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Pensamento mágico. Pedro Martins Psicólogo clínico Psicoterapeuta

Pensamento Mágico

O termo pensamento mágico designa o pensamento que se apoia numa fantasia de omnipotência para criar uma realidade psíquica em que o indivíduo vivencia como “mais real” do que a realidade externa.

Quando falamos de pensamento, estamos sempre a referir-nos a pensamento e sentimento.

Este pensamento substitui a realidade externa actual por uma realidade inventada, mantendo assim a estrutura existente do mundo interno.

O pensamento mágico subverte a oportunidade de aprender a partir das experiências de vida com objetos externos reais.

O preço psicológico pago pelo indivíduo em virtude da sua crença no pensamento mágico é muito claro:

– O pensamento mágico não funciona, pois nada pode ser construído sobre ele a não ser outras camadas de construções mágicas.

O pensamento mágico tem apenas um objetivo: evitar enfrentar a verdade da própria experiência interna e externa.

O método utilizado para alcançar esse objectivo é o da criação de um estado mental em que o indivíduo acredita criar a realidade na qual ele e os outros vivem.

Nessas condições, a realidade psíquica oculta a realidade externa, a realidade não é a “da experiência, mas a do pensamento”.

Consequentemente, as surpresas emocionais e os encontros com o inesperado são, sempre que possível, recusados.

No limite, quando um indivíduo teme que a integridade do seu self esteja em perigo, pode defender-se por meio de fantasias omnipotentes que abrangem virtualmente tudo, desconectando-o da realidade externa, a tal ponto, que o seu pensamento se torna delirante e/ou alucinatório.

Nesse estado psicológico, ele torna-se incapaz de aprender a partir da própria experiência.

Na medida em que a realidade psíquica oculta a realidade externa, a capacidade do indivíduo de distinguir sonho e percepção, símbolo e simbolizado vai-se degradando progressivamente.

 

Ao substituir a realidade de facto por uma realidade inventada dilui-se a diferença entre realidades interna e externa.

 

Daí resulta que a própria consciência (consciência de si) seja comprometida ou perdida, o que, no quadro psicoterapêutico, leva a uma situação em que o paciente trata os seus pensamentos e sentimentos não como experiências subjectivas, mas como factos.

O pensamento mágico está por trás de muitas defesas psicológicas. A mania e a hipomania refletem a hegemonia de um conjunto de fantasias omnipotentes:

– Apoiado em defesas maníacas, o indivíduo sente que tem controlo absoluto sobre o objeto/outro que lhe falta, portanto, não o perdeu, mas rejeitou-o; não lastima, mas, antes, celebra a perda do objeto/outro porque está melhor sem ele.

Além do mais, essa perda deixa de ser uma perda, pois o objeto/outro não tem valor e é desprezível.

Os sentimentos associados a essas fantasias omnipotentes são muito bem resumidos por M. Klein (1935/1968), como sentimentos de controlo, desprezo e triunfo.

Todas as qualidades do pensamento mágico que acabámos de ver refletem o uso da fantasia de omnipotência para criar a ilusão – e, às vezes, o delírio – de que não se está sujeito às leis que se aplicam aos outros, o que inclui as leis da natureza, a inexorabilidade do tempo, o papel do acaso, a irreversibilidade da morte etc.

O pensamento mágico é muito conveniente – basta dizer algo para não ter de enfrentar a verdade do que ocorreu, e muito menos tomar qualquer atitude.

Contudo, por mais vantajoso que seja, há uma desvantagem primária: não “funciona” – nada pode ser construído sobre ou com ele, a não ser outras camadas de construções mágicas.

Este “pensamento” não tem força no mundo real, no que existe fora da mente da pessoa.

 

O pensamento torna-se cada vez mais uma ficção – uma invenção mágica da própria mente, uma construção dissociada da realidade externa.

 

Mais do que uma forma do pensamento genuíno, constitui um ataque tanto contra o reconhecimento da realidade quanto contra o próprio pensamento – ou seja, é uma forma de anti-pensamento.

Substitui a realidade de facto por uma realidade inventada, fazendo, assim, desmoronar a diferença entre realidades interna e externa.

A crença, por exemplo, de que se pode usar uma estratégia do tipo “perdoar e esquecer” indiscriminadamente nas experiências interpessoais acaba por cegar ainda mais o indivíduo não apenas em relação à realidade da natureza do vínculo emocional que existe entre ele e os outros, mas também em relação a quem ele mesmo é.

Torna-se cada vez mais uma ficção – uma invenção mágica da própria mente, uma construção dissociada da realidade externa.

Nada, nem ninguém pode ser construído sobre ou com um pensamento mágico porque à “realidade” criada de modo omnipotente falta a alteridade absoluta e imutável da realidade factual externa.

Ora, a experiência da alteridade da realidade externa é necessária para criar uma verdadeira experiência de si.

Sem não eu não pode haver eu. Sem um outro diferenciado, a pessoa é todo mundo e ninguém.

Uma implicação dessa compreensão do papel central do reconhecimento da alteridade no desenvolvimento do self é a ideia de que, se é muito importante que o terapeuta entenda o paciente, é igualmente importante que este seja uma pessoa diferente do paciente.

A última coisa de que qualquer paciente precisa é de uma segunda versão de si mesmo.

 

O pensamento mágico tem apenas um objetivo: evitar enfrentar a verdade da própria experiência interna e externa.

 

Uma paciente reduzida à sua omnipotência

Na entrevista inicial, para explicar porque me tinha procurado, a senhora S declarou: “Tenho um talento incrível para estragar tudo: o meu casamento, as relações com os meus filhos e a maneira como faço o meu trabalho”.

Apesar da ironia proposital da afirmação, achei que estivesse mais a gabar-se do que a admitir os seus fracassos ou a pedir ajuda. Senti que me estava a avisar que não era uma pessoa comum – “tenho um talento incrível”.

Na primeira semana de terapia ocorreu algo bastante surpreendente.

A senhora S deixou uma mensagem telefónica a avisar que os seus horários de trabalho tinham mudado e que só conseguiria chegar para a hora seguinte, ou seja, com uma hora de atraso.

A mensagem terminava assim: “se não me retornar, quer dizer que estamos combinados”.

Não tive outra opção a não ser ligar-lhe de volta.

Na minha mensagem, disse que a esperava na hora marcada, não depois.

Se não tivesse feito isso, ela teria chegado na mesma hora que o meu paciente seguinte. Se nós os três nos encontrássemos na sala de espera, teria ocorrido uma situação de intrusão.

A senhora S chegou vinte minutos atrasada à sessão cujo horário queria alterar.

Deu-me desculpas e explicações esfarrapadas.

Disse-lhe: “Acho que não acredita que lhe reservei um lugar de verdade aqui e que, portanto, sente que precisa de roubar um. Mas não penso que estas coisas possam ser roubadas”.

Eu desconfiava seriamente que a ansiedade de não ter um lugar próprio a acompanhava desde sempre, mas não lhe disse isso.

 

Mais do que uma forma do pensamento genuíno, constitui um ataque tanto contra o reconhecimento da realidade quanto contra o próprio pensamento.

 

Ela respondeu que não pensava que as coisas fossem assim tão complicadas e passou a falar-me dos acontecimentos no seu trabalho.

Disse-lhe: “Acha que não terei um lugar aqui com a senhora a não ser que eu lute para isso”. A paciente fez de conta que não ouviu nada.

Falava da própria vida de modo bastante irrefletido. A respeito da sua “juventude”, disse que tivera uma “infância perfeitamente normal” e que seus pais, universitários de sucesso, eram “perfeitamente razoáveis”. “Não posso culpá-los por tudo”.

Imaginava que a paciente estava certa, mas de um modo que ela estava longe de suspeitar.

Isto é, ela fora uma criança “perfeitamente” comportada – obediente e receosa das suas emoções -, e os seus pais foram “perfeitamente razoáveis”, no sentido de que eram pouco dados a receber ou a exprimir sentimentos. Essa inferência foi confirmada com o tempo nos relatos da paciente sobre a sua própria infância.

Os esforços da senhora S para me controlar e roubar, a mim e aos meus outros pacientes, estavam estreitamente ligados à sua crença de que eu tinha as respostas para os seus problemas – a incapacidade de ser mãe, esposa, amiga ou uma pessoa produtiva profissionalmente.

A minha “teimosia” em não lhe dar soluções para os problemas desnorteava-a tanto quanto a enfurecia.

Com o tempo, comecei a perceber que, desde o início da terapia, um aspecto estava a tornar-se cada vez menos disfarçado e mais provocatório na minha relação com a paciente.

Deturpava regularmente sentimentos e comportamentos assim como acontecimentos que ocorriam dentro ou fora do consultório.

Isso era mais visível quando distorcia alguma coisa que ela ou eu tínhamos dito durante a sessão em curso ou numa sessão recente.

 

No limite, quando um indivíduo teme que a integridade do seu self esteja em perigo, pode defender-se por meio de fantasias omnipotentes.

 

Depois de quase dois anos sentindo-me controlado desse modo, disse: “Penso que, apresentando a mim e a si todas estas histórias que sabe serem falsas ou enganadoramente incompletas, garante que tudo o que eu diga ou pense não tenha interesse ou valor para si. A realidade é apenas uma história que cria e recria como quer. Não há eu real ou você real que esteja fora do seu controle. Como pode criar qualquer realidade que lhe sirva, não precisa fazer realmente seja o que for para realizar as mudanças na sua vida que disse querer fazer”.

Enquanto dizia isso à senhora S, sentia-me zangado por ela estar a assolapar o trabalho terapêutico e a mim.

Também tinha consciência de que, ao salientar que não aprovava o modo como ela fazia o seu percurso, eu a forçaria, provavelmente, a entrar num estado ainda mais defensivo, o que, de facto, aconteceu.

Entretanto, não foi a minha zanga o que mais me perturbou nessa ocorrência, mas o facto de falar-lhe de um modo repreensivo, o que sentia como algo alheio a mim.

Numa sessão posterior fiquei subitamente ansioso, parecia não saber onde estava, quem estava comigo, o que estava a fazer. Senti-me desnorteado.

Levei uns segundos para deduzir onde estava, o que eu estava ali a fazer – ou seja, quem eu era. Minutos depois, esse pensamento dedutivo foi seguido de um sentido mais sólido de mim mesmo como pessoa e terapeuta da senhora S.

Com o tempo, essa experiência inquietante levou-me a tomar consciência do meu próprio medo de me perder na experiência psicológica e interpessoal em que a senhora S reinventava continuamente não apenas a realidade, mas também a ela mesma e a mim.

 

A realidade psíquica oculta a realidade externa. A realidade não é a “da experiência, mas a do pensamento”.

 

Pareceu-me que ela estava a mostrar o que não me conseguia dizer – ou dizer a si própria – ou seja, qual era a sensação de se inventar e reinventar e de ser inventada e reinventada por outra pessoa.

Isto fez-me lembrar a exigência dos pais da senhora S, bem como os próprios esforços para ser “uma criança perfeita”, que não exige nada emocionalmente dos pais, ou seja, uma criança que não é uma criança.

Disse à senhora S: “Creio que as suas distorções da realidade e particularmente as invenções a seu e a meu respeito são esforços para me mostrar o que não me consegue transmitir em palavras. Parece-me que, em criança, você sentiu que era a invenção da mente de outra pessoa e que continua a sentir-se assim. Acredito que tem tido medo de dizer a verdade a mim ou a si mesma porque isso ameaçaria o pouco de si mesma que sente como real. Dizer-me a verdade seria como abrir-se para que eu pudesse apossar-me o que sente ser e haver de mais real dentro de si e o substituísse com a minha própria versão de si”.

A senhora S não descartou com uma tirada sarcástica ou rejeição desdenhosa como costumava fazer. Antes, ficou quieta durante os poucos minutos que faltavam para o fim da sessão.

Na sessão do dia seguinte, a senhora S contou-me um sonho: “Estava a jogar ténis – na realidade não sei jogar ténis – e a bola rolou até um canto bem longe do complexo de campos onde estávamos a jogar. Naquele canto havia um recipiente cheio de bolas novinhas, mas não tinha maneira de levar mais do que uma ou duas. Não me consigo lembrar o que ocorreu depois. De manhã, quando acordei, sentia-me bem – nem óptima, nem péssima”.

 

O pensamento mágico subverte a oportunidade de aprender a partir das experiências de vida.

 

Eu disse-lhe: “Ao contar-me esse sonho começou a dizer a mim e a si mesma que, no sonho, estava a jogar ténis, mas que na realidade não sabe jogar. Pareceu-lhe importante que ambos saibamos o que é real e o que não é. A bola rolou até um canto afastado onde havia um recipiente cheio de bolas novas – parecia um tesouro atraente, mas só podia levar uma ou duas. No entanto, as bolas de ténis que você tinha já bastavam. Quando acordou, não se sentiu como quem perdeu um tesouro, nem como uma ladra, como costumava ocorrer antes. Você sentiu-se bem”.

Ela respondeu: “É verdade, não me importei mesmo por não poder levar as bolas todas. Não queria, não precisava delas. Encontrar as bolas não foi como descobrir um tesouro, apenas me pareceu estranho. Quando era pequena, ainda no colégio… numa loja roubei coisas que não precisava; assim que saí deitei-as fora. Sinto nojo quando me lembro disso. Mesmo sem precisar daquelas coisas, não consegui resistir”.

Durante o ano seguinte a essa sessão, a senhora S inventou muito menos a própria realidade. Às vezes, quando começava a distorcê-la, parava e dizia:

“Não adianta eu continuar a falar porque eu estou a deixar de lado uma parte importante do que aconteceu por vergonha de lhe contar”.

Nos trechos que comentei, a paciente estava profundamente arraigada no pensamento mágico que a levava a um esforço de inventar (e destruir) realidades dela mesma e as minhas.

Para ela, a alternativa de inventar realidade não era apenas uma experiência de desamparo, mas um sentimento de perda de si mesma, um sentimento de que estava a ser roubada por alguém.

 

Trata-se de um pensamento que se apoia numa fantasia de omnipotência para criar uma realidade psíquica em que o indivíduo vivencia como “mais real” do que a realidade externa.

 

As distorções da realidade da paciente – a criação mágica da própria realidade – irritaram-me, uma vez que contribuíam para o que parecia um roubo da significação do diálogo terapêutico e um roubo do meu sentido de self.

No início, eu disse à paciente que o seu pensamento mágico era excessivamente acusador e, consequentemente, inútil para ela.

Contudo, útil para mim, uma vez que me alertou para o facto de que ela não me reconhecia na maneira como lhe tinha falado.

O facto de falar com a senhora S sobre o que acreditava ser os seus sentimentos de perder-se nas suas infinitas reinvenções da realidade ofereceu-nos um contexto emocional – modo continente de pensar – que permitiu a ela e a mim sonhar com uma experiência de ela ser ela mesma no mundo sem necessidade de magia.

Tanto no sonho como nas conversas comigo sobre as bolas de ténis, a paciente foi capaz de se aceitar tal como era. A realidade não era uma ameaça; serviu de alteridade fundadora.

A minha alteridade e a da realidade externa tornaram-se imediatamente mais presentes quando lhe “recontei” o sonho com as bolas de ténis de maneira diferente da dela.

Ao ouvir-me contar o sonho, acredito, a senhora S viu algo como ela mesma – ela mesma a uma distância considerável – no “meu sonho”.

Serviu-se da realidade externa – da alteridade – da minha versão do sonho, como revelou ao corrigir tranquilamente a minha versão quando não se reconhecia nele.

Por exemplo, disse que encontrar todas essas bolas de ténis “não era como descobrir um tesouro”; antes achou “estranho” – isto é, alheio à pessoa que ela estava a tornar-se.

 

Traduzido/adaptado por Pedro Martins a partir de “On three ways of thought: magical thinking, dream-like thinking and transformative thinking – Thomas H. Ogden

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