Autor: <span>Pedro Martins</span>

fobias agorafobia

Fobias

Fobias

Por fobia entende-se um medo infundado e irracional de alguma coisa que não cede a nenhuma argumentação.

Tudo pode ser investido e tornar-se objecto de medo (objecto fóbico).

A atitude do sujeito perante a fobia é a fuga da situação fóbica.

As fobias representam uma dificuldade interna que é deslocada e projectada para o mundo externo, permitindo, não só libertar o mundo interno, como “controlar” o problema no exterior.

Sistematicamente, no fundo da personalidade fóbica encontramos uma intensa ligação às figuras afectivas da infância.

Esta dificuldade de separação resulta duma relação demasiado fechada e com uma sobrecarga de perigos atribuídos ao mundo exterior, e, sobretudo, da ansiedade dos pais.

Através do caso do “Pequeno Hans” é possível fazer uma síntese dos mecanismos fóbicos.

Podemos deduzir que o mecanismo fóbico é comparável a uma definição clássica de inteligência, segundo a qual seria inteligente descobrir uma solução diferente para um problema já conhecido.

A síntese é a seguinte: na sua evolução normal, Hans sente hostilidade para com o pai que lhe tira atenção e a companhia da mãe.

Como a hostilidade contra o pai resulta para a criança num medo do pai, Hans desloca para os cavalos (objecto fóbico) o seu medo, e inverte o problema afectivo que se lhe põe, dizendo ter medo de cavalos.

Esta é, obviamente, uma solução inteligente para que Hans possa crescer junto do pai e da mãe.

As pessoas enfrentam um extremo desconforto e angústia diante desses objectos/situações activadores do medo e da ansiedade, por isso tendem a evitá-los de todas as maneiras possíveis.

As fobias podem ser divididas em específicas, sociais e agorafobia.

Entre os tipos de fobias específicas estão determinados animais, situações no ambiente natural, sangue, ferimentos ou outro tipo de situações específicas.

As mais comuns são o medo de aranhas, medo de cobras e medo das alturas.

As fobias sociais são aquelas em que a pessoa afectada tem receio do julgamento de outras pessoas.

A agorafobia é o medo de uma situação de que a pessoa sente que não é possível fugir.

Tendo em conta que “tudo” é susceptível de ser um objecto fóbico, aqui fica uma lista das mais vulgares às mais extravagantes:

Ablepsifobia — medo de ficar cego; Ablutofobia — medo de tomar banho; Acluofobia — medo ou horror exagerado à escuridão; Acrofobia — medo de altura; Agorafobia — medo de lugares abertos, de estar na multidão, lugares públicos ou deixar lugar seguro; Aicmofobia — medo de agulhas de injeção ou objetos pontudos; Aletrorofobia — medo de galinhas; Aracnefobia ou Aracnofobia — medo de aranhas; Automatonofobia – medo de bonecos que imitam humanos; Catoptrofobia — medo de espelhos; Cinofobia — medo de cães; Claustrofobia – medo de lugares fechados, como elevadores ou aviões; Coulrofobia  —  medo de palhaços; Demofobia ou enoclofobia — medo de multidão (agorafobia); Dendrofobia — medo de árvores; Dromofobia — medo de cruzar ruas; Eisoptrofobia – medo de espelhos e de se ver ao espelho; Estaurofobia — medo de cruz ou crucifixo; Fagofobia — medo de engolir ou de comer; Hexacosioihexecontahexafobia — medo do número 666; Ofidiofobia – medo de cobras; Onfalofobia  — medo de umbigos; Ptesiofobia  — medo de viajar de avião; Quenofobia — medo de espaços vazios.

Luto, perda

Luto – O que não se deve dizer

O luto é uma parte inevitável da vida; a cada minuto 108 pessoas morrem no mundo inteiro. O que fazer quando alguém de quem gostamos sofreu uma perda? Não é fácil responder, e para além do mais, não existe uma maneira específica de lidar com estas coisas.

O psicanalista Robert Stolorow, em entrevista à Thrive Global refere que a nossa estratégia padrão para abordar estas situações propõe o oposto daquilo que as pessoas realmente precisam.

Na entrevista que podemos ler abaixo, Stolorow refere que as pessoas não precisam de ser consoladas na sua dor tanto quanto necessitam aproximar-se dela e que não há cronograma para o luto.

 

THRIVE GLOBAL: Escreveu que não devemos dizer a alguém que tenha experimentado uma perda traumática  “deixa-o ir e segue em frente”. Porquê?

ROBERT STOLOROW: Se você diz a alguém para seguir em frente, basicamente, você está a rejeitar a dor emocional dessa pessoa, dizendo: “Ok, basta, acabou, não quero fazer parte disso”. Você está a rejeitar o que a pessoa mais precisa, o que eu chamo de “espaço relacional” para essa dor emocional. É isso que eu tento fazer quando trabalho com pacientes traumatizados. É um pouco o oposto do que as pessoas bem-intencionadas fazem intuitivamente, tentando fazer as pessoas sentirem-se melhor.

TG: Porque é que isso é útil?

RS: Compartilhar a dor e oferecer um lugar para ela pode ajudar a torná-la mais suportável. Pode não diminuir muito a dor, mas ao existir um espaço onde a dor é permitida e onde pode ser compartilhada, ela torna-se mais suportável.

“O Luto é uma forma de Amor”

O que é realmente importante sobre ser capaz de encontrar um espaço para o sofrimento é que o luto é na verdade uma forma de amor. A dor é a forma que o amor toma quando um ente querido morre.

TG: Fale-me mais sobre isso.

RS: A magnitude do sofrimento corresponde à profundidade do amor pela pessoa perdida. É um aspecto extremamente importante da vida emocional de alguém – ser capaz de sofrer-, porque ser capaz de sofrer é uma forma de ser capaz de amar. Amar torna cada um de nós vulnerável ao desgosto amoroso.

TG: A palavra ” finitude” – A noção de Martin Heidegger de que a existência humana está inevitavelmente envolvida na temporalidade e na morte – surge muito na sua escrita.

RS: Tento tomar o conceito de finitude de Heidegger e torná-lo mais relacional. Não é apenas a nossa própria finitude que é a fonte da ansiedade existencial; É a finitude dos outros, de todos aqueles com quem nos preocupamos e amamos. Em certo sentido, a menos que estejamos completamente isolados emocionalmente dos outros, somos sempre vulneráveis ​​à dor da perda incorporada numa existência finita.

TG: É algo de que nos devíamos tentar livrar?

RS: Definitivamente não. Tendo passado por uma perda terrível há anos, e já tive outra desde então, ser enlutado faz parte da minha identidade. É parte de quem eu sou. Eu acho que posso ajudar muito as pessoas por causa disso – eu não tenho que fugir disso, não preciso evitá-lo, não preciso fugir disso.

TG: Tenho curiosidade pelo trauma menos agudo, onde não há um único acontecimento terrível, mas algo mais ambiental ou a longo-prazo, como o abuso ou a negligência nas relações familiares.

A teoria do apego diz-nos que, como adultos, as pessoas que cresceram com pais ansiosos ou emocionalmente distantes serão atraídas por essas mesmas dinâmicas nos seus relacionamentos amorosos. Como é que o seu trabalho pode ajudar a processar a dor de uma infância tóxica?

RS: Eu acho que é preciso ter mais detalhes sobre a dureza dessa infância. Uma das razões pela qual uma pessoa com uma infância tóxica pode sentir-se atraída por pessoas indisponíveis é que a pessoa está a tentar dominar dores antigas e sair delas de forma diferente. Esse é um dos motivos.

 

TG: Existe um tempo “normal” para a duração do período de luto?

RS: Eu penso que o conceito de normalidade está errado em relação à perda. Quanto mais profundo o amor, maior o sofrimento e talvez nunca termine. Eu acho que há casos em que as pessoas levam o luto até ao seu próprio túmulo. Eu sei que algumas pessoas escreveram sobre estágios de luto. Tenho a sensação de que isso é conversa fiada.

TG: Porquê?

RS: Faz-se uma espécie de cronograma universal para o processo de luto, e não se leva em conta a natureza da relação de amor perdida. O sofrimento varia dependendo da natureza da relação que se perdeu. O sofrimento tem sido patologizado. Quando você patologiza o sofrimento você está patologizar o amor.

 

Traduzido/adaptado por Pedro Martins

a partir de “Why you should never tell someone who’s grieving to Move On”

Entrevista a Robert Stolorow

pais filhos

Porque os bons pais têm filhos mal comportados

Pais / Filhos

Imagine dois tipos muito diferentes de famílias, cada uma na sua própria mesa de jantar numa noite habitual.

Na Família 1: As crianças são muito bem comportadas: dizem que a comida é muito boa, falam sobre o que aconteceu na escola, ouvem os pais com atenção e no fim terminam os trabalhos de casa.

Na Família 2: É bastante diferente. Chamam nomes à mãe, resmungam e gozam quando o pai diz algo; fazem um comentário ligeiramente indecente que revela uma falta de vergonha sobre os seus corpos; Se os pais perguntam se já fizeram os trabalhos de casa, dizem que a escola é uma porcaria viram costas e batem a porta.

Parece que tudo vai muito bem na Família 1 e muito mal na Família 2. Mas se olharmos para dentro da mente da criança, podemos ter uma imagem muito diferente.

Na Família 1, os chamados bons filhos têm dentro de si toda uma série de emoções que retêm longe da vista, não porque queiram, mas porque sentem que não podem ser tolerados como realmente são. Sentem que não podem deixar os seus pais ver que estão com raiva ou entediados, porque parece que os pais não têm recursos internos para lidar com a realidade deles; Devem reprimir as suas partes mais corporais, mais rudes e mais voláteis. Qualquer crítica a um adulto é (imaginam) tão devastadora que não pode ser proferida.

Na Família 2, os chamados filhos mal comportados sabe que as coisas são sólidas. Eles sentem que podem dizer que a mãe é uma idiota, porque nos seus corações sabem que ela os ama e que eles a amam e que um ataque de raiva não destruirá isso. Eles sabem que o pai não se desintegrará ou se vingará por ser gozado. O ambiente é quente e forte o suficiente para absorver a agressão, a raiva, a troça ou o desapontamento da criança.

No final, temos um resultado inesperado: o bom filho está com problemas na vida adulta, tipicamente relacionados com concordância excessiva, rigidez, falta de criatividade e uma consciência insuportavelmente pesada que pode levar a pensamentos suicidas. E a criança impertinente caminha saudavelmente para a maturidade, onde se encontra a espontaneidade, a resiliência, a tolerância ao fracasso e o sentimento de auto-aceitação.

O que chamamos de maldade é na verdade uma exploração inicial da autenticidade e da independência. Tendo sido crianças impertinentes, podemos ser mais criativos porque podemos experimentar ideias que não necessitam imediatamente de aprovação; podemos cometer um erro, meter-nos numa embrulhada ou parecer ridículos e não será um desastre. As coisas podem ser reparadas ou aperfeiçoadas. A nossa sexualidade é aceitável para nós e, portanto, não precisamos sentir-nos excessivamente embaraçados ao apresentá-la a um parceiro. Podemos ouvir críticas a nós mesmos e conseguir lidar com o que é verdade e rejeitar o que é maldade.

Devemos aprender a ver crianças malcriadas, algumas cenas caóticas e levantar de voz ocasionais como pertencentes à sanidade, em vez da delinquência – e, ao mesmo tempo, a temer pessoas que não causam qualquer problema.

E, se tivermos momentos ocasionais de felicidade e bem-estar, devemos sentir-nos especialmente agradecidos pelo facto de ter havido, certamente alguém, num passado distante, que optou por olhar com os olhos do amor para algum comportamento profundamente desproporcionado e desagradável da nossa parte.

 

Traduzido/adaptado por Pedro Martins

A partir de Why good parents have naughty children – Alain de Botton

bullying

Bullying – Quando o pai é um “Bully”

Bullying – O que acontece quando o seu pai é um “Bully”? Isso significa que você será intimidado no recreio? Ou, isso significa que você vive uma vida com medo da humilhação? Ou, isso significa que o medo domina a sua existência de tal forma que se sente sem vida?

Estas são as perguntas que me coloco enquanto penso em Sue, trinta e três anos, tímida e com um pensamento fragmentado. As suas capacidades para resolver problemas estão muito limitadas.

Diz-me constantemente que não tem muito por onde escolher na sua vida, mas olhando de fora, parece que ela tem mais oportunidades do que a maioria das pessoas jamais terá.

O “pai-bully” é um tipo particular de abuso infantil que, por um lado, é subtil, na medida em que não há provas para ninguém, além da mãe, de que esse abuso está a ocorrer.

O “pai-bully” deixa claro que Sue não é capaz de pensar por ela própria, e assim deve seguir aquilo que o pai acha que é melhor para ela. Como resultado, Sue, não só se sente inibida, como não faz ideia de que se sente inibida de viver. Ao mesmo tempo, não alimentou suficientemente a mente para que as ideias possam romper.

É triste, mas há esperança de que na terapia Sue possa perceber que este obstáculo a impede de crescer e, em seguida, ultrapassá-lo.

 

Traduzido/adaptado por Pedro Martins

A partir de “When Your Father Is A Bully” – Shirah Vollmer

Inconsciente, transferência, sintomas

Inconsciente, Transferência – conceitos da Psicoterapia

Inconsciente, Transferência, Sintomas – Conceitos-chave da Psicoterapia

A psicoterapia é uma das invenções mais importantes dos últimos cem anos, com um poder excepcional para aumentar os nossos níveis de bem-estar emocional, melhorar os relacionamentos, restabelecer a atmosfera familiar e ajudar-nos a extrair mais do nosso potencial profissional.

Mas também é profundamente incompreendida e alvo de fantasias, esperanças e suspeitas. A sua lógica raramente é explicada e a sua voz raramente ouvida com suficiente franqueza.

Entre os conceitos-chave da psicoterapia temos: Sintomas e Causas, Trauma de infância, Inconsciente, Regra fundamental, Acto falhado, Sexualidade, Transferência, Mecanismos de defesa, Verdadeiro e Falso Self, Sublimação, Superego, Luto.

 

Aqui estão pequenos resumos sobre alguns conceitos-chave da psicoterapia:

 

Sintomas e Causas

De uma maneira geral, as pessoas iniciam a terapia quando já não conseguem suportar certos sintomas cujas causas desconhecem. Porque estão sempre tão tristes? Porque – não tendo feito nada de errado de forma objectiva – estão tão receosos de serem despedidos? Porque já não conseguem ter relações sexuais?

O objectivo da terapia é ir além da superfície do “problema visível” para localizar (e tratar) o que está realmente em jogo. Sigmund Freud, o pai da psicanálise e da sua irmã gémea – a psicoterapia -, merece um lugar na história do século XX por causa da sua compreensão extremamente subtil da forma “diabólica” como os sintomas se desconectam das suas causas reais.

Não conseguimos estabelecer uma relação ou facilmente imaginar o que nos está afectar e, portanto, não podemos fazer nada de efectivo para ultrapassar o problema. À superfície podemos estar prisioneiros de um desejo incontornável de limpar a casa com uma intensidade maníaca, mas ao longo da terapia, podemos perceber que inconscientemente queremos expurgar a sensação de sermos indesejados e “maus”; legado de um pai que nos desprezou na primeira infância.

Não deixa de ser relevante o facto de Freud ter sido médico de formação. Na medicina, o factor decisivo por trás do sofrimento físico é muitas vezes (à primeira vista) inesperado; uma dor num dedo do pé pode estar ligada a um problema no abdómen. Freud adoptou esse modelo e aplicou-o ao sofrimento mental, propondo que os nossos problemas emocionais (actuais) geralmente são sintomas de problemas localizados nas cavernas, raramente visitadas, das memórias de infância. A psicoterapia é a disciplina que nos guia de volta ao passado problemático para nos dar, uma vez que podemos abordar as causas reais dos nossos sofrimentos, a possibilidade de um futuro com menos ansiedade, mais livre e esperançoso.

 

Inconsciente

A ideia de inconsciente é fundamental para a psicoterapia. A mente é representada como estando dividida em duas zonas. Uma área pequena e intermitente chamada consciência e um terreno vasto, complexo, obscuro e intemporal chamado inconsciente.

Uma vez que é da natureza da mente consciente ser extremamente susceptível, esquecemos constantemente ou ignoramos incidentes cruciais que afectam o nosso comportamento e estado de espírito no aqui e agora. Estes, no entanto, vivem no escuro contínuo do inconsciente.

Um episódio traumático – uma rejeição ou humilhação – que aconteceu quando nós ainda éramos pequenos vai continuar fresco no nosso inconsciente como se tivesse acontecido ontem e o seu efeito sobre o nosso comportamento actual pode ser muito maior do que podemos supor.

O nosso Eu inconsciente pode continuar a tentar apaziguar um pai irritado ou escapar da prudência excessiva de uma mãe. Uma parte de nós pode continuar a temer a repetição de uma coisa negativa (as desgraças que tememos no futuro são geralmente aquelas que já nos aconteceram no passado). E essas batalhas, de um passado esquecido, podem ter um impacto terrível na vida adulta.

O objectivo central da terapia é reencontrar-nos adequadamente com as nossas histórias “esquecidas”: dar-nos domínio sobre regiões dispersas da vida mental e ampliar o nosso conhecimento sobre as nossas experiências inconscientes. A terapia pretende facilitar a redescoberta íntima de emoções aparentemente distantes, para que possamos repensá-las com as nossas faculdades adultas e libertar-nos da sua postura frequentemente enigmática e espinhosa sobre nós.

 

Transferência

A transferência refere-se à forma como, começamos a “actuar”, ou a transferir para a relação terapêutica dinâmicas que decorrem das nossas próprias histórias psicológicas.

Por exemplo, podemos convencer-nos de que o terapeuta não é muito bom, que é muito feliz (ou muito infeliz), casado, snobe, ou que nos admira muito ou que é sistematicamente hostil – qualquer uma destas possibilidades tem, provavelmente, pouca relação com a vida real do terapeuta e com os seus pensamentos (sobre quem é suposto sabermos pouco).

Ao invés de tentar desmontar essas fantasias, a terapia faz uso delas. O terapeuta irá mostrar-nos onde temos tendência a ver atitudes ou perspectivas que realmente eles não têm – e dessa forma, a relação terapêutica será usada como um veículo particular para compreendermos as nossas tendências emocionais mais imperceptíveis.

O terapeuta (com bondade) tentará assinalar que estamos a reagir como se tivéssemos sido atacados, quando ele colocou apenas uma pergunta; pode chamar à atenção para a prontidão com que parecemos querer contar-lhe coisas impressionantes, ou como parecemos apressar-nos a concordar ou a discordar com ele quando está apenas a tentar verificar uma hipótese sobre a qual não tem muita certeza.

O relacionamento com o terapeuta torna-se um modelo para a forma como podemos estabelecer relações com os outros, livres das manobras e pressuposições de fundo que trazemos dentro de nós desde a infância, e que nos podem limitar tão dolorosamente no presente.

 

Traduzido/adaptado por Pedro Martins

A partir de “Twenty Key Concepts from Psychotherapy” – Alain de Botton

vinculação apego

Vinculação Segura e Insegura

Vinculação segura e Insegura

Muito do que somos resulta da forma como – tipo de vinculação – fomos criados na infância.

Apego é um termo definido pelo psiquiatra e psicanalista John Bowlby, que analisou as carências das crianças que ficaram órfãs na 2ª Guerra Mundial.

Bowlby afirmou que a nossa necessidade de apego não é secundária à alimentação, como era defendido na altura.

Constatou que a forma como fomos cuidados por certas figuras de referência se reflecte nos sentimentos de segurança.

Os cuidados físicos, emocionais e mentais vão mudando ao longo das fases de desenvolvimento.

Uma vinculação segura, geralmente, é considerada concluído aos 18 meses.

É por isso que hoje se considera que a licença de maternidade e paternidade deve ter no mínimo a duração de um ano.

A vinculação é uma necessidade básica determinada pela espécie.

Precisamos de amor, amparo e alimentação.

Dependendo da forma como esses cuidados são prestados, adquirimos resistência à adversidade ou ficamos vulneráveis, o qual é um factor de risco muito importante no que diz respeito à possibilidade de sofrer transtornos mentais a partir da adolescência.

Há vinculações saudáveis e patológicas.

A vinculação segura é aquela nos torna resilientes.

Não significa que devemos estar todo o dia agarrados à criança. Pelo contrário, deve promover-se a sua autonomia de acordo com as fases; em cada idade a criança precisa de um tipo diferente de relação afectiva e cognitiva.

A vinculação é uma necessidade básica determinada pela espécie.

Os transtornos de personalidade estão intimamente relacionados com o nosso modo de vida.

O estilo parental influencia muito. Se uma criança é criada numa vinculação segura, a probabilidade de ter uma doença mental é baixa.

Uma vinculação saudável promove autonomia pessoal. Em cada momento, temos que nos separar um pouco dos nossos filhos para que possam explorar e relacionar-se com o mundo.

O excesso de preocupação – por exemplo, a sobreprotecção leva a uma vinculação insegura e com menor resistência à adversidade.

É o mal da sociedade moderna; está relacionado com transtorno da personalidade limite (borderline).

Quando os pais são muito protectores, na adolescência os filhos fazem rupturas muito marcadas, como forma de os castigar.

A outra vinculação que favorece o transtorno mental é a vinculação insegura evitante, que é completamente ao contrário: pais excessivamente desapegados.

A criança é separada ainda muito jovem, e o que é importante é a rectidão.

É um apego que está relacionado a figuras de paternas muito poderosas.

A vulnerabilidade tende para a psicose, porque os filhos são ensinados a confiar apenas em si próprios, num mundo hostil e persecutório, onde mostrar afectos é considerado uma fraqueza.

É um apego que favorece o individualismo e a pressão para triunfar. São distúrbios mais próximos das questões narcísicas.

O mais tóxico de todos é a ausência de relações de vinculação. O que chamamos de apego desorganizado. Maus tratos, abuso, violência física e colégios muito rígidos.

Essas crianças apresentam patologias desde muito cedo.

São crianças do género psicopata; aqueles que torturam o gato, que maltratam outras crianças.

Se não há vinculação, não há empatia.

Excertos da entrevista de Diego Figuera ao El País

depressão ansiedade

Depressão – As Causas e como Resolvê-las

O que realmente causa depressão e ansiedade – e como podemos realmente resolvê-las?

Actualmente, no mundo ocidental, se você andar deprimido ou ansioso e for ao seu médico, porque, simplesmente, não consegue aguentar mais, provavelmente ele vai falar-lhe de uma certa “teoria”.

Aconteceu comigo quando eu era adolescente, na década de 90.

Você sente-se assim, disse o meu médico, porque o seu cérebro não está a funcionar correctamente.

Não está a produzir os químicos necessários. Você precisa tomar medicação para tratar o cérebro.

Eu tentei essa estratégia com todo o meu coração durante mais de uma dezena de anos. Ansiava por um alívio.

A medicação tinha um ligeiro efeito sempre que aumentava a dose, mas logo depois a dor voltava.

Acabei por rapidamente chegar à dose máxima e assim andei muitos anos.

Pensei que estava alguma coisa errada comigo porque estava a tomar antidepressivos e apesar disso, sentia uma dor profunda.

Por fim, a necessidade de respostas era tão grande que estive três anos a pesquisar o que realmente causa a depressão e a ansiedade, e como efectivamente as tratar.

Fiquei assustado com muitas coisas que aprendi.

A primeira foi que a minha reacção à medicação não era bizarra – era bastante normal.

Geralmente a depressão é medida pelos investigadores através da escala de Hamilton. Esta vai de 0 (extremamente feliz) a 59 (pensamentos suicidas).

De acordo com a pesquisa do professor Irving Kirsch, da Universidade de Harvard, melhorar os padrões de sono representa um aumento na escala de Hamilton de cerca de 6 pontos.

Os antidepressivos oferecem, em média, um aumento de 1.8 pontos. É um efeito real, mas modesto.

Quando as pessoas estão a comportar-se de maneiras aparentemente autodestrutivas, “está na hora de parar de perguntar o que há de errado com elas e começar a perguntar o que aconteceu com elas”.

O facto de ser uma média significa que algumas pessoas podem ter um aumento maior, mas para um grande número de pessoas como eu, não é suficiente para sair da depressão.

Para além disso, fiquei aturdido ao descobrir que reconhecidos investigadores pensam que a teoria que considera que a depressão é causada por um desequilíbrio químico está errada.

Fiquei ainda mais surpreso ao descobrir que esta não é uma posição marginal:

– A Organização Mundial da Saúde tem alertado durante anos para a necessidade de começar a lidar com as causas mais profundas da depressão.

De entre as várias causas apontadas para a depressão, uma foi pessoalmente, mais difícil de investigar, a ponto de quase não olhar para ela durante os três anos de pesquisa.

Finalmente, em San Diego – Califórnia pude compreender mais sobre essa causa quando conheci um notável investigador; o Dr. Vincent Felitti.

No entanto, tenho que dizer que desde o princípio foi muito doloroso investigar essa causa.

Isso obrigou-me a encarar algo de que eu fugi a maior parte da minha vida.

Uma das razões pelas quais me agarrei à “teoria” de que a minha depressão era apenas o resultado de algo errado no meu cérebro, percebo agora, era porque não queria ter que pensar nisso.

A história da descoberta do Dr. Felitti remonta a meados da década de 80, e aconteceu quase por acidente.

A princípio, parece que não é uma história sobre a depressão.

Mas vale a pena seguir a sua caminhada porque pode ensinar-nos muito.

Para tratar a depressão, você precisa lidar com as causas subjacentes.

Quando os pacientes foram pela primeira vez no gabinete do Dr. Felitti, alguns tiveram dificuldade em entrar.

Estavam nos estágios mais graves de obesidade, e foram designados para clínica, como sendo a sua última oportunidade.

Felitti ficou encarregue de encontrar uma forma de resolver a questão dos elevadíssimos custos da obesidade na empresa.

Comece do zero, disseram eles. Experimente qualquer coisa.

Um dia, Felitti teve uma ideia tão doida quanto simples:

“E se estas pessoas com obesidade, simplesmente, parassem de comer e vivessem à base das gorduras que acumularam nos seus corpos – com suplementos de nutrição monitorizados – até que alcançassem um peso normal? O que aconteceria?”

Cautelosamente, com muita supervisão médica tentaram e, surpreendentemente funcionou.

Os pacientes estavam a perder peso e a voltar a ter um corpo sadio.

Entretanto, aconteceu algo estranho.

No programa, algumas pessoas perderam quantidades incríveis de peso, e a equipa médica, e todos os seus amigos, esperavam que essas pessoas reagissem com alegria, mas muitas vezes entravam numa depressão brutal, pânico e/ou raiva.

Alguns tentaram suicidar-se. Sem aquele volume sentiram-se incrivelmente vulneráveis.

Alguns abandonaram o programa, empanturraram-se de fast-food e voltaram rapidamente ao seu peso inicial.

Felitti ficou desconcertado, até falar com uma mulher de 28 anos.

Em 51 semanas, Felitti ajudou-a a passar dos 185 kg para os 60 kg.

Então, de repente, sem nenhum motivo aparente, ela ganhou 17 kg no espaço de poucas semanas.

Em pouco tempo, ela ultrapassou os 185 kg. Então, Felitti perguntou-lhe gentilmente o que mudou quando ela começou a perder peso.

Parecia um mistério para ambos. Conversaram durante muito tempo. A certa altura ocorre-lhe uma coisa.

Perante acontecimentos terrivelmente dolorosos, a dor faz sentido. É uma resposta ao que está a acontecer consigo.

Quando ela era obesa, os homens nunca se interessavam por ela, mas quando ela chegou a um peso saudável, pela primeira vez em muito tempo, um homem atirou-se a ela.

Ela fugiu e imediatamente começou a comer compulsivamente sem conseguir parar.

Foi quando Felitti lhe perguntou: Quando é que você começou a aumentar de peso?

Ela pensou sobre a questão e respondeu: Quando tinha 11 anos.

Então ele perguntou: Aconteceu mais alguma coisa na sua vida quando você tinha 11 anos?

Bem, ela respondeu – foi quando o meu avô começou a violar-me.

Das 183 pessoas do programa, Felitti descobriu que 55% tinham sido abusadas sexualmente.

Uma mulher referiu que tinha aumentado de peso depois de ter sido violada porque “o excesso de peso faz com que passe despercebida, e é isso que eu quero”.

Descobriu que muitas dessas mulheres se tornaram obesas por uma razão inconsciente: proteger-se da atenção dos homens, que, acreditavam, iriam maltratá-las.

Felitti de repente percebeu:

“O que tínhamos pensado como sendo o problema – a obesidade, era de facto, com muita frequência, a solução para problemas sobre os quais nada sabíamos”.

Esta descoberta levou Felitti a lançar um enorme programa de pesquisa, financiado pelos Centros de Controle e Prevenção de Doenças.

Felitti queria saber como é que os vários tipos de trauma infantil afectam os adultos.

Aplicou um questionário simples a 17 mil pacientes comuns em San Diego, que vinham apenas para cuidados de saúde gerais (desde uma dor de cabeça até uma perna partida).

Ele perguntou aos pacientes se alguma entre 10 coisas más lhes tinha acontecido em criança, como por exemplo, ser negligenciada ou abusada emocionalmente.

De seguida perguntou aos pacientes se apresentavam algum entre 10 problemas psicológicos, como obesidade, depressão ou dependência de drogas.

Quanto mais investiguei a depressão e a ansiedade, mais percebi que longe de ser causada por um espontâneo mau funcionamento do cérebro, a depressão e a ansiedade, são, principalmente, causadas por acontecimentos nas nossas vidas.

Ele queria analisar as correspondências.

Uma vez introduzidos, os números pareciam inacreditáveis.

A quantidade de pessoas com trauma infantil – factor de risco para a depressão no adulto – era assustador.

As pessoas que referiram sete categorias de eventos traumáticos em criança tinham mais 3100% de probabilidades de tentar o suicídio em adulto e mais de 4000% de probabilidades de consumir drogas duras.

Depois de uma das minhas longas conversas com o Dr. Felitti sobre estas questões, fui até à praia em San Diego. Todo eu tremia.

Enquanto caminhava fui tomado por uma quantidade enorme de sentimentos.

Ele estava a forçar-me a pensar sobre uma dimensão da minha depressão que eu não queria enfrentar.

Quando eu era criança, a minha mãe estava doente e meu pai estava noutro país e, nesse caos, fui sujeito a actos extremos de violência por parte de um adulto.

Entre outros actos, fui estrangulado com um cabo eléctrico.

Eu tentei selar essas memórias, para as afastar da minha mente.

Eu recusei pensar que elas estavam a afectar a minha vida adulta.

Porque é que tantas pessoas que experimentam maus tratos na infância sentem o mesmo?

Porque é que isso leva muitas delas a ter comportamentos autodestrutivos, como a obesidade, consumo de drogas duras ou o suicídio?

Passei muito tempo a pensar nisso. Eu tenho uma teoria.

Embora, quero salientar, vai além da evidência científica descoberta por Felitti, e não posso afirmar com certeza, que é verdadeira.

Quando somos criança, temos muito pouco poder para mudar o que nos rodeia.

Só o facto de se ser capaz de falar sobre o trauma levou a uma enorme queda na procura de cuidados médicos.

Você não se pode afastar, ou forçar alguém a parar de o maltratar. Então, você tem duas opções.

Pode admitir a si mesmo que é impotente – que, a qualquer momento pode ser maltratado, e, simplesmente, não há nada que possa fazer a esse respeito.

Ou você pode dizer a si mesmo que a culpa é sua.

Se fizer isso, você realmente ganha algum poder – pelo menos na sua própria mente.

Se é culpa sua, então há algo que você pode fazer para tornar as coisas diferentes.

Você não é uma bola numa máquina de flippers, é a pessoa que controla a máquina.

Desta forma, assim como a obesidade protegeu as mulheres dos homens que elas temiam que pudessem violá-las, culpar-se pelos seus traumas de infância protege-o de ver quão vulnerável você era e é.

Você pode tornar-se o poderoso. Se a culpa é sua – a um certo nível -, sente que controla.

Mas isso tem um custo. Se você é responsável por ser maltratado, então, de algum modo, deve pensar que mereceu.

Uma pessoa que acha que mereceu ser ferida em criança vai pensar que também o merece como adulto.

Isto não é maneira de viver.

Mas é a forma – a melhor possível na altura -, que permite sobreviver perante tamanhas adversidades.

Mas foi o que o Dr. Felitti descobriu a seguir que mais me ajudou.

Quando os pacientes que responderam ao questionário referiram que sofreram maus-tratos (trauma da infância), ele conseguiu que os seus médicos abordassem a questão:

“Vejo que você passou por uma má experiência em criança. Lamento que isso tenha acontecido consigo. Gostaria de falar sobre isso? ”

O acto de falar, de libertar-se da vergonha é – em si mesmo – a cura.

Felitti quis saber se ser capaz de falar sobre o trauma com uma figura de autoridade confiável, e reconhecer que não se é culpado, ajudaria a libertar as pessoas.

O que aconteceu foi surpreendente.

o facto de se ser capaz de falar sobre o trauma levou a uma enorme queda na procura de cuidados médicos (uma redução de 35% ao longo do ano seguinte).

Para as pessoas que foram encaminhadas para uma ajuda mais especializada, houve uma queda de mais de 50%.

Uma mulher idosa – que descreveu ser sido violada quando era criança – mais tarde escreveu uma carta dizendo:

“Obrigado por perguntar… Tinha medo de morrer sem que ninguém soubesse o que aconteceu”.

O acto de falar, de libertar-se da vergonha é – em si mesmo – a cura.

Então, junto das pessoas em quem confio, comecei a falar sobre o que me tinha acontecido quando era mais jovem.

Longe de me envergonharem e de pensarem que eu era perturbado, eles mostraram amor e ajudaram-me a ultrapassar o sofrimento passado e presente.

Enquanto ouvia as gravações das minhas longas conversas com Felitti, pensei que, se ele tivesse dito às pessoas o que meu médico me disse:

– que os seus cérebros não estavam a funcionar bem, e era por isso que eles estavam tão angustiados, e a única solução era a medicação –

talvez nunca tivessem sido capazes de entender as causas mais profundas dos seus problemas e nunca teriam conseguido libertar-se deles.

Uma das razões pelas quais me agarrei à “teoria” de que a minha depressão era apenas o resultado de algo errado no meu cérebro, percebo agora, era porque não queria ter que pensar nisso.

Quanto mais investiguei a depressão e a ansiedade, mais percebi que longe de ser causada por um espontâneo mau funcionamento do cérebro, a depressão e ansiedade, são, principalmente, causadas por acontecimentos nas nossas vidas.

Existem factores biológicos, como os genes, que podem tornar-nos significativamente mais sensíveis a essas causas, mas não são os factores principais.

E isso levou-me à evidência científica de que devemos tentar resolver a depressão e a ansiedade de uma maneira muito diferente (ao mesmo tempo os antidepressivos, devem, evidentemente, permanecer em cima da mesa).

Para fazer isso é necessário parar de olhar para a depressão e para a  ansiedade como uma patologia irracional, ou uma estranha falta de químicos no cérebro.

Perante acontecimentos terrivelmente dolorosos, a dor faz sentido. É uma resposta ao que está a acontecer consigo.

Para lidar com a depressão, você precisa lidar com suas causas subjacentes.

Um dia, um dos colegas do Dr. Felitti, o Dr. Robert Anda, disse-me uma coisa sobre a qual tenho pensado desde então.

Quando as pessoas estão a comportar-se de maneiras aparentemente autodestrutivas, “está na hora de parar de perguntar o que há de errado com elas e começar a perguntar o que aconteceu com elas”.

Tradução/adaptação – Pedro Martins

a partir de Johann Hari – HuffPost

Johann Hari – Lost Connections: Uncovering the Real Causes of Depression – and the Unexpected Solutions

A crítica Pedro Martins Psicoterapeuta

A Crítica – entre o desagradável e o insuportável

A crítica nunca é fácil.

Lidar com o facto de os outros nos considerarem ridículos, feios, desagradáveis ou incompetentes é um dos aspectos mais desafiadores de qualquer vida.

No entanto, o impacto da crítica é extremamente variável – e depende, em última análise, de um detalhe um pouco inesperado: o tipo de infância que tivemos.

O facto de a crítica ser experimentada como meramente desagradável ou completamente catastrófica depende do que aconteceu connosco há muitos anos com os nossos cuidadores.

O que se entende por uma “infância má” é aqui, simplesmente, uma questão de amor.

Uma criança chega ao mundo com uma capacidade muito limitada para lidar consigo própria.

É a tolerância, o entusiasmo e o perdão do outro que gradualmente nos acomoda à existência.

A forma dos nossos cuidadores nos olharem torna-se na forma como nos vemos.

É por sermos amados pelos outros que adquirimos o dom de olhar com simpatia para nós próprios.

Simplesmente, não está na nossa incumbência acreditar em nós mesmos por conta própria.

Estamos totalmente dependentes de um sentimento interior de termos sido valorizados de forma indirecta por outra pessoa, como uma protecção contra a subsequente negligência do mundo.

Nós não precisamos ser amados por muitos.

Nós não precisamos ser amados por muitos, um bastará, e doze anos podem ser suficientes (idealmente dezasseis).

No entanto, sem esse amor, a contínua admiração de milhões nunca será capaz de nos convencer de que somos bons.

Mas com esse amor, o desdém de milhões é indiferente.

As infâncias más têm a triste tendência:

— De nos levar a procurar situações em que existe uma possibilidade teórica de recebermos uma aprovação excepcional (o que também significa, um alto risco de encontrar uma enorme desaprovação) e por isso fazemos esforços desmesurados na tentativa de sermos famosos e visivelmente bem-sucedidos.

Mas é claro que o mundo em geral nunca dará emocionalmente a confirmação incondicional desejada.

Existirão sempre os discordantes, críticos e pessoas igualmente afectadas pelo seu próprio passado para poderem ser gentis com os outros.

E é para essas vozes que aqueles que tiveram infâncias complicadas se vão direccionar, por mais entusiástica que a multidão possa ser.

Ao longo do caminho podemos constatar que o principal indicador de ser um bom pai é quando um filho, simplesmente, não tem interesse em ser admirado por um grande número de desconhecidos.

Nós não ouvimos todos a mesma coisa quando somos criticados.

Alguns de nós, os sortudos, ouvimos apenas a mensagem superficial do aqui e agora: que nosso trabalho ficou abaixo das expectativas, que devemos esforçar-nos mais nas nossas funções, que o nosso livro, filme ou música não é brilhante. Isso é suportável.

Mas os mais feridos entre nós ouvem muito mais.

A crítica leva-os directamente para a ferida primitiva.

Um ataque no presente entrelaça-se com os ataques do passado e cresce desmesuradamente e de forma incontrolável na sua intensidade. O chefe ou colega pouco amável torna-se o pai que nos decepcionou.

Tudo é questionado. Não só achamos que fizemos um mau trabalho, como somos uma miséria, pois foi assim que nos sentimos naquela época, na nossa mente infantil, frágil e indefesa.

Saber mais sobre a nossa infância proporciona-nos uma via fundamental de defesa contra os efeitos da crítica.

Isso significa que podemos estar atentos, quando nos sentimos atacados e despoletamos a desnecessária auto-depreciação.

Podemos aprender a separar o veredicto de hoje do veredicto emocional que trazemos connosco e que constantemente procuramos confirmar através de eventos do dia-a-dia.

Podemos aprender que, por mais tristes que sejam os ataques que enfrentamos, eles não são nada comparados com a verdadeira tragédia e causa efectiva da nossa tristeza: que as coisas não correram bem naquela época.

Saber mais sobre a nossa infância proporciona-nos uma via fundamental de defesa contra os efeitos da crítica.

E assim podemos dirigir a nossa atenção para onde é realmente precisa; longe das críticas actuais e apontada para aquele pai da nossa infância, pouco convencido do nosso valor.

Podemos perdoar-nos por sermos, neste caso, inocentes, fatalmente sensíveis e, em essência, mentalmente afectados.

Não podemos parar os ataques do mundo, mas podemos – através da exploração das nossas histórias – mudar o que significam para nós.

Também podemos e devemos dar uma segunda oportunidade: voltar atrás e corrigir o veredicto original do mundo.

Podemos tomar medidas para nos expormos ao olhar de amigos ou, idealmente, de um bom terapeuta que possa ser um espelho mais benigno e ensinar-nos o que deveriam ter-nos ensinado desde o início:

Como todos os humanos, quaisquer que sejam as nossas falhas, merecemos estar aqui. Este é o nosso lugar.

Traduzido/adaptado por Pedro Martins

a partir de “Criticism when you’ve had a bad childhood” – Alain de Botton

A importância do pai

A Importância do Pai

O papel do pai na sociedade tem-se transformado, sobretudo, nas últimas décadas.

A “condição” de Pai evoluiu e contínua em evolução, devido às transformações culturais, sociais e familiares.

É reconhecido o seu papel no desenvolvimento da criança, e a relação entre pai e filho é um dos factores de relevo para o desenvolvimento cognitivo e social, facilitando a capacidade de aprendizagem e a integração da criança na sociedade.

O pai é visto como uma figura de autoridade, mas dele é exigido participação e afecto.

Historicamente, até ao fim do século passado, o pai desempenhava essencialmente a função de educador e disciplinador, segundo códigos frequentemente rígidos e repressivos.

Actualmente o pai já não é aquele sujeito todo-poderoso e assustador, autoritário por excelência.

O pai é visto como uma figura de autoridade, responsável por funções que asseguram o desenvolvimento dos filhos. Dele é exigido participação e afecto.

Quando o bebé nasce a função materna é a mais importante: a função psíquica de contenção dum bebé absolutamente dependente, que necessita de acolhimento e cuidados.

Mas, desde o momento inicial da vida, a função paterna e a função materna estão interligadas e tornam-se complementares.

São funções mentais que não estão directamente relacionadas com um ou outro género sexual.

A função paterna no início da vida do bebé relaciona-se com dar condições de segurança, apoio e estabilidade para que aquele que desempenha a função materna possa fazê-lo integralmente.

Ele é o investimento narcísico daqueles que cuidam do bebé, e o reflexo deste investimento libidinal.

Bebés lindos e mães extenuadas e descuidadas são, muitas vezes, a cara e a coroa de uma mesma moeda.

O bebé e a mãe, nesse sentido, são indistinguíveis. Não existe um bebé independente, destituído de uma função materna que o acompanhe.

Ao longo do crescimento do bebé a função paterna passa a ser menos periférica, assumindo uma maior centralidade na vida da mãe e, também, da criança.

O “não” surge como a primeira expressão nítida e fundamental da função paterna dirigida ao bebé.

O cuidador do bebé precisa lidar com os desenvolvimentos motores e, portanto, com uma maior preocupação com o mundo, já que o bebé passa a adquirir paulatinamente maior autonomia.

Mas ainda não é, de facto, uma verdadeira autonomia; assim o “não” surge como a primeira expressão nítida e fundamental da função paterna dirigida directamente para o bebé.

Ela tem a função de limitar os seus avanços no mundo que surgem naturalmente, mas de modo pouco cuidadoso.

Portanto, a função paterna tem como objectivo apresentar o mundo para a criança pequena, mas um mundo que se torne seguro para ela.

Uma das funções fundamentais do pai é colocar limites nos filhos e aceitar os seus eventuais sentimentos hostis, pois no desenvolvimento infantil é importante ter a quem odiar e a amar – a divisão amor / ódio será superada posteriormente.

Aceitar sentimentos hostis dos filhos significa reconhecer que nas crianças existe agressividade e que elas precisam que essa parte seja acolhida.

O “não” inicial limita certos avanços perigosos da criança, mas é preciso levar em conta que já existiu um “sim” na relação desta criança com o mundo.

A função paterna separa a mãe da criança para incluí-la num mundo mais amplo, o mundo do universo simbólico. A função paterna, portanto, separa para incluir.

A autonomia é a finalidade da realização satisfatória da função paterna e materna na vida mental do filho.

O pai enriquece o mundo infantil ao trazer novidades e as brincadeiras da sua infância.

O mundo paterno é alvo de maior curiosidade, pois a criança está mais ligada à mãe e ao mundo doméstico, de certa forma mais limitado.

A presença da função paterna e materna mantém-se ao longo da vida dos pais, mudando de intensidade e de importância de acordo com as circunstâncias da vida do filho.

Mas também são funções que se transmitem, de modo que um jovem adulto pode ter o seu próprio filho e valer-se das funções materna e paterna prontas para serem desempenhadas com uma nova criança. Quando isso acontece, o filho pode “prescindir” dos seus pais.

A autonomia, portanto, é a finalidade da realização satisfatória da função paterna e materna na vida mental do filho.

Os filhos, desse ponto de vista, podem ir adiante, fazendo com que os pais se tornem menos importantes.

Deixar ser suplantado, tornado desimportante e poder orgulhar-se da autonomia do filho e da possibilidade de ser desimportante é o último bastião da função paterna.

Trata-se de confiar que aquilo que foi transmitido poderá ser retransmitido nas futuras gerações.

verdadeiro e falso self

O Verdadeiro e o Falso Self

O Verdadeiro e o Falso Self

Uma das explicações mais surpreendentes e impactantes, sobre o porquê de nós como adultos, podermos ter problemas psicológicos, está ligada ao facto de nos nossos primeiros anos nos ter sido negada a possibilidade de sermos plenamente nós mesmos.

Ou seja, não foi permitido sermos obstinados e difíceis; não pudemos ser suficientemente exigentes, agressivos, intolerantes e egoístas como precisávamos ser.

Como os nossos cuidadores estavam demasiado preocupados ou afectados com algo, foi naturalmente necessário ajustarmo-nos a eles, sentindo que era preciso agir de acordo para sermos aceites e amados.

Um desenvolvimento saudável requer que possamos experimentar o incomensurável luxo de um período em que não precisamos de nos preocupar com os sentimentos e opiniões daqueles que cuidam de nós.

Fomos “obrigados” a ser Falso Self antes de termos tido a possibilidade de nos sentirmos verdadeiramente vivos – Self Verdadeiro.

E, como resultado, muitos anos depois, sem entendermos muito bem como, corremos o risco de nos sentirmos pouco consistentes, frágeis internamente, e, de alguma forma, relativamente ausentes.

A teoria do Verdadeiro e Falso Self resulta do trabalho de um dos maiores pensadores do século XX, o pedopsiquiatra e psicanalista inglês Donald Winnicott.

Numa série de trabalhos dos anos sessenta e com base em observações cuidadas dos seus pacientes (adultos e crianças), Winnicott desenvolveu a tese de que um desenvolvimento saudável requer que, invariavelmente, possamos experimentar o incomensurável luxo de um período em que não precisamos de nos preocupar com os sentimentos e opiniões daqueles que cuidam de nós.

Podemos ser inteiramente e, sem qualquer sentimento de culpa, o nosso Verdadeiro Self, porque aqueles que nos rodeiam – durante um período – adaptam-se inteiramente às nossas necessidades e desejos, por mais inconvenientes e difíceis que estes possam ser.

O verdadeiro Eu do bebé, na formulação de Winnicott, é, por natureza, associal e amoral. Não está muito interessado nos sentimentos dos outros.

O bebé grita quando precisa – mesmo a meio da noite ou num comboio cheio de passageiros.

Pode ser agressivo, mordendo e – aos olhos de um apreciador simpatizante das boas maneiras ou apreciador da higiene – chocante e um pouco nojento. Expressa-se onde e como quer.

Pode ser doce, é claro, mas nos seus próprios termos, e não para atrair ou regatear o amor.

Se uma pessoa tem sensação de se sentir autêntico como adulto, então deve ter desfrutado o imenso privilégio emocional de ter sido verdadeiro à sua maneira: exigir das pessoas a seu belo prazer, pontapear quando está com raiva, gritar quando está cansada, morder quando se sente irritada.

O verdadeiro Eu da criança deve ter a possibilidade de fantasiar destruir os pais quando está em fúria – e depois testemunhar que o pai sobreviveu; o que garante à criança um sentido vital e imensamente reconfortante de que não é de facto omnipotente, e que o mundo não colapsa perante os seus desejos destrutivos.

Quando as coisas correm bem, de forma gradual e voluntária, a criança desenvolve um Falso Selfcapacidade de se comportar de acordo com as exigências da realidade externa.

Isto é o que permite que uma criança se submeta às regras da escola, se torne adulto e tenha uma vida profissional.

Quando nos foi dada a possibilidade de ser Verdadeiro Self, não precisamos de nos insurgir e manifestar as nossas necessidades constantemente.

Podemos seguir as regras porque, durante algum tempo, conseguimos ignorá-las inteiramente.

Infelizmente, muitos de nós não tivemos o começo ideal.

Talvez a nossa mãe estivesse deprimida e o pai frequentemente irritado, talvez houvesse um irmão mais velho ou mais novo a viver uma crise e exigisse toda a atenção.

O resultado foi termos aprendido a cumprir cedo demais, e assim, tornado obedientes às custas da nossa autenticidade.

Nos relacionamentos podemos ser polidos e norteados para as necessidades dos nossos parceiros, mas não somos capazes de amar adequadamente.

No trabalho, podemos ser cumpridores, mas pouco criativos e originais.

Nestas circunstâncias, e esta é a sua genialidade, a psicoterapia oferece-nos uma segunda oportunidade.

Nas mãos de um bom terapeuta é-nos permitido a regredir até ao momento em que começámos a ser Falso Self.

Na sala do psicoterapeuta, contidos em segurança pela sua circunspeção, podemos aprender – mais uma vez – a sermos autênticos.

Podemos ser excessivos, difíceis, despreocupados, egoístas, agressivos, chocantes e irascíveis.

O terapeuta irá aceitar-nos – e, assim, ajudar-nos a experimentar uma nova sensação de vitalidade, que deveria ter lá estado desde o princípio.

A exigência de ser Falso Self, nunca desaparece, mas torna-se mais suportável, porque regularmente nos permitem, na privacidade da sala do terapeuta, uma vez por semana ou mais, ser Verdadeiro Self.

Winnicott era extremamente calmo e generoso com os seus pacientes quando eles estavam a tentar reviver o seu Verdadeiro Self.

Um deles partiu o seu jarrão favorito, outro roubou-lhe dinheiro e um terceiro insultava-o sessão após a sessão.

Mas Winnicott era imperturbável, sabendo que isso fazia parte de uma jornada de regresso à saúde, longe da fadiga mortal que aflige esses pacientes.

Podemos agradecer a Winnicott por nos recordar que o prazer e o sentimento de autenticidade devem passar por estágios de egoísmo e por certo tipo de comportamentos. Simplesmente, não existe outra forma.

Nós temos que ser autênticos antes de podermos ser vantajosamente, um pouco “falsos” – e se nunca tivemos permissão, então a nossa ansiedade, a nossa depressão vão dar nota de que precisamos dar um passo atrás, e a terapia está lá para isso.

Traduzido/adaptado por Pedro Martins

a partir de: “The True and the False Self” – Alain de Botton

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