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Devaneio psicoterapia

O Sintoma como trampolim para o devaneio

Thomas Ogden descreve a psicoterapia como uma oportunidade para o devaneio. Ele cita R.M. Rilke (1904)

“I hold this to be the highest task of two people; that each should stand guard over the solitude of the other.”

Ogden recorda-nos que não só temos partes sexuais do corpo que são privadas, como também temos processos mentais privados, que podem ser compartilhados, ou não, como assim entendermos. A concepção da psicoterapia como promotora do devaneio e da presença de um mundo interno privado, contrasta com uma das regras fundamentais de Freud de que devemos instruir os nossos pacientes a dizerem-nos o que está na sua mente.

Pelo contrário, refere Ogden, nós temos que ajudar os nossos pacientes a expandir os seus devaneios e, em seguida, escolher o que desejam compartilhar connosco. Ogden vê essa regra de Freud como contra-terapêutica, pois o nosso objectivo como terapeutas é incentivar e orientar em vez de ditar o que deve ser feito. Pacientes deprimidos, ansiosos, obsessivos e histéricos não conseguem ter devaneios, porque os sintomas sequestraram o seu cérebro de tal forma que eles estão restringidos no que “escolher” para poder ser pensado.

Aqui, a escolha da palavra implica uma escolha inconsciente, onde, por razões misteriosas, o cérebro do paciente está em shut-down e, como tal, estão limitados na capacidade de aceder ao seu próprio cérebro. É como se tivessem uma casa muito grande, mas todos os quartos estão fechados, e o paciente tem medo de encontrar a chave, pois ele teme o que vai encontrar, de modo que circunscreve-se a um pequeno quarto, onde sabe o lugar de tudo.

Ao conseguirem a chave os pacientes vêem a exploração da casa, do cérebro, como um devaneio, como uma fonte de mais pensamento, ao invés de um lugar que temem, tão doloroso que possam ficar presos na dor. A ironia aqui é que os pacientes estão presos, mas temem avançar, pois podem ficar presos de uma forma diferente e a mudança é assustadora.

O conceito de devaneio está associado a um espaço de interesse, de curiosidade e de livre flutuação de ideias, em vez de dor e sofrimento. Ser curioso é pensar, enquanto sentir a dor é o estreitamento, é ser autocentrado. Orientar os pacientes para a curiosidade, longe do seu foco no sintoma, é o coração da psicoterapia. Outros tipos de psicoterapia trabalham ao contrário, concentram-se nos sintomas e desencorajam a curiosidade. Pode dizer-se que eles se complementam e os pacientes podem beneficiar de ambos. Ogden refere, que seria tentado a concordar, mas o alívio a longo prazo vem do pensar sobre o pensar e de desafiar os nossos pacientes a questionar o que os sintomas significam para eles, de forma a usar o sintoma como um trampolim para devaneio.

sentimentos de culpa

Sentimentos de Culpa – O Passado é agora

Megan, quarenta e um anos, não consegue lidar com os sentimentos de culpa pelo divórcio dos pais,  devido ao terríveis comportamentos que teve depois do seu irmão ter morrido subitamente, quando ela tinha quatro anos e o irmão dois.

Por um lado, Megan sabe que estava a sofrer devido à morte do irmão, e que, numa idade tão tenra, o sofrimento manifestou-se através de horrendos ataques raiva mas, por outro lado, ela acredita que as suas birras e acessos de raiva causaram tanto stress que o pai saiu de casa para viver com a sua assistente que não tinha filhos.

A lógica da situação é clara para Megan. A forma do pai lidar com a morte do seu irmão foi deixar a família e procurar refúgio noutra vida. Mas a compreensão de Megan não altera o seu sentimento de profunda responsabilidade pela depressão subsequente da mãe. Megan acredita que se ela fosse mais solidária durante aquele período sensível, os seus pais permaneceriam casados ​​e mãe não teria ficado deprimida.

Terapeuta – “Talvez isso a ajude a pensar que poderia ter feito algo para mudar o rumo da história. No entanto, talvez seja preferível sentir-se completamente devastada com o facto de o seu irmão ter morrido, os seus pais se terem divorciado e sua mãe ter ficado deprimida.”

Digo-lhe, salientando que o sentimento de culpa é muitas vezes um substituto do sentimento de desamparo.

Megan – “Sim, mas isso não muda o facto de que eu vivo a minha vida sentindo-me horrível comigo mesma pelo meu comportamento.”

Megan explica-me que na sua mente, a imagem negativa que tem de si própria, decorre desse tempo extremamente traumático da sua vida.

Terapeuta – “É bom, de certa forma, ser capaz de fortalecer a sua debilitada auto-imagem, considerando a sua longa e extensa vida, onde você fez tantas coisas, boas e más.”

Refiro, lembrando-a que, embora a morte do seu irmão tenha sido um momento muito significativo na vida dela, ela fez muitas outras coisas, como casar-se, construir uma carreira, ter os seus próprios filhos, e se ela puder interiorizar esses eventos, podem contribuir para consolidar o sentimento de si mesma.

Megan – “É difícil ver as coisas dessa forma porque eu vivo com medo, sabendo que a vida pode mudar repentinamente.”

Terapeuta – “Sim, administrar essa ansiedade, que para você está tão viva, é um enorme desafio.”

Refiro, lembrando-a que, a um certo nível, todos nós percebemos a incerteza da vida, mas muitos de nós, somos capazes de saber isso sem que esse facto nos afete tão profundamente.

Megan – “Eu sei que vivo no passado. Eu sei que meu irmão morreu há muitas décadas. Eu sei que é particularmente difícil para mim encontrar a paz nisso. Você é a única pessoa com quem posso conversar porque sei que o meu marido, os meus amigos e a minha família não entendem as minhas ansiedades.”

Megan sublinha que se sente sozinha com seus sentimentos, em parte, porque ela não encontra legitimidade neles.

Terapeuta – “É difícil ter sentimentos que vêm tão lá de trás na sua vida. É difícil para você sentir que é onde está agora.”

Digo-lhe, tentando ajudá-la a aceitar que neste momento a sua mente está presa lá atrás.

Megan – “Sim, eu queria que as coisas fizessem mais sentido para mim…

 

Traduzido/adaptado por Pedro Martins

A partir de “Childhood guilt” – Shirah Vollmer

dores do crescimento psicólogoclínico

As dores do Crescimento

As dores do crescimento

Luke, vinte e quatro anos, faz duas sessões por semana há seis anos. Ele dedicou-se, com o apoio financeiro dos pais, a “trabalhar em si mesmo”. Nunca chega atrasado; nunca se esquece da sessão, apesar das várias alterações de horário devido ao meu trabalho e à escola dele.

Ao longo dos últimos seis anos ele “odiou-me”, “amou-me” e sentiu que eu era “irritante e muito maternal” com ele.

Sentimentos positivos, sentimentos negativos, sentimentos neutros não parecem mudar o seu compromisso com o nosso processo. Ele quase desistiu do ensino secundário, já que mal conseguia sair da cama para ir à escola, mas agora está a estudar medicina, em breve vai ajudar outros que precisam dele. Os pais disseram-me que temiam que, com tanta psicoterapia, ele quisesse ser psiquiatra, como se isso fosse uma má escolha. Para sorte deles, ele está a caminho de ser cirurgião.

Como ele diz: “Tenho pouco interesse em falar com as pessoas. Eu odiaria ter que lidar com pessoas como eu que berram e gritam consigo, como se fosse a mãe deles.” Eu quase senti que era um pedido de desculpa por tempos muito difíceis que passámos juntos, mas ele não tem razão para remorsos. Nós concordámos em trabalhar juntos e empenhados numa luta honesta, e a frustração e a raiva, são inevitáveis. Ambos tivemos comportamentos que nos fazem desejar que tivéssemos sido mais ponderados e controlados.

“Porque é que eu quero ver você todos os dias”, Luke pergunta-me de uma maneira doce, cativante e desafiadora. “Você está a avançar e com isso surgem as dores do crescimento”, digo-lhe, explicando que ele agora está no meio de um grande crescimento emocional, e a tentar decidir entre tantos encontros com raparigas, com quem ele deseja ter um relacionamento mais sério a longo prazo. Com um enorme sorriso, ele diz: “Bolas! Obrigado Dra. Vollmer, fico tão feliz de ouvir isso.”

De repente, eu enquadrei a dor de Luke como um meio para um fim mais profundo, e de repente ele deixou de se sentir mal com a sua indecisão, para se sentir bem quanto à forma como estava a considerar as coisas. Luke teve muitos problemas com os relacionamentos. Não tanto por as raparigas não gostarem dele, mas por não aprofundar os seus sentimentos em relação a elas. Consequentemente, cresceu insatisfeito com a maioria das suas experiências íntimas.

Ao explorarmos os seus próprios desejos num relacionamento, ele tornou-se mais cauteloso ao entrar em assuntos amorosos quando se tratava de gostar mais profundamente de uma rapariga.

Agora, Luke tem que tolerar a solidão da qual se defendeu através de constantes relacionamentos insatisfatórios.

A sua vontade de me ver diariamente é reflexo do seu novo desafio e da gestão desses sentimentos difíceis. Ao termos compreendido a necessidade de Luke me querer ver com mais frequência, e de a pensarmos à luz do seu crescimento emocional, não foi necessário aumentar o número de sessões.

 

 

Traduzido/adaptado por Pedro Martins

A partir de “Why do I want to see you everyday” – Shirah Vollmer

bullying

Bullying – Quando o pai é um “Bully”

Bullying – O que acontece quando o seu pai é um “Bully”? Isso significa que você será intimidado no recreio? Ou, isso significa que você vive uma vida com medo da humilhação? Ou, isso significa que o medo domina a sua existência de tal forma que se sente sem vida?

Estas são as perguntas que me coloco enquanto penso em Sue, trinta e três anos, tímida e com um pensamento fragmentado. As suas capacidades para resolver problemas estão muito limitadas.

Diz-me constantemente que não tem muito por onde escolher na sua vida, mas olhando de fora, parece que ela tem mais oportunidades do que a maioria das pessoas jamais terá.

O “pai-bully” é um tipo particular de abuso infantil que, por um lado, é subtil, na medida em que não há provas para ninguém, além da mãe, de que esse abuso está a ocorrer.

O “pai-bully” deixa claro que Sue não é capaz de pensar por ela própria, e assim deve seguir aquilo que o pai acha que é melhor para ela. Como resultado, Sue, não só se sente inibida, como não faz ideia de que se sente inibida de viver. Ao mesmo tempo, não alimentou suficientemente a mente para que as ideias possam romper.

É triste, mas há esperança de que na terapia Sue possa perceber que este obstáculo a impede de crescer e, em seguida, ultrapassá-lo.

 

Traduzido/adaptado por Pedro Martins

A partir de “When Your Father Is A Bully” – Shirah Vollmer

Inconsciente, transferência, sintomas

Inconsciente, Transferência – conceitos da Psicoterapia

Inconsciente, Transferência, Sintomas – Conceitos-chave da Psicoterapia

A psicoterapia é uma das invenções mais importantes dos últimos cem anos, com um poder excepcional para aumentar os nossos níveis de bem-estar emocional, melhorar os relacionamentos, restabelecer a atmosfera familiar e ajudar-nos a extrair mais do nosso potencial profissional.

Mas também é profundamente incompreendida e alvo de fantasias, esperanças e suspeitas. A sua lógica raramente é explicada e a sua voz raramente ouvida com suficiente franqueza.

Entre os conceitos-chave da psicoterapia temos: Sintomas e Causas, Trauma de infância, Inconsciente, Regra fundamental, Acto falhado, Sexualidade, Transferência, Mecanismos de defesa, Verdadeiro e Falso Self, Sublimação, Superego, Luto.

 

Aqui estão pequenos resumos sobre alguns conceitos-chave da psicoterapia:

 

Sintomas e Causas

De uma maneira geral, as pessoas iniciam a terapia quando já não conseguem suportar certos sintomas cujas causas desconhecem. Porque estão sempre tão tristes? Porque – não tendo feito nada de errado de forma objectiva – estão tão receosos de serem despedidos? Porque já não conseguem ter relações sexuais?

O objectivo da terapia é ir além da superfície do “problema visível” para localizar (e tratar) o que está realmente em jogo. Sigmund Freud, o pai da psicanálise e da sua irmã gémea – a psicoterapia -, merece um lugar na história do século XX por causa da sua compreensão extremamente subtil da forma “diabólica” como os sintomas se desconectam das suas causas reais.

Não conseguimos estabelecer uma relação ou facilmente imaginar o que nos está afectar e, portanto, não podemos fazer nada de efectivo para ultrapassar o problema. À superfície podemos estar prisioneiros de um desejo incontornável de limpar a casa com uma intensidade maníaca, mas ao longo da terapia, podemos perceber que inconscientemente queremos expurgar a sensação de sermos indesejados e “maus”; legado de um pai que nos desprezou na primeira infância.

Não deixa de ser relevante o facto de Freud ter sido médico de formação. Na medicina, o factor decisivo por trás do sofrimento físico é muitas vezes (à primeira vista) inesperado; uma dor num dedo do pé pode estar ligada a um problema no abdómen. Freud adoptou esse modelo e aplicou-o ao sofrimento mental, propondo que os nossos problemas emocionais (actuais) geralmente são sintomas de problemas localizados nas cavernas, raramente visitadas, das memórias de infância. A psicoterapia é a disciplina que nos guia de volta ao passado problemático para nos dar, uma vez que podemos abordar as causas reais dos nossos sofrimentos, a possibilidade de um futuro com menos ansiedade, mais livre e esperançoso.

 

Inconsciente

A ideia de inconsciente é fundamental para a psicoterapia. A mente é representada como estando dividida em duas zonas. Uma área pequena e intermitente chamada consciência e um terreno vasto, complexo, obscuro e intemporal chamado inconsciente.

Uma vez que é da natureza da mente consciente ser extremamente susceptível, esquecemos constantemente ou ignoramos incidentes cruciais que afectam o nosso comportamento e estado de espírito no aqui e agora. Estes, no entanto, vivem no escuro contínuo do inconsciente.

Um episódio traumático – uma rejeição ou humilhação – que aconteceu quando nós ainda éramos pequenos vai continuar fresco no nosso inconsciente como se tivesse acontecido ontem e o seu efeito sobre o nosso comportamento actual pode ser muito maior do que podemos supor.

O nosso Eu inconsciente pode continuar a tentar apaziguar um pai irritado ou escapar da prudência excessiva de uma mãe. Uma parte de nós pode continuar a temer a repetição de uma coisa negativa (as desgraças que tememos no futuro são geralmente aquelas que já nos aconteceram no passado). E essas batalhas, de um passado esquecido, podem ter um impacto terrível na vida adulta.

O objectivo central da terapia é reencontrar-nos adequadamente com as nossas histórias “esquecidas”: dar-nos domínio sobre regiões dispersas da vida mental e ampliar o nosso conhecimento sobre as nossas experiências inconscientes. A terapia pretende facilitar a redescoberta íntima de emoções aparentemente distantes, para que possamos repensá-las com as nossas faculdades adultas e libertar-nos da sua postura frequentemente enigmática e espinhosa sobre nós.

 

Transferência

A transferência refere-se à forma como, começamos a “actuar”, ou a transferir para a relação terapêutica dinâmicas que decorrem das nossas próprias histórias psicológicas.

Por exemplo, podemos convencer-nos de que o terapeuta não é muito bom, que é muito feliz (ou muito infeliz), casado, snobe, ou que nos admira muito ou que é sistematicamente hostil – qualquer uma destas possibilidades tem, provavelmente, pouca relação com a vida real do terapeuta e com os seus pensamentos (sobre quem é suposto sabermos pouco).

Ao invés de tentar desmontar essas fantasias, a terapia faz uso delas. O terapeuta irá mostrar-nos onde temos tendência a ver atitudes ou perspectivas que realmente eles não têm – e dessa forma, a relação terapêutica será usada como um veículo particular para compreendermos as nossas tendências emocionais mais imperceptíveis.

O terapeuta (com bondade) tentará assinalar que estamos a reagir como se tivéssemos sido atacados, quando ele colocou apenas uma pergunta; pode chamar à atenção para a prontidão com que parecemos querer contar-lhe coisas impressionantes, ou como parecemos apressar-nos a concordar ou a discordar com ele quando está apenas a tentar verificar uma hipótese sobre a qual não tem muita certeza.

O relacionamento com o terapeuta torna-se um modelo para a forma como podemos estabelecer relações com os outros, livres das manobras e pressuposições de fundo que trazemos dentro de nós desde a infância, e que nos podem limitar tão dolorosamente no presente.

 

Traduzido/adaptado por Pedro Martins

A partir de “Twenty Key Concepts from Psychotherapy” – Alain de Botton

tendências suicidas

Tendências suicidas tratadas em Psicoterapia

O caso de uma paciente com tendências suicidas tratada em psicoterapia

A Sra. F. recorreu à medicação como substituto da falta de “apoio” das pessoas, quando começou a sentir que a sua auto-suficiência começava a desmoronar. Ela necessitava que alguém lhe desse mais do que qualquer um parecia poder dar-lhe. Portanto, tornou-se cada vez mais dependente da medicação como substituto para essa situação. No fim tentou suicidar-se com uma dose excessiva de comprimidos – e (inconscientemente) punir aqueles que falharam em ficar do seu lado quando mais precisava deles.

A Sra. F. (50 anos) foi-me enviada pelo hospital depois de uma tentativa de suicídio. Por pouco não morreu. Ocorreu num período em que se sentia muito angustiada e via aqueles que a rodeavam afastarem-se do contacto com o que ela estava a sentir.

Quando comecei a segui-la, disseram-me que existiam razões de ordem prática pelas quais ela só poderia vir uma vez por semana. Ela continuava medicada para os seus estados de ansiedade e insónia; e continuava com dificuldades para dormir. Mesmo quando conseguia dormir, acordava regularmente com crises de ansiedade que costumavam chegar ao ponto do terror.

Numa determinada sessão a Sra. F. pediu-me para eu falar com o psiquiatra que a enviou para mim para que ele mudasse ou aumentasse a medicação, dizendo que precisava tomar alguma coisa para amenizar aqueles sentimentos que estavam, outra vez, a tornar-se insuportáveis. Estava convencida que nem eu nem o Dr. Y (psiquiatra) tínhamos noção dos horrores que ela passava todos os dias. E não existia nada que melhorasse essa situação. Lamentava profundamente que no hospital tivessem conseguido salvar a sua vida.

Concordei em discutir o problema com o Dr. Y, mas não prometi qualquer mudança na sua medicação. Disse-lhe que não estava convencido de que era de mais comprimidos que ela, realmente, precisava.

Paciente: “Você, obviamente, não entende. Não está a ver que é insuportável? Você tem que fazer alguma coisa. Eu, simplesmente não posso continuar a viver com esta ansiedade e estes terrores, e sem conseguir dormir. EU PRECISO DE MAIS COMPRIMIDOS.”

Terapeuta:Vejo que existe algo de que você precisa mais. Não creio que sejam comprimidos, mas, sim, o que eles estão a substituir. Acredito que em certas alturas você precisou de uma pessoa que estivesse mais disponível para você, mas sentiu essa pessoa relutante ou incapaz de enfrentar a intensidade dos seus sentimentos. Então, em vez disso, você tem procurado sufocar esses sentimentos com comprimidos.”

Paciente: “Eu não posso continuar assim. Você tem que pedir ao Dr. Y que me dê mais comprimidos, ou mais fortes.”

Terapeuta: “Vou falar com o Dr. Y; mas gostaria de sugerir que você considerasse vir mais vezes esta semana. Poderia vê-la 3 vezes por semana se você estivesse preparada para vir.”

A Sra. F. disse que viria a uma sessão extra. Entretanto falei com o Dr. Y, que concordou que seria um retrocesso ceder ao pedido de aumentar a medicação. Estava claro que ela era depende da eliminação dos seus sentimentos., em vez de ousar experimentá-los e partilhá-los com outra pessoa de modo a compreendê-los.

Três dias depois a Sra. F. veio à sessão. Estava mais calma e parecia um pouco embaraçada. Explicou o que acontecera.

Depois da última sessão, emergiram várias coisas. Ela tinha separado o segundo comprimido para tomar depois da meia-noite se não conseguisse dormir (como era seu hábito fazer). De manhã viu que tinha dormido sem necessidade do comprimido.

Contou-me, então, sobre um período da sua infância, quando tinha cerca de três anos e a sua mãe estava ocupada com a irmã mais nova. A Sra. F. costumava ir a uma loja na esquina de onde morava, e o homem que ficava atrás do balcão tinha por hábito dar-lhe um chupa. A sua mãe não concordava e costumava tirá-lo, mas o homem da loja dava-lhe outro sempre que ela pedia.

Sugeri à Sra. F. que os chupas que o homem lhe costumava dar representavam a sua mãe, de quem ela estava a precisar, mas tendo que abrir mão. Parecia que a mãe não reagia aos sinais de angústia que a Sra. F. apresentava quando buscava os chupas como forma de dizer à mãe que precisava de mais tempo com ela. Então, quando a mãe lhe tirava os chupas sem lhe dar mais atenção a Sra. F. pode ter começado a sentir que aquilo que ela precisava era de mais chupas. Querer mais comprimidos agora era como querer mais chupas para a criança ansiosa que existia dentro dela.

A Sra. F. contou-me então que se surpreendera com uma lembrança na noite em que dormiu sem o comprimido extra. “Era tão nítida que parecia uma experiência real do presente.” Ela teve a sensação de estar na cama com a sua mãe (o que acontecia por vezes quando era pequena) e de sentir “as costas grandes e fortes” da mãe ali ao lado dela. Essa costumava ser uma das suas experiências infantis mais felizes; ser capaz de ficar perto da mãe quando dormia.

Eu disse que essa pode ter sido das poucas vezes em que ela se sentiu capaz de se abrigar na mãe. De fazer-lhe exigências ocultas enquanto esta dormia, já que não havia perigo de a mãe a censurar ou de se afastar dela. A Sra. F. concordou e começou a chorar. Tornou-se, então, evidente que encontrava alívio em relação à angústia primeva ao ser capaz de expressar a situação através do choro na presença de alguém que estava preparado para ficar em contacto com o que ela estava a sentir.

Toda a vida a Sra. F. fora considerada uma pessoa forte e auto-confiante; em quem toda a gente se podia apoiar. Ela sentia que não poderia nunca deixar alguém conhecer o seu Eu assustado e dependente. Em vez disso, geralmente tentava escondê-lo, a fim de preservar algum contacto com os outros, pois sabia, por experiência própria, que a abandonavam quando mostrava sinais de carência. Usava a medicação para encobrir essa parte. Quando a supressão não era suficiente para bloquear os seus sentimentos, aumentava a dose a ponto de quase se bloquear a si mesma. A sua tendência para o suicídio era, então, uma tentativa de eliminar os sentimentos que não conseguia dominar sozinha.

Se eu tivesse seguido o próprio diagnóstico da Sra. F., de que as pessoas não podiam lidar com ela quando se sentia mais carente, e que, portanto, ela precisava de medicação mais forte, eu estaria a ser conivente com a sua fantasia sobre a qualidade ingovernável dos seus sentimentos mais difíceis. Em vez disso, fez mais sentido desafiar a sua própria limitação a uma sessão por semana. Numa altura em que mais esperava que eu relutasse em permanecer em contacto com o que ela estava sentindo, ofereci mais disponibilidade. Na sua terapia tinha a oportunidade de reexperimentar o período da carência infantil negada, sendo que eu representaria a mãe que se afastaria dela. Isto fez surgir novas lembranças, que tinham a ver com a sua busca de substitutos para a presença da mãe (chupas), e com o facto de ela encontrar segurança na presença adormecida da sua mãe – uma dependência secreta que lhe parecia segura porque a mãe não estava ciente dela.

Aos poucos a Sra. F. ousou sustentar-se na minha disponibilidade de forma aberta em vez de secreta, e o efeito dessa “sustentação pelo relacionamento” foi espantoso. Começou a descobrir que os seus sentimentos de angústia mais difíceis poderiam ser contidos dentro de um relacionamento. É claro que tivemos que trabalhar bastante a partir desse novo movimento hesitante em direcção a permitir a si mesma confiar outra vez em alguém. Não obstante, tornou-se claro que a minha firmeza acerca da sua necessidade de mais tempo com uma pessoa ajudou-a a sentir-se apoiada em mim, em vez de buscar alívio, unicamente, através dos medicamentos.

Num período de vários meses a Sra. F. começou a desenvolver um tipo diferente de segurança, agora baseada no seu uso de uma dependência de fora que ela podia internalizar e consolidar dentro de si mesma. Essa recém-encontrada força era diferente da sua permanente auto-suficiência. A sua antiga maturidade precoce, adquirida defensivamente para proteger a mãe sobrecarregada, pode agora dar lugar a uma maturidade mais sólida, conseguida ao seu próprio ritmo e não ao ritmo dos outros.

 

 

Taduzido/adaptado por Pedro Martins a partir de:

On Learning from the Pacient – Patrick Casement

 

breakdown

Por que as Crises são tão importantes?

Um dos grandes problemas dos seres humanos é que somos muito bons a “continuar”, a “andar para a frente”.

Somos especialistas em render-nos às exigências do mundo externo, a viver de acordo como o que é esperado de nós e seguir as prioridades definidas pelos outros.

Continuamos a dar a imagem de sermos uns excelentes rapazes ou raparigas – e podemos, sem grandes marcas visíveis, manter esse feito mágico durante décadas.

Até que um dia, de repente, para a surpresa de todos, incluindo nós mesmos, quebramos.

A crise pode assumir várias formas.

Já não conseguirmos sair da cama. Cairmos numa depressão catatónica.

Desenvolvermos ansiedade social. Deixarmos de dormir e comer. Balbuciarmos incoerentemente. Perdemos o comando sobre uma parte do nosso corpo.

Somos levados a fazer coisas totalmente contrárias ao nosso Eu normal. Tornamo-nos completamente paranóicos em relação a qualquer coisa.

Recusamo-nos a agir de acordo com as “regras” nos nossos relacionamentos, temos um caso, fazemos uma fuga para a frente – ou, pelo contrário, colocamos um pau na engrenagem do dia-a-dia.

Uma crise não é apenas qualquer coisa a funcionar mal, é um apelo para a saúde.

As crises são extremamente inconvenientes para todos, e, sem surpresa, há uma urgência em medicalizar o problema e tentar retirá-lo de cena, para que as coisas, como de costume, possam continuar.

Mas isso é não compreender o que está a acontecer quando temos uma crise.

Uma crise não é apenas uma loucura fortuita ou qualquer coisa a funcionar mal, é algo muito real – um apelo para a saúde.

É uma tentativa de uma parte da nossa mente forçar a outra a um processo de crescimento, auto-compreensão e auto-desenvolvimento, que até então se recusou a empreender.

Se pudermos colocá-lo paradoxalmente, é uma tentativa de impulsionar o processo de ficar bem, verdadeiramente bem, através da doença.

O perigo de apenas medicalizarmos o problema e tentar fazê-lo desaparecer instantaneamente, é perder a lição embutida na nossa doença.

Uma crise não é apenas uma dor, embora também seja isso, é claro; é uma oportunidade extraordinária para aprender.

A razão pela qual quebramos é porque nós, durante anos, não quisemos ver as coisas.

Havia algo que era preciso ouvir dentro das nossas mentes, que colocámos habilmente de lado.

Existiam mensagens que precisávamos ter prestado atenção, aprendizagens emocionais e conexões que era necessário fazer e não fizemos.

E agora, depois de termos assobiado para o lado durante tanto tempo, demasiado tempo, o Eu emocional está a tentar fazer-se ouvir da única maneira que nesta fase ele sabe.

Está totalmente desesperado – e devemos entender e até empatizar com a sua raiva silenciosa.

Uma crise não é apenas uma dor, é uma oportunidade extraordinária para aprender.

O que a crise nos está a dizer acima de tudo é que as coisas não podem ser levadas como de costume.

Que as coisas têm que mudar ou (e isso pode ser assustador de testemunhar) o suicídio pode surgir no horizonte.

Por que não podemos simplesmente ouvir a necessidade emocional calmamente e, em tempo útil – evitar o melodrama de uma crise?

Porque a mente consciente é inerentemente preguiçosa e muito relutante em se envolver com o que a crise – de forma brutal – tem para dizer.

Durante anos, recusa-se a ouvir uma tristeza particular, uma ansiedade crescente, ou um problema num relacionamento.

Podemos comparar o processo com uma revolução.

Durante anos, as pessoas pressionam o governo para ouvir as suas exigências e agir em conformidade.

Durante anos, o governo diz “ok”, mas na prática não faz nada – até que um dia, as pessoas não aguentam mais, derrubam os portões do palácio, destroem as coisas à sua passagem e disparam aleatoriamente contra inocentes e culpados.

Normalmente, em revoluções, não há bons resultados.

As queixas legítimas e as necessidades das pessoas não são ouvidas nem tidas em consideração.

Há uma guerra civil muito feia – às vezes, literalmente, a morte. O mesmo se aplica às crises.

No entanto, perante as queixas físicas, os bons profissionais – tentam arduamente escutar em vez de censurar a doença.

Eles detectam entre as particularidades um pedido de mais tempo para nós mesmos, para um relacionamento mais próximo, para um modo de ser mais honesto e, para a aceitação de quem realmente somos.

É por isso que começamos a beber e a isolar-nos, ou a crescer inteiramente paranóicos ou maniacamente sedutores.

Uma crise representa uma vontade de crescimento que não encontrou outra forma de se expressar.

Muitas pessoas, depois de um horrível período de meses ou anos, dirão: “Eu não sei como é que eu teria ficado bem se eu não tivesse adoecido”.

No meio de uma crise, muitas vezes perguntamos se enlouquecemos.

Não, não enlouquecemos. Estamos a comportar-nos estranhamente, sem dúvida, mas sob a agitação superficial, estamos numa busca escondida e lógica para a saúde.

Nós não ficámos doentes; já estávamos doentes.

A nossa crise, se a pudermos superar, é uma tentativa de mudar o estado das coisas, um alarme insistente para reconstruirmos as nossas vidas numa base mais autêntica e sincera.

Traduzido/adaptado por Pedro Martins

a partir de “The importance of having a breakdown” – Alain the Botton

psicólogo clínico psicoterapeuta

Por que a minha psicoterapeuta não me diz o que devo fazer?

Cara Psicoterapeuta,

Eu sou uma mulher que está prestes a completar os 30, e iniciou a psicoterapia pela primeira vez o ano passado. Eu iniciei porque se tornou evidente que aquilo que eu pensava ser apenas “eu” era realmente “eu com depressão“, e a terapia ajudou-me realmente a reconhecê-lo e a partir daí continuar a avançar. Agora, talvez pela primeira vez na minha vida, eu sei o que é não estar constantemente temperamental (eu pensava que isso era “normal”) e isso foi incrível. O meu argumento é que a terapia tem sido muito útil, até mesmo na forma como olho para a vida – excepto numa coisa.

Não entendo porque a minha terapeuta não me dá conselhos! Obviamente, não quero dizer constantemente, mas acho que em determinadas situações, ela poderia dizer-me o que pensa, mas não. Ela sabe que um dos meus problemas foi a falta de orientação enquanto crescia – que, basicamente, tive que descobrir tudo por minha conta porque os meus pais ou não sabiam o que aconselhar-me (por exemplo, deixaram a escolha do curso superior completamente para mim) ou deram-me conselhos inadequados (uma vez quase perdi um amigo depois de seguir um conselho quando eu era muito jovem para perceber que o conselho era muito mau).

Não é que os meus pais não sejam pessoas bem-intencionadas. Só que em muitas questões não souberam o que fazer. Eles tomaram sempre más decisões nas suas próprias vidas (algumas desastrosas, a ponto de quase perdermos a casa), então, quando se tratava da minha vida – amigos, namoro, faculdade, carreira – eu não tinha modelos ou orientadores nos meus pais como a maioria dos meus amigos.

Para ser justa com a minha terapeuta, eu entendo que já não sou uma criança e que ela quer que eu descubra as coisas sozinha como um adulto, e entendi isso – até certo ponto. Mas se é uma pergunta simples, algo prático ou algo que não é um problema psicológico profundo, porque é que ela não me diz o pensa? Estou a falar do tipo de perguntas que as pessoas da minha idade rotineiramente fazem aos seus pais: Faz sentido comprar uma casa agora, tendo em conta que a posso pagar, ou devo manter-me no meu apartamento arrendado até as coisas estarem mais assentes com a minha família? Ou se devo aceitar sair com um rapaz com quem uma colega de trabalho teve um relacionamento há mais de um ano, podendo ela ficar chateada?

Eu só quero saber o que ela sugeriria – não que eu, necessariamente, fizesse isso, mas pelo menos eu teria a opinião de um adulto estável em quem confio.

Uma vez que você é uma terapeuta com uma coluna num jornal onde dá conselhos, já alguma vez deu conselhos a pessoas em terapia? Você deve ter opiniões sobre se as pessoas devem terminar os relacionamentos, afastarem-se de um amigo, ou comprar uma casa agora ou esperar até as coisas assentarem. Alguma vez compartilhou coisas com os seus pacientes? E se não, por que não dar-lhes a sua perspectiva? Eu acho essa parte da terapia tão frustrante.

 

Atenciosamente,
Se Não for Pedir Muito (SNFPM)

 

 

Cara Se Não For Pedir Muito,

 

Adivinhe?! Vou dar-lhe alguns conselhos. Eis o que eu acho que você deve fazer:

1. Compre uma casa agora.
2. Saia com alguém.

Mas espere – antes de aceitar este conselho, deixe-me dar-lhe um último conselho: não aceite o meu conselho. Porque se fizer isso, é provável que acabe por ficar desapontada comigo como ficou com os seus pais. O meu conselho – como seus pais ou mesmo como sua terapeuta (caso ela dê) – pode ser bem-intencionado, mas não irá ajudá-la da maneira que imagina.

Por um lado, apesar das minhas boas intenções, qualquer coisa que eu sugira será mediada pelos meus próprios preconceitos e experiências de vida. Então, enquanto eu considero a sua situação e pensamos a sua vida, também é verdade que a aconselho a comprar uma casa, em parte porque comprei a minha primeira casa nos meus 30 e, em retrospectiva, gostaria de a ter comprado mais cedo. Noutras palavras, o meu conselho está condicionado pelas minhas crenças pessoais sobre questões imobiliárias. Da mesma forma, sugeri que você aceitasse o convite para sair, porque se fosse eu – se eu tivesse quase 30 anos e realmente gostasse de um rapaz e não fosse próxima da mulher que andou a sair com ele há mais de um ano – eu sairia com ele. Mas você pode ter ideias, valores e uma tolerância diferente para lidar com algumas coisas. O que pode ser uma boa ideia para mim pode ser um desastre para si. E, ao dar-lhe conselhos, eu poderia projetar os meus próprios valores e crenças em você, em vez de ajudá-la a construir uma noção mais profunda de si própria.

Haverá sempre uma distância entre o que o psicoterapeuta pode aconselhar e o que é melhor para o paciente. Um terapeuta pode ver um casal e achar que eles devem divorciar-se, mas algumas pessoas preferem estar num casamento altamente conflituoso do que estarem sozinhas, não importa o quanto o terapeuta possa defender pessoalmente que é melhor estar sozinho por um tempo do que num casamento altamente conflituoso, onde o parceiro se recusa a mudar. A vida dos nossos pacientes tem que ser vivida por eles, e não por nós.

Ainda assim, não está sozinha ao querer que a sua terapeuta lhe diga o que fazer. Ao longo do tempo colocaram-me todo o tipo de perguntas: que profissão uma pessoa deveria escolher, se deveria ter outro filho ou congelar os óvulos, e se deveriam ir passar férias a casa da sua família caótica, ou fazer algo mais agradável em vez disso. E quando eu não correspondo a esse desejo sinto que estou sadicamente reter a “resposta” que, na sua opinião, poderia fornecer facilmente, e assim, resolver o seu problema premente.

Uma das surpresas que ser terapeuta me trouxe foi a frequência com que as pessoas querem saber exactamente o que fazer, como se eu tivesse a “resposta correcta” – ou como se as respostas “correctas” ou “erradas” existissem para a maior parte das escolhas que nós fazemos no nosso dia-a-dia. A minha formação como terapeuta prepara-me para compreender as pessoas e ajudá-las a decidir o que querem fazer, mas não posso fazer certas escolhas por elas. Eu não sou uma especialista em imóveis, consultora de orientação profissional ou, o mais importante, adivinha. Parte do que as pessoas querem dos meus conselhos é o alívio da incerteza – se o meu terapeuta diz X, eu não tenho que lidar com minha ansiedade em torno da dúvida. Mas se existe uma coisa certa na vida é a incerteza, e a incapacidade de tolerar a incerteza do que acontecerá se decidirem que X ou Y ou Z impede as pessoas de tomarem decisões.

Aprender a diminuir a velocidade e a reflectir sobre as escolhas e antecipar as possíveis consequências das nossas acções ajuda a diminuir a ansiedade a longo prazo. Receber conselhos de um terapeuta alivia a ansiedade no momento, mas não vai perdurar.

No início da minha formação, senti uma tremenda pressão para dar um conselho de tipo benigno (pelo menos foi o que pensei), até que percebi que as pessoas ficavam ressentidas de lhes dizerem o que fazer. Sim, elas podem perguntar – repetida e categoricamente – mas depois de se lhes realmente responder, o seu alívio inicial é muitas vezes substituído pelo ressentimento. Isso acontece mesmo que as coisas corram bem, porque, em última análise, os seres humanos querem ser responsáveis pelas suas vidas, e é por isso que as crianças passam a infância a implorar para que as deixem tomar as suas próprias decisões, em vez de que as tomem por elas.

Mas se você foi um certo tipo de criança, uma criança como você, SNFPM, uma criança que teve que tomar decisões por si mesma antes de estar pronta – ou porque ninguém lhe ofereceu, ou você não podia confiar nos conselhos que lhe davam – a tomada de decisão com as implicações que a acompanham pode gerar muita ansiedade. Em vez de procurar mais autonomia no caminho da vida adulta, esse tipo de criança provavelmente irá crescer pedindo que essa liberdade lhe seja retirada.

Então, você pergunta ao seu terapeuta: devo fazer isto? Devo fazer aquilo? Vá lá, diga-me: o que você faria?

Por trás destas questões reside a suposição de que a sua terapeuta é um ser humano mais competente do que você. O pensamento é: quem sou eu para tomar decisões importantes na minha vida? Estou realmente qualificada para isso? A sua terapeuta, por outro lado, é considerada especialista, o pai substituto, “Aquele que a Conhece Melhor”. E você é a criança no corpo adulto que fantasia sobre o quão agradável seria sentir-se livre de toda a responsabilidade e deixar um adulto ficar com o peso de fazer as escolhas difíceis. Mesmo que corra mal, ter outra pessoa a decidir parece mais seguro. Que alívio poder culpar outra pessoa por uma decisão errada, de modo que a dor de uma má decisão não seja amplificada por ter sido a única pessoa responsável pelo erro. (Nesse sentido pensa: Oh, Deus, eu sou como os meus pais – tomo decisões horríveis!)

Isso é um tipo de proteção enganadora, porque o conselho do seu terapeuta na verdade, fará com que se sinta com raiva e insegura. Você pode implorar e até persuadir o seu terapeuta, às 7 da tarde de uma longa sexta-feira, a oferecer-lhe o conselho que deseja. E sua primeira reação pode ser: Finalmente! Inicialmente, você pode sentir-se apoiada e cuidada de uma forma que não sentiu com os seus pais.

Mas o que você pode fazer com essa pepita, esse presente terapêutico, esse tão desejado conselho? Apesar de obter exactamente o que você pediu, pode não o pôr em prática. Pode procrastinar, arranjar todo o tipo de desculpas pelas quais ainda não avançou. Então, vai sentir-se mal por ainda não o ter concretizado. E vai começar a pensar, eu sinto-me mal porque a minha terapeuta me fez sentir mal ao tentar dizer-me o que fazer. Como ela ousa! Eu não vou fazer isso só porque ela me disse para fazer. Quem é ela para mandar em mim? E você vai sentar-se no sofá todas as sextas-feiras às sete, sem lhe dizer que não fez o que ela sugeriu, porque está ressentida por ela se intrometer, por fazer você sentir que sua própria opinião não tem valor; e, acima de tudo, você será consumida pela vergonha que sente por desagradá-la ao não fazer o que ela quer. Em tudo isto há uma inversão, pois, na verdade, a sua terapeuta só lhe deu um conselho para lhe agradar a si, e não a ela. No final, ninguém está feliz.

É por isso que receber conselhos não é a solução para os seus problemas, SNFPM. Subjacente a todo esse “empurrão” sobre o que fazer com o seu apartamento e com o rapaz que a convidou para sair, e as dezenas de outros conselhos que você pode ter tentado obter, está a esperança da sua terapeuta de que você a deixará. Não agora, mas quando estiver pronta, e o objectivo dela em cada sessão é ajudá-la a “preparar-se”. Desde o primeiro dia, pensamos em como ajudar os nossos pacientes a deixarem-nos, não porque não nos preocupamos, mas porque é o que nós fazemos. Nós não queremos que você tenha que fazer um grande esforço para se libertar. Queremos que você aprenda a confiar em si mesma. Queremos que você pare de nos pedir para brincar ao Deus com sua vida porque não somos deuses. Somos mortais que fazemos o nosso melhor para entender os nossos modelos e tendências, a nossa dor e os nossos anseios, para que possamos assumir a responsabilidade pelas nossas vidas. E queremos que você faça o mesmo.

Até certo ponto, todos nós travamos essa batalha interna: criança ou adulto? Segurança ou liberdade? E não importa onde nos posicionamos nesse continuum, em última análise, cada decisão que tomamos é baseada em duas coisas: medo e amor. Às vezes ganha o medo, às vezes o amor, e às vezes é sensato ouvir o medo, e outras vezes o amor. Se há uma coisa que a sua terapeuta está a tentar mostrar, é como distinguir os dois. E ela mostra-o através da prática da escuta para que você possa usar os seus sentimentos como uma bússola para a orientar na melhor direcção possível.

Os terapeutas podem não dar conselhos, mas damos orientação. E se há uma coisa que seu psicoterapeuta sabe, é que as verdades mais poderosas – as que as pessoas tomam mais a sério – são aquelas que elas obtiveram por conta própria.

 

Traduzido/adaptado por Pedro Martins a partir de:

“Why Won’t My Therapist Just Tell Me What to Do?” – Lori Gottlieb

 

 

Mudar é doer. Sofrimento em psicoterapia. Pedro Martins Psicoterapeuta Psicólogo Clínico

Mudar é doer. Sofrimento em psicoterapia

Ao ler o artigo “Mudar é doer” lembrei-me de algo que se passou há uns anos. Um amigo meu estava a considerar iniciar uma psicoterapia mas antes quis conversar comigo para esclarecer algumas questões. Falei-lhe superficialmente do processo, os moldes e os objectivos.

Como me atrasei a dar-lhe um contacto ele marcou com o psicoterapeuta de uma amiga. Saiu de lá em choque porque nada do que eu lhe tinha dito batia com o que acabara de ouvir. Entre elas estavam as coisas que encontrei no artigo: “Mas se tiver coragem de enfrentar esse estado de coisas; de dor insuportável, mas necessária, verá o incrível milagre da vida acontecer diante dos seus olhos.”

O que podemos encontrar nesta frase?

Em primeiro lugar temos uma espécie de sedução/manipulação por parte do psicoterapeuta: – É corajoso ou não é? Se não for pode ir embora. Aqui só há lugar para corajosos. Mas eu sinto que você é corajoso para enfrentar as coisas.

Depois de a coragem estar à flor da pele, aplica-se o segundo golpe – Não pode fugir à dor insuportável, porque, obviamente, ela é necessária. Para quê? Para ver um incrível milagre acontecer! Nesse caso vale bem a pena. Quando é que começamos?

Perante esta aceitação tácita, o paciente está condenado às atrocidades que estão para vir. Se não as suportar é porque não é corajoso, e o milagre da vida não quer nada com os fracos. Moral da história: Se as coisas correrem mal a culpa é sua!

Vamos passar ao lado do adjectivo “insuportável”, porque a dor em si é quanto baste. Introduzir mais dor em pessoas que certamente passaram por muitas ou que as vivem neste momento é mais que maldade, é uma perversão (caso esta pessoa não tenha perdido para sempre a esperança na psicoterapia, terá mais um problema quando entrar no gabinete do novo terapeuta).

A psicoterapia não é, nem pode ser uma fonte de dor, muito menos insuportável. Há coisas que custam, que são difíceis, mas não o são porque fazemos terapia – já o eram muito antes. Na verdade, é por essa razão que as pessoas decidem fazer psicoterapia: superar os bloqueios que as impedem de ter uma vida melhor.

psicoterapia

Como Funciona a Psicoterapia e Porquê

O contacto contínuo entre nós e o terapeuta, as sessões semanais que podem continuar durante meses ou anos, contribuem para a criação de algo que soa, num contexto profissional, particularmente estranho: uma relação.

Estamos quase certos que procuramos um terapeuta em primeiro lugar porque, de alguma forma, tornou-se difícil ter relações e não percebermos muito bem porquê:

– Talvez tentemos agradar às pessoas e garantir a sua admiração, mas acabamos por nos sentir pouco autênticos e interiormente entorpecidos e recuamos.

– Talvez nos apaixonemos muito intensamente, mas então, acabamos sempre por descobrir um grande defeito no parceiro que nos faz acabar com a história e reiniciar o ciclo.

A relação com o psicoterapeuta pode ter muito pouco em comum com o tipo de ligações que temos na vida quotidiana.

Não vamos fazer compras juntos nem ver televisão na cama. Mas, inevitavelmente levamos para os encontros com o terapeuta as nossas próprias tendências, que emergem nas nossas relações com outras pessoas das nossas vidas.

Na terapia também podemos ser sedutores, e de seguida frios; ou cheios de idealizações que são seguidas de impulsos para fugirmos.

Excepto que agora, na presença do terapeuta, as nossas tendências têm a possibilidade de serem testemunhadas, discutidas, exploradas com simpatia e – nas suas manifestações mais prejudiciais – superadas.

A relação com o terapeuta é um protótipo do comportamento que temos com as pessoas de forma geral e, assim, permite-nos, com base numa maior autoconsciência, modificar e melhorar a forma como nos relacionamos com os outros.

Na psicoterapia os nossos hábitos e tendências são reconhecidas e podem ser faladas – não como reprovações, mas como informações importantes sobre o nosso carácter do qual merecemos tomar consciência.

O terapeuta (com bondade) assinala que estamos a reagir como se tivéssemos sido atacados, quando ele fez apenas uma pergunta, e pode chamar a nossa atenção para a prontidão com que parecemos querer dizer-lhe coisas que impressionem (ainda que gostem de nós de qualquer maneira), ou como parecemos apressar-nos a concordar ou discordar dele quando está apenas a tentar explorar uma ideia que ele próprio tem dúvidas que esteja certa; sinaliza a nossa propensão a determinar as atitudes ou perspectivas que realmente não tem; pode dar nota de como parecemos estar acometidos pela ideia de que ele está desapontado connosco, ou nos considera chatos.

Com grande discrição, o psicoterapeuta vai salientar a nossa tendência para colocar as pessoas do presente em papéis que derivam do passado e vai procurar connosco as origens das emoções, que provavelmente sentimos em relação às pessoas importantes que cuidaram de nós – e que agora se tornaram naquilo que esperamos de todos.

A relação terapêutica actua como um microcosmos das nossas relações em geral e, portanto, pode ser usada como uma via particular para aprender sobre as nossas tendências mais imperceptíveis.

Ao revivermos os problemas relacionais com um outro empático que não responde como as pessoas comuns, que não gritará connosco, que não se vai queixar, ficar calado ou ir embora, pode ajudar-nos a entender o que andamos a fazer e assim, desenvolvermos novos padrões relacionais.

A relação com o terapeuta torna-se num modelo para a forma como podemos estabelecer relações com os outros no futuro, livres das manobras e dos pressupostos de fundo que carregamos dentro de nós desde a infância, e que nos podem magoar e limitar no presente.

A relação terapêutica pode ser para nós a primeira relação verdadeiramente saudável que temos, onde aprendemos a impedir que se imponham os nossos pressupostos sobre os outros e possamos confiar neles o suficiente para os deixar ver a realidade maior e mais complexa de quem somos, sem vergonha ou constrangimento.

Torna-se um modelo – adquirido numa situação altamente incomum – que começamos a aplicar no mais corriqueiro, até acabar por fazer parte da nossa forma de ser e de estar com os outros.

Traduzido/adaptado por Pedro Martins a partir de:
“How therapy works and why” – Alain de Botton

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