.

Os seus pais divorciaram-se quando ela era muito jovem. Clara não conseguia entender a depressão da sua mãe ou o desaparecimento do seu pai.

Ela assumiu que tinha tido algum papel na separação e sentiu-se responsável e culpada.

Clara sentiu que os seus pais eram indiferentes e que não respondiam às suas necessidades. Eles também não tinham ideia do impacto que as suas acções tinham na filha.

Ela ficou furiosa com os humores da sua mãe e a ausência do seu pai, mas tentou sempre ser uma filha “perfeita” para encobrir a sua raiva.

Clara usou duas defesas do ego para se proteger da ansiedade:

Ela negou a sua raiva porque temia que a raiva fizesse com que as pessoas a abandonassem.

Ela desconectou-se das suas emoções, raiva e medo em particular, fora do cenário das apresentações, mas tornou-se ansiosa quando estava em palco, temendo que uma apresentação “imperfeita” fizesse com que o público a desaprovasse.

Enquanto Clara e eu trabalhámos para entender as raízes mais profundas das suas mãos frias, ela descobriu que a sua ansiedade era um sinal de um sentimento desconfortável, como o medo ou a raiva.

Percebida essa conexão, poderia expressar-se através de palavras e, posteriormente, através das suas performances, que ela antecipou com prazer, em vez de medo.

 

Hoje, a ansiedade de desempenho é menos estigmatizada, mas continua a debilitar e a desmoralizar muitas pessoas.

 

Exemplo 2

Francisco tornou-se violoncelista apesar das objecções dos seus pais, que acreditavam que os músicos “acabavam a tocar no metro”. Ele persistiu nos seus estudos, mas desenvolveu uma dor no braço.

Francisco consultou vários médicos que não encontraram nenhum problema físico.

Fiz-lhe a seguinte pergunta: “Vamos considerar que a dor no seu braço provém de alguns sentimentos dentro de si – dentro da sua mente”.

Embora duvidoso, ele começou a explorar as suas reacções emocionais como uma pista importante para a sua dor física.

Ele passou a compreender como o medo e a raiva eram uma expressão da sua ansiedade de desempenho.

Ele temia comprovar que os seus pais estavam certos se não triunfasse.

Na verdade, ele estava tão enfurecido com eles por duvidarem da sua capacidade que às vezes quando estava preocupado batia no seu próprio braço.

Descobrir esses sentimentos ajudou-o a eliminar a sua dor e permitiu que Francisco controlasse a sua ansiedade de desempenho.

 

Descobrir certos sentimentos ajudou Francisco a eliminar a sua dor e permitiu que controlasse a sua ansiedade de desempenho.

 

Como gerir a ansiedade de desempenho

Aqui estão algumas coisas importantes a serem lembradas sobre a ansiedade no desempenho:

Não existe uma performance “perfeita”. A perfeição existe nas nossas mentes, fantasias e desejos.

Sentir ansiedade não significa que você não é excelente naquilo que faz.

A ansiedade é um sinal para desenvolver a curiosidade sobre as reacções e acções de alguém.

A vergonha é um sentimento complexo sobre si mesmo e também um medo de rejeição do público. Isso pode ser resolvido através da compreensão da fonte do seu desconforto emocional.

Perceba que a autocrítica intensa vem da mente do artista. Não é necessariamente o que o público sente.

Sintomas físicos como mãos frias, estômago embrulhado e dores de cabeça são algumas das maneiras pelas quais o corpo transmite pistas sobre o seu estado emocional.

Através da terapia, Clara e Francisco aprenderam a falar livremente sobre a raiva e o medo. Eles começaram a compreender que os sintomas físicos podem resultar de emoções difíceis de lidar. Uma vez expressadas as emoções, o sintoma físico começou a desaparecer.

Traduzido/adaptado por Pedro Martins

A partir de: What’s at the Root of Performance Anxiety? – Julie Jaffee Nagel

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