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Rutura e Reparação - Pedro Martins Psicólogo Clínico Psicoterapeuta

Rutura e Reparação

Muitas tensões nos relacionamentos podem ser úteis se olhadas à luz de um conceito muito empregue em psicoterapia: ‘Ruptura’ e ‘Reparação’

Para os psicoterapeutas, todas as relações estão sujeitas a momentos de frustração ou como o termo indica, de ‘rutura’:

– quando perdemos a confiança na outra pessoa como alguém em quem podemos depositar com segurança o nosso amor, e que acreditamos, possa ser amável e compreender as nossas necessidades.

 

Normalmente, as ruturas são pequenas, e para quem vê de fora quase imperceptíveis:

– Uma pessoa não responde calorosamente à saudação da outra

– Alguém tenta explicar uma ideia ao companheiro e este encolhe os ombros e diz sem rodeios que não faz ideia do que se está a falar

– Em frente dos amigos, o companheiro faz uma piada que coloca a parceira numa situação embaraçosa

Ou a rutura pode ser mais séria:

– Alguém chama estúpido a alguém e dá um pontapé numa porta

– O aniversário do companheiro é esquecido

– Um caso extraconjugal

 

Um dos aspectos das ruturas é que elas – em si mesmas – nada dizem sobre as perspetivas de sobrevivência de uma relação.

Podem dar-se ruturas bastante graves e constantes sem rompimento da relação.

Ou pode haver um ou dois momentos de tensão por causa de uma pequena discordância – e as coisas vão em direcção à derrocada.

O que determina a diferença é algo que os psicoterapeutas estão especialmente interessados em ensinar-nos:

A capacidade para o que eles chamam “reparação”.

A reparação refere-se ao trabalho necessário para que duas pessoas recuperarem a confiança uma na outra.

E ao mesmo tempo, restaurem a sua imagem na mente do outro como alguém que é essencialmente decente e simpático e que pode ser um intérprete “suficientemente bom” das necessidades do companheiro.

 

Para os psicoterapeutas, todas as relações estão sujeitas a momentos de frustração ou como o termo indica, de ‘rutura’

 

Como a psicoterapia salienta, a reparação não é apenas uma capacidade entre outras, é sem dúvida o determinante central da maturidade emocional de cada um; é o que nos identifica como verdadeiros adultos.

 

A boa reparação depende de pelo menos quatro capacidades:

 

  1. A capacidade de pedir desculpa

Um pedido de desculpa pode não ser tão fácil como parece, pois não são apenas algumas palavras calorosas que se tem de dizer, o verdadeiro custo é para o amor-próprio da pessoa.

Se alguém já está perto de não se sentir bem consigo mesmo, então o apelo a admitir mais alguma coisa – assumir ser ainda mais controlador, emocionalmente desequilibrado, temperamental ou vaidoso – pode parecer uma exigência demasiado grande.

Podemos optar por cavar um fosso maior e não mostrar arrependimento, não por estarmos muito satisfeitos connosco próprios, mas precisamente porque a nossa falha nos parece tão dolorosamente óbvia – e não nos dá confiança para imaginarmos que um pedido nosso de desculpas poderia despertar no outro o tipo de paciência e bondade que desejamos – e, ainda assim, sentimos que não merecemos.

 

  1. A Capacidade de Perdoar

Também pode haver dificuldade em aceitar um pedido de desculpas.

Para o fazermos, temos de compreender que pessoas boas (o que nos inclui) podem acabar por fazer coisas muito más – não porque sejam “más”, mas porque estão esgotadas ou tristes, preocupadas ou abatidas.

Uma perspectiva compreensiva dá-nos o ímpeto para procurar as razões mais generosas pelas quais pessoas fundamentalmente boas se podem comportar muito mal em certos momentos.

Quando este tipo de perdão parece impossível, os terapeutas falam de uma manobra da mente conhecida como “clivagem”, uma tendência para declarar algumas pessoas como sendo inteiramente boas e outras, tão simplesmente, completamente horríveis.

 

A boa reparação depende de pelo menos quatro capacidades: pedir desculpa, perdoar, ensinar e aprender.

 

Ao dividir a humanidade desta forma, protegemo-nos de sentir os desapontamentos inevitáveis ou a ambivalência adulta.

Ou alguém é puro e perfeito e podemos amá-lo sem reservas ou – de repente – são terríveis e nunca poderemos perdoá-los.

Agarramo-nos à rutura porque ela confirma uma história que, embora profundamente triste a um certo nível, também parece muito segura:

– Que os grandes compromissos emocionais são invariavelmente muito arriscados, que não se pode confiar nos outros, que a esperança é uma ilusão – e que estamos basicamente sozinhos.

 

  1. A capacidade de ensinar

Por detrás de uma rutura reside frequentemente uma tentativa falhada de uma pessoa “ensinar” algo a outra.

Estavam a tentar transmitir algo quando perderam a calma ou ficaram amuados:

Por exemplo, algo sobre como estar junto de outros membros da família, o que fazer no que diz respeito ao sexo, a educação dos filhos ou como lidar com o dinheiro.

No entanto, o esforço correu mal e a arte de bem ensinar foi esquecida, uma arte que se baseia, surpreendentemente, num grau de pessimismo sobre a capacidade da outra pessoa para compreender o que queremos dela.

Os bons professores não estão à procura de resultados miraculosos. Eles sabem como a mente humana pode ser resistente a novas ideias.

Engolem uma dose muito grande de pessimismo sobre uma comunicação interpessoal bem-sucedida, de modo a manterem-se calmos e de bom humor em torno das inevitáveis frustrações nas relações.

Não gritam porque, desde o início, não acreditaram em simetrias totais da mente.

Quando tentam transmitir algo, não pressionam demasiado. Dão tempo ao seu ouvinte e conhecem a defensividade – e, como alternativa, aceitam que podem ter de respeitar duas realidades diferentes.

No final, eles podem suportar e aceitar que serão sempre um pouco incompreendidos mesmo por alguém que os ame muito.

 

A reparação é o determinante central da maturidade emocional de cada um; é o que nos identifica como verdadeiros adultos.

 

  1. A capacidade de aprender

Pode parecer muito mais fácil ficar ofendido com alguém do que ousar imaginar que ele pode ter algo importante para nos dizer.

Podemos preferir ficar presos à forma como eles nos comunicaram algo, em vez de abordar a substância do que estão a tentar transmitir.

Não é fácil reconhecer que ainda somos principiantes numa série de áreas.

“O bom reparador” é, em última análise, um bom aprendiz: ele tem plena consciência do quanto ainda lhe falta aprender e não se sente humilhado com isso.

Não é uma surpresa ou um motivo de alarme que alguém possa criticar.

É apenas um sinal de que uma alma bondosa está suficientemente investida no seu desenvolvimento para ver áreas de imaturidade – e, na segurança de uma relação, oferecer algo com que quase ninguém de outro modo se incomodaria: feedback.

 

Na tradição japonesa dos Kintsugi, os potes e os vasos partidos são artisticamente consertados usando uma laca misturada com pó de ouro e exibidos como obras de arte preciosas, como forma de enfatizar a dignidade e a importância da arte de reparar.

Devíamos fazer algo parecido com as nossas histórias de amor.

É bom ter uma relação sem momentos de rutura, sem dúvida, mas é uma grande conquista e de enorme nobreza saber reparar as coisas amiúde com aqueles fios preciosos de ouro emocional: autoaceitação, paciência, humildade, coragem e muita ternura.

Traduzido/adaptado por Pedro Martins a partir de

Rupture and Repair- Alain de Botton

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