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Psicoterapia

Acusar e Perdoar em Psicoterapia - Pedro Martins Psicoterapeuta

É Possível Perdoar?

“Acusar, perdoar e reconciliar-se.”

A origem do excesso de agressividade internamente acumulada é um complexo problema etiopatogénico, e importa saber como e porquê se constitui tal acervo de agressividade contida (raiva, ressentimento, ódio, desejo de retaliar).

Ao mesmo tempo, é preciso saber quando e de que maneira o paciente pode assumir os seus afectos constrangidos, elaborar a dor e o sentimento de injustiça e reparar os danos e prejuízos sofridos.

Como e em que tempo pode ele acusar, perdoar e reconciliar-se.

É costume ouvir-se dizer – “perdoei mas não esqueci”. Nada de mais errado psicologicamente, e portanto produto de uma convicção ilusória.

“Perdoar é necessário à saúde mental.”

O animal homem esquece, mas raramente perdoa. E simplesmente perdoar as ofensas sofridas não é a atitude psicológica mais correcta e saudável.

Contudo, o perdão é necessário à saúde mental. Como resolver então este aparente paradoxo?

Parece complicado, mas não o é de todo.

Para perdoar é preciso previamente ter acusado. Só depois de acusar, mover o processo de inculpação, é possível o perdão, a amnistia, a clemência.

Acusar não é condenar; é esclarecer.

A reconciliação com o inimigo de outrora só é viável após a libertação do ódio e ressentimento contidos.

Com falso perdão ou pseudo-reconciliação não se constrói bem-estar psíquico nem bom relacionamento.

Aquele que foi agressivo, abandonante, negligente, explorador ou desqualificante tem que ser “acusado” perante o terapeuta, juiz neutro e benevolente.

Só depois poderá ser compreendido nas suas dificuldades e patologia, e entendida a relação (interna e externa) agressiva e patogénica que com o sujeito estabeleceu.

Então, mas só então virá o perdão.

No entanto, há ofensas que não se podem nem devem perdoar – o respeito por si próprio e a dignidade a que cada um tem direito traçarão o limite do perdoável.

Nem sempre o perdão é necessário à saúde mental e, em algumas circunstâncias, pode ser inconveniente.

Bibliografia: “Mais Amor, Menos Doença” – A. Coimbra de Matos

Ciúme e Inveja Psicoterapia

O Ciúme e a Inveja. Descubra as diferenças

O ciúme é um sentimento vivido na relação triangular (a três) originado no receio de perder o objecto de amor; a dificuldade no ciúme é a repartição do amor do outro.

O indivíduo pretende ser único e exclusivo depositário desse amor.

“O ciúme é um sentimento altamente perturbador e está na origem dos mais variados dramas passionais.”

No ciúme o sujeito luta pela posse total e exclusiva do amor do outro, sabendo de antemão que isso não é possível pela consciência que tem da existência de um terceiro.

Presente nos mais variados quadros clínicos, é sobretudo característico da estrutura obsessiva.

Trata-se de um sentimento forte e altamente perturbador que está na origem dos mais variados dramas passionais e portanto, traz muitos pacientes para a terapia.

Costuma-se distinguir entre ciúmes neuróticos (que corresponde à breve descrição que fizemos), os ciúmes mórbidos ou patológicos e os ciúmes delirantes, conforme o grau de maior ou menor crítica; os ciúmes patológicos ligam-se com a estrutura depressiva; o delírio de ciúme com a paranóia.

A inveja é um sentimento vivido na relação binária (a dois) e que traduz uma incompletude narcísica. É um sentimento de falta, experimentado na comparação com o outro; e condiciona o desejo de possuir os atributos desse outro.

O sentimento de inveja vai operar pela vida fora em todas as circunstâncias em que a consciência de défice se agudiza e a idealização do outro se avoluma, sendo portanto fácil de estalar em toda a estrutura narcisicamente tocada e em toda a relação em que o outro se torna demasiado importante para a segurança do sujeito.

Se o outro demonstra ou exibe aos olhos do sujeito, por qualquer forma, a sua qualidade de superior, a inveja duplica. Passa de um ressentimento e desejo de apoderar-se das posses e atributos do outro (que caracteriza genuinamente a inveja) para o desejo de o destruir; é nesta sequência se organiza o desejo de poder.

“No ciúme e na inveja o amor-próprio é altamente atingido.”

Enquanto na inveja conta um sentimento de falta e um desejo de apoderar-se, no ciúme está em causa um sentimento de perda ou ameaça de perda e um desejo de reter.

Em ambos os casos, a agressividade e o ódio jogam um papel predominante na relação com o outro. Num e noutro caso, o amor-próprio é altamente atingido; na inveja, sobre a forma de ressentimento; no ciúme, de humilhação. À revolta no invejoso, corresponde a depressão no ciumento.

Na inveja há um défice narcísico e no ciúme um ferimento narcísico; o invejoso sente-se pobre, o ciumento empobrecido.

Centrado no sentimento de perda, o ciumento oscila entre os pólos da depressão e da raiva: quanto mais agressivo, menos deprimido.

Enquanto o invejoso jamais se sente suficientemente poderoso, o ciumento nunca se sente completamente amado.

Na inveja o tom afectivo básico é a insatisfação; no ciúme a tristeza. O ciumento sente-se desvalorizado, é tímido e submisso; o invejoso ambiciona e luta (isto numa visão extremada, é evidente).

Estas descrições – da inveja e do ciúme – são notoriamente esquemáticas e intencionalmente forçadas, para bem distinguir os cambiantes típicos dos afectos (as suas estruturas) em causa. Na vida afectiva real, o que encontramos é uma mistura dos dois sentimentos, polarizando-se mais num sentido do que noutro.

A partir de “A inveja e o ciúme.” A. Coimbra de Matos

A Mãe Possessiva Pedro Martins Psicoterapeuta

A Mãe Possessiva

Fala-se, em psiquiatria e em psicologia (e noutros meios), com extrema frequência da mãe possessiva.

Mas nem sempre esta frase significante traduz, na expressão de quem a emprega, o significado correcto da mãe concreta de características possessivas.

“O traço caracterológico mais típico da mãe possessiva é a insuficiência narcísica.”

Este tipo psicológico de mãe é, sobretudo, uma mãe que se apodera de um filho como um objecto de propriedade privada:

– Para benefício da sua (da mãe) segurança pessoal e na razão (da mãe, ainda) da sua insegurança intrínseca, constitutiva e fundamental.

É esta insegurança – esta insuficiência narcísica – o traço caracterológico mais típico, e essencial, das chamadas “mães possessivas”.

A mãe possessiva “ama” o filho de uma forma narcísica, como um prolongamento de si própria.

Mais ainda: como uma peça fundamental e imprescindível do seu equilíbrio dinâmico.

O filho é um suporte do seu equilíbrio instável, um pilar na sua organização psíquica deficitária.

Consequentemente, o filho é utilizado – com feroz egoísmo e num medo constante de o perder (o que conduz a não lhe permitir a sua independência progressiva, logo a formação como ser) -, persistente e indefinidamente, como objecto que preenche o funcionamento deficiente da mãe.

E nada perturba mais o desenvolvimento infantil do que este tipo de investimento em que a criança não é considerada um autêntico sujeito, ou, numa outra linguagem, objecto portador de desejos próprios.

Ao filho atormentado, tímido e culpabilizado, submisso e cumpridor, sem energia nem originalidade, é exigida uma lealdade a toda a prova, um amor (pela mãe) indefectível, uma gratidão sem limites.

“Estas mães apelam constantemente para os “sacrifícios” que fazem e fizeram pelos filhos.”

A mãe possessiva é descrita pela psiquiatria fenomenológica como ansiosa, fóbica, deprimida ou hiperactiva, ambivalente e dominadora.

No cerne da sua estrutura psicopatológica define-se por sentimentos de desvalorização pessoal e pela necessidade constante de compensação.

Estas mães apelam, passo a passo, para os “sacrifícios” que fazem e fizeram pelos filhos: numa persistente atitude de reparação da auto-imagem de insuficiência e de culpa (inconscientes).

Mas o apregoado sacrifício é uma falsificação da realidade.

De sacrifício tem apenas a aparência, pois, no íntimo, a sua atitude foi sempre ditada pelo benefício egoísta a retirar:

– Receber mais tarde os favores que agora dispensa.

Cronicamente dominadora – física, emocional ou moralmente, conforme a idade do filho e as circunstâncias -, esta mãe tentacular, que tem razão, é como uma espécie de Deus omnisciente e omnipresente.

Portanto, a sua influência crítica conselheiral, perdura na consciência do filho, ultrapassando as barreiras do espaço e do tempo (para além, portanto, da sua presença concreta).

É uma espécie de “supermãe”, que, com o álibi da protecção, superintende em toda a vida do filho.

Estas mães são tanto mais patogénicas, quanto menos se fez sentir a presença do pai.

É o que pode acontecer na situação da “mãe como educadora única”(mãe solteira, viúva, ausência prolongada do pai, etc.), ou quando o pai é uma figura apagada ou passiva.

Nestas situações falta ao filho um importante elemento de contraste, uma necessária figura de identificação secundária, o contraponto da realidade exterior (exterior à relação binária mãe-filho – gratificante e construtiva, mas também frustrante e devoradora).

É apoiando-se no modelo paterno que a criança suprime paulatinamente, a dependência da mãe; tornando-se autónoma e responsável.

Excertos do artigo “A Mãe Possessiva” – A. Coimbra de Matos

amar-se a si mesmo

Até Onde Pode Amar-se a Si Mesmo?

“A melhor defesa ou reparação da depressão é o amar-se a si mesmo.”

Quando o indivíduo não se sente amado, deprime-se. E a melhor defesa ou reparação dessa depressão é o amar-se a si mesmo, o investir-se narcisicamente.

Simplesmente, este processo tem limites – se o sujeito continua a não ser amado, esgota-se a energia amorosa para amar-se a si próprio (pois o amor nasce e desenvolve-se apenas na relação amorosa).

Mas do amor também se constituem reservas. E a maior reserva amorosa forma-se na infância, pelo amor que os pais dedicam aos filhos.

Se esta reserva não foi constituída ou é pequena, o indivíduo tem necessidade constante de ser amado e deprime-se em face da mais leve perda de amor ou da sua mais curta ausência. E só um forte amor posterior o poderá curar dessa carência.

O trágico é que o indivíduo que não foi amado não aprendeu a amar. E enquanto não souber amar dificilmente poderá vir a ser amado. A sua sede de amor é muito grande, mas o seu ódio à relação amorosa ou a sua descrença no amor levam-no a estragá-la ou a nunca a conquistar – pela relação ambivalente e depressivante à qual adere.

Só um verdadeiro amor, uma paixão, seja ela na vida ou na relação terapêutica, pode fazer uma renovação do sentir conduzindo a um renascimento do ser. É no estado nascente do enamoramento, no movimento amoroso, que se curam as feridas de amor.

“Ninguém se cura enquanto não adquirir um sentimento de ser capaz de merecer e atrair o amor de outrem.”

O poder ser objecto de amor é fundamental: ninguém se cura enquanto não adquirir um sólido sentimento de ser uma pessoa capaz de merecer e atrair o amor de outrem; vale dizer, enquanto não reparar a sua ferida narcísica, desfizer o sentimento de inferioridade ou menor valor.

A raiz dos sentimentos de inferioridade está no passado, na infância; nos insucessos infantis e adolescenciais; e na prisão às regras e aspirações da família de origem, no juízo crítico dos pais e educadores que sempre apontaram exemplos de perfeição, estabelecendo comparações deprimentes para o sujeito ou lamentado as suas imperfeições.

Designadamente, esta última atitude é altamente danificante da auto-imagem: o sujeito interioriza essa pena, essa mágoa, lamentando-se eternamente daquilo que é (“se eu fosse mais bonita… Se eu fosse mais forte… Se tivesse ouvido para a música… Se tivesse jeito para dançar”… etc.)

“Só muda quem se apaixona, quem se entusiasma, quem ama outra coisa, outro ser.”

Normalmente, o depressivo é aquele que vive no passado, prisioneiro do passado, do que foi. E ninguém pode viver no passado! Todos temos de ir para a frente.

Viver no passado é viver no purgatório, a expiar culpas; e na sombra, admirando os resplandecentes. Mas viver, propriamente viver, é saltar para o “paraíso”, dando-se a si mesmo o direito ao acesso ao prazer e deixando-se banhar pelo sol que é de todos! Podemos queimar-nos no inferno da decepção e do desaire, mas também atingir o éden da paixão. E só vivida apaixonadamente a vida tem sentido.

Só na paixão amorosa encontramos a verdade do outro e a nossa própria verdade. É a porta de entrada no mundo da autenticidade.

O depressivo deixou de se apaixonar (é isso a depressão), tem medo de se apaixonar, não quer (por raiva contra o outro e o mundo, e que se vira contra si próprio) apaixonar-se.

Toda a terapia que mereça esse nome passa por um movimento de rotura com o passado e com o presente, um movimento de renovação, um renascimento, um nascimento para uma nova vida, em moldes diferentes, com outros horizontes.

Esta rotura processa-se através de um movimento emocional, afectivo, por uma paixão por outra coisa, por outra pessoa. Só muda quem se apaixona, quem se entusiasma, quem ama outra coisa, outro ser – para se tornar ele próprio “outra pessoa”.

Bibliografia: Matos, A. C. (2001). A Depressão. Lisboa: Climepsi Editores

prazer felicidade psicoterapia

Felicidade vs. Prazer. Descubra as Diferenças

A felicidade é a longo prazo, aditiva e generosa. É dar. Está ligado à serotonina.

O prazer é de curto prazo, aditivo e egoísta. É receber. Está ligado à dopamina.

Esta não é apenas uma questão semântica, é uma diferença fundamental que se pode ver nos nossos circuitos neuronais. Parece que o prazer e a felicidade se substituem um ao outro, que são maneiras diferentes de obter o mesmo. Mas não são. Pelo contrário, são coisas que se podem confundir quando se trata do curto prazo, mas, no longo prazo, não poderiam ser mais diferentes.

São ambos constructos culturais. Ambos respondem aos impulsos físicos directos, mas cada vez mais, aos culturais.

Os comerciantes e as campanhas de marketing apontam para a venda de prazer. Esse é um atalho para o sucesso, uma receita que se repete. Fazer com que as pessoas fiquem dependentes da satisfação oferecida pela cafeína, tabaco ou açúcar é um modelo de negócio. Mas para além do uso de certas substâncias, actualmente, os “social media” estão a fazer uso da relação entre a raiva e a dopamina (a raiva é uma das emoções mais presente nas redes sociais) para construir um novo tipo de dependência.

 

“A felicidade é mais difícil de atingir. Requer mais paciência e mais planeamento.”

 

Por outro lado, a felicidade é algo mais difícil de adquirir. Requer mais paciência e mais planeamento. É possível encontrar a felicidade na visão infantil do mundo, mas é mais provável encontrá-la numa série consciente e madura de escolhas, a maioria das quais relacionadas com a generosidade e com a procura de ligações afectivas.

Mais do que nunca, controlamos nossos cérebros controlando o que colocamos neles. Os “media” que escolhemos, as interacções que desenvolvemos e as substâncias que ingerimos condicionam a forma como vivenciamos as coisas.

É difícil resistir à satisfação imediata, sempre tão sedutora e cumpridora da promessa de prazer. Mas, quem sabe, conseguimos resistir estoicamente e escolher a felicidade.

 

Traduzido/adaptado por Pedro Martins

a partir de “The pleasure/happiness gap” – Seth Godin

orgulho, vaidade, psicoterapia,

Orgulho ou Vaidade? Descubra as diferenças

O Homem é essencialmente um animal narcísico – que se admira e precisa ser admirado. A sua qualidade é o orgulho; o seu defeito a vaidade.

O bom narcisismo assenta num sentimento de dignidade pessoal. A deficiência narcísica, o sentimento de vacuidade, de vazio e miséria interiores conduz à vaidade.

O orgulho tem brio, porque assume a plenitude do seu ser; senhor do seu amor-próprio e do seu valor social.

O vaidoso pinta-se com tinta brilhante para esconder as mazelas, as máculas da auto-imagem; como é pouco, assenhora-se de apetrechos que o possam fazer brilhar; a sua problemática é a de o ter – para suprimir aquilo que não é.

 

“O orgulhoso tem brio, o vaidoso procura brilhar.”

 

O orgulhoso, seguro de si deixa-se observar; o vaidoso, inseguro mas desejoso de mostrar o contrário, exibe-se. O orgulhoso tem brio, o vaidoso procura brilhar.

Esta distinção entre orgulho e vaidade procura tão-somente salientar o que há de diferente entre o narcisismo positivo (amor a si próprio), decorrente de um bom investimento de si mesmo, e o narcisismo negativo (aversão a si próprio), condicionado por um deficiente investimento de si próprio e que acarreta frequentemente um mecanismo de supercompensação com a construção ilusória de uma auto-imagem grandiosa.

O processo de compensação narcísica pela grandiosidade, pela exaltação ilusória da auto-imagem é como um prémio de consolação que o indivíduo atribui a si mesmo pelo facto de não se ter sentido e sentir suficientemente amado e admirado pelos outros (reconhecido no seu próprio valor).

Resulta, pois, da necessidade de reparar pelos seus próprios meios o insuficiente investimento que recebeu e que recebe dos outros – não amado nem admirado, é ele próprio a amar e admirar a sua imagem reflectida pelo espelho: necessariamente má porque, à partida, não apreciada pelo olhar do outro (não desencadeou o espanto e o desejo) e que, por isso mesmo, ele procura artificialmente valorizar (retoques, exibição) para retomar a finalidade primeira, ser desejado.

Em última análise, o narcísico enamora-se de si mesmo em razão de não ser ou não se sentir objecto do enamoramento do outro.

 

Bibliografia: Matos, A. C. (2001). A Depressão. Lisboa: Climepsi Editores

Triste e sem saber porquê Pode estar deprimido psicoterapia

Triste e sem saber porquê? Pode estar deprimido

A tristeza aparece quando se perde algo ou alguém a que se estava fortemente ligado.

Quando esse algo que se perdeu era já tido como uma posse incerta ou duvidosa, só mantida por uma convicção ligada a certa omnipotência, a tristeza é sentida, mas negada a realidade da perda – ou, mais precisamente, negado o sentimento de perda.

“A Depressão é a negação do sentimento de perda.”

E assim se instala a depressão. A depressão é, pois, a negação do sentimento de perda; está-se triste sem se saber porquê.

Quando se perdeu alguém de quem se estava dependente, mas cuja dependência era sentida como uma inferioridade pessoal, da mesma forma a tristeza é sentida, mas negado o sentimento de perda. E, pela mesma razão, se instala um quadro depressivo.

Por conseguinte, a depressão é uma tristeza cujo o motivo se procura negar para manter incólume o narcisismo, a auto-imagem.

Mas negando o sentimento de perda, o trabalho de luto não se faz: a tristeza mantém-se, a depressão arrasta-se.

A cura da depressão passará, portanto, pela realização de um trabalho de luto que está bloqueado: pela consciencialização, aceitação e elaboração da perda; sobretudo, pela vivência e aceitação do sentimento de perda.

Portanto, enquanto no luto normal há propriamente uma perda de alguém, na depressão ou luto patológico há uma perda narcísica, uma perda de auto-estima.

O depressivo é um indivíduo em deficiência narcísica. O seu mundo – das coisas e das pessoas – serve para confirmar ou infirmar, avaliar, medir o seu valor próprio: é o espelho da sua auto-representação. O indivíduo vê-se no efeito que produz à sua volta, no reflexo da circunstância, na admiração e amor que desperta nos outros.

O défice narcísico, em consequência, acompanha-se sempre de uma faceta exibicionista. Ainda que de um exibicionismo tímido, envergonhado, dado o sentimento de inferioridade que caracteriza a estrutura depressiva.

Compreendemos agora melhor a reacção à perda nestas personalidades: a perda é negada para evitar o ferimento narcísico, para evitar o sentimento de lesão da auto-estima.

A auto-estima já de si pobre não pode expor-se a novo empobrecimento; por isso a consciência procura ignorá-lo. Mas a realidade impõe-se, e lá está a depressão para o evidenciar.

E, por micro-depressões sucessivas, o quadro de depressão crónica – latente, manifesta ou mascarada – vai-se agravando. Esta é a história existencial da personalidade depressiva.

 

Bibliografia: Matos, A. C. (2001). A Depressão. Lisboa: Climepsi Editores

automutilação -psocura de atenção ou de vinculação

Automutilação: O Que É e Como Ajudar

A automutilação num amigo, num parceiro, num filho ou em alguém com quem você trabalha pode gerar uma profunda ansiedade e suscitar uma série de sentimentos perturbadores – confusão, raiva, desamparo, preocupação e até pânico.

Esses sentimentos podem levar aqueles que estão a tentar apoiar a pessoa que se mutila a entrar num modo socorrista (eu tenho que fazer tudo o que eu puder para que ele pare) ou, em vez disso, uma espécie de menosprezo bem-intencionado (eles estão à procura de atenção, se eu ignorar, isso desaparece).

 

“É como se toda a dor que se vem acumulando há dias, simplesmente, se desvanecesse num único momento”

 

Porque é que ele se magoa? Porque é que não pode, simplesmente, falar comigo? Como posso pará-lo? Essas são as questões que circulam em torno do problema da automutilação. Então, naturalmente, no meio de toda esta preocupação e pânico – há a questão de como é ser a pessoa que se está a ferir?

Porque se automutilar?

A automutilação não é um distúrbio mental. A automutilação é um problema na regulação emocional. A regulação emocional significa a capacidade de uma pessoa (a) perceber que está a viver uma experiência emocional; (b) que a nomeie e compreenda; (c) a expresse aos outros de uma forma sadia e, finalmente (d) gerir o sentimento de modo a torná-lo mais tolerável. Algumas crianças, adolescentes e adultos voltam-se para a automutilação porque o seu sistema de regulação emocional não é suficiente para diminuir a dimensão – insuportável – da sua dor.

Podemos ver isso na forma como as pessoas que se mutilam descrevem o que sentem. Essa percepção é valiosa para aqueles que tentam entender a automutilação. Eis o que nos foi dito por pessoas que acompanhamos em psicoterapia:

“É como se toda a dor que se vem acumulando há dias, simplesmente, se desvanecesse num único momento”

“Quando eu me corto, é o único momento que me sinto real, viva, como estou aqui agora”

“É como se a automutilação fosse o meu único amigo que me faz sentir melhor.”

“Eu não quero que as pessoas saibam, não se trata de dizer “olhe para mim”, é sobre encontrar uma maneira de me sentir calma sem magoar ninguém”

“É a única coisa que posso controlar na minha vida, por isso diminui a minha ansiedade.”

“Se eu não me cortasse, estaria morta. Cortar, literalmente, mantém-me viva”

 

Indivíduos que lutam para tolerar a dor e o stress e pessoas com problemas psicológicos, frequentemente, encontram-se num estado de hiper-excitação (excepcionalmente alerta, nervosos, ansiosos) ou num estado de hipo-excitação (sentindo-se mortos e entorpecidos interiormente). A automutilação é uma maneira poderosa de encontrar o meio-termo entre os dois estados emocionais extremos. Quando estão ansiosos, a automutilação acalma; e quando se sentem mortos por dentro, a automutilação desperta o corpo e a mente. A automutilação torna-se a figura de vinculação da pessoa, a sua base segura.

Procura de atenção ou procura de vinculação?

Como pais, amigos, professores, cônjuges – nós tentamos fazer o melhor possível para entendermos quem se mutila. Podemos, naturalmente, vê-lo como uma maneira de chamar à atenção; e assim podemos ignorá-lo, minimizá-lo ou criticá-lo, ou pior – gozar.

Há uma outra maneira, mais compassiva, mas também mais eficaz, de ver e compreender a automutilação: é vê-la como uma busca de vinculação.

Um marco fundamental para uma criança pequena é aprender a regular as suas emoções, e elas fazem isso com a ajuda das suas figuras de vinculação (pais, cuidadores, outras pessoas importantes), que de alguma forma entremeiam essa regulação.

 

“Aqueles que não desenvolveram a capacidade de regulação emocional em pequenos vão encontrar outras maneiras de trazer as suas figuras de vinculação para perto.”

 

A teoria da vinculação mostra-nos que aqueles que não desenvolvem a capacidade de regulação emocional quando são pequenos (devido ao stress familiar, estilo parental, temperamento, problemas de saúde e assim por diante) encontram outras maneiras (inseguras) de trazer as suas figuras de vinculação para perto. De alguma forma, isso traz-lhes conforto e segurança. Alguns indivíduos escondem as suas emoções e, portanto, mantêm os outros por perto porque não são um “problema”; outros podem fazer um grande alarido das suas necessidades, e isso mantém os outros por perto, com o intuito de responder à crise.

Então, o que é que isso tem a ver com a automutilação? A automutilação é um comportamento de busca de vinculação. Aqueles que se mutilam em segredo (sem que ninguém saiba) regulam as emoções e mantêm os outros afastados. Assim, lidam com dor sozinhos, pois para eles parece mais seguro. Os que não escondem a automutilação sentem-se mais seguros quando os outros os atendem, seja por meio de compreensão ou por meio de críticas. Qualquer atenção é melhor que nenhuma atenção.

Embora a ‘atenção’ possa ser uma consequência da autoagressão, o propósito dela é regular a emoção e / ou aproximar os outros, a fim de atender a uma necessidade emocional não satisfeita.

Então, o que fazer?

A experiência de trabalhar com pessoas que se mutilam mostrou-nos que minimizar, ignorar ou criticar a pessoa não funciona. Na verdade, isso piora! As reações bem-intencionadas de outras pessoas aumentam o sentimento de vergonha e autoaversão na pessoa que se mutila, o que aumenta a necessidade de se mutilar.

Em vez disso – procure ligar-se emocionalmente e reflicta sobre o que sente. Faça o que precisa fazer para se sentir emocionalmente conectado – mostre que se importa; mostre que está lá. Então, e só então, você pode ajudá-los a lidar com o problema.

Aqui estão as nossas principais dicas:

  1. Fale sobre isso. Deixe-os saber que você notou; que está curioso. Que você questiona que sentimento leva uma pessoa a magoar-se. Não deixe que a automutilação seja um elefante no meio da sala.
  2. Mantenha-se calmo e com os pés assentes na terra. A sua ansiedade criará mais ansiedade neles. Eles precisam que você seja firme, cuidadoso e que não faça julgamentos.
  3. Tente imaginar que necessidade emocional está por trás da automutilação, caso eles não o consigam colocar em palavras. Ofereça-lhes a sua “linguagem afectiva”, seja isso um abraço, aceitação, palavras gentis, actos de reflexão ou respeito.
  4. Mostre que você “os mantém em mente” mesmo quando não estão juntos.
  5. Ajude-os a elaborar os seus “gatilhos”. O que lhes dá a vontade de se mutilar? Pensar em conjunto que tipo de coisa faz disparar a vontade de se mutilar pode levar à sua redução.
  6. Escolha com cuidado a quem você conta. Outras pessoas saberem pode causar vergonha, mas também pode ser um alívio. Decidam juntos.
  7. Fique de olho na segurança. A automutilação não leva ao suicídio, mas as pessoas com tendências suicidas são mais propensas a se automutilar. Incentive-os a cuidar das suas feridas.
  8. Considerem o tratamento psicoterapêutico. Situações destas raramente se resolvem sem apoio especializado.

 

Traduzido/adaptado por Pedro Martins

a partir de “Self-harm: Attention seeking or attachment seeking? –  Shoshanah Lyons

depressão inferioridade culpa

Depressão – Sentimento de Culpa e Inferioridade

No que diz respeito à depressão é importante olharmos a natureza e a qualidade da perda que origina o fenómeno depressivo lato sensu:

1 – Natureza da Perda: o doente depressivo não perdeu uma pessoa significativa (por morte ou retirada), mas o afecto de pessoas significativas, ou seja, a perda do amor de pessoas e não a perda de pessoas.

2 – Qualidade da Perda: Na depressão* o afecto que o indivíduo perdeu, foi o amor: o amor dedicado, generoso e oblativo.

Na depressão anaclítica ou borderline perdeu-se a protecção e assistência do cuidador.

Na depressão* pode permanecer a função de cuidar, mas falta o amor, o desejo de estar/conviver com o outro. (* designada depressão verdadeira)

A Depressão estrutura-se através da inferioridade e da culpa

A culpa resulta de duas origens convergentes:

1 – Idealização do “outro” – com a respectiva tendência a desculpabilizá-lo.

2 – Indução da culpa pelo “outro” – o qual, ao mesmo tempo se idealiza e se faz idealizar.

O sujeito projecta (coloca no outro) a sua bondade e introjecta (recebe do outro) a maldade.

Neste caso verifica-se um processo de inversão da experiência vivida no qual é influenciado pelo outro.

É este processo de despojamento da sua bondade e assimilação da maldade que conduz ao erro de avaliação da realidade pelo depressivo:

– “Eu sou mau, ele é bom”.

Há um erro lógico (cognitivo) de apreciação da realidade – erro em que é induzido pelo “outro”, o qual projecta a sua culpa no sujeito e absorve a bondade deste.

A relação depressígena (causadora de depressão) consiste precisamente nisto: culpar e idealizar-se a si mesmo.

A depressão pode ser vista como a relação que se estabelece com a pessoa depressígena:

– Que não desculpa mas culpa, que não ama mas capta o amor do outro; Trata-se de uma pessoa culpabilizante e desamante.

Por isso a culpa depressiva é uma culpa patológica e ilógica (erro lógico).

É este erro que o terapeuta tem que corrigir: fazer com que o paciente recupere o investimento perdido na idealização do “outro” e re-direccionar a culpa para o verdadeiro responsável; isto é, processar uma inversão do processo patológico.

O mesmo se passa para a inferioridade. A pessoa depressígena é aquela que inferioriza o outro e engrandecendo-se a si próprio. No grau máximo, é alguém que humilha.

Não há depressão sem culpa e sobretudo sem inferioridade, porque a retirada do amor – a causa prínceps da depressão – é só por si desnarcisante.

Por isso um dos sintomas da depressão é a baixa auto-estima.

Bibliografia: Matos, A. C. (2001). A Depressão. Lisboa: Climepsi Editores

haunting

www. Ghosting, Haunting e Benching. com

Ghosting, haunting e benching: as práticas das novas relações

“Numa época em que a sociedade está repleta de meios de comunicação que permitem, cada vez mais rápido, estar em contacto com outros, nunca foi tão fácil conhecer e esquecer pessoas. Abre-se o Facebook, o Instagram ou até o Tinder e basta enviar uma mensagem, pedir para seguir ou “gostar” para que se possa estar em contacto com alguém. Ao mesmo tempo que isso acontece, as relações profundas tornam-se caminhos mais difíceis de encontrar. As redes sociais, as aplicações de encontros e, mais importante, a maneira como são usadas, têm cada vez mais impacto nas relações que vivemos: o ghosting, o haunting e o benching são só algumas das novas práticas que ganharam nome nos últimos anos, graças à sua visibilidade, e à maneira como as pessoas vivem as suas relações nesta nova era.”

Tive muito gosto em conversar com a jornalista Adriana Claro da “MAGG” sobre as práticas das novas relações.

continuar a ler: https://magg.pt/2018/04/03/ghosting-haunting-e-benching-as-praticas-das-novas-relacoes/

 

Pensamento mágico. Pedro Martins Psicólogo clínico Psicoterapeuta

Pensamento Mágico

O termo pensamento mágico designa o pensamento que se apoia numa fantasia de omnipotência para criar uma realidade psíquica …

Identificação Projectiva. Pedro Martins - Psicólogo Clínico Psicoterapeuta

Identificação Projectiva

Em situações desconfortáveis com outra pessoa, por vezes é difícil saber de onde vem o desconforto, de nós ou do outro. …

Adoecer Mentalmente. Pedro Martins Psicólogo Clínico Psicoterapeuta

Adoecer Mentalmente

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