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Identificação Projectiva. Pedro Martins - Psicólogo Clínico Psicoterapeuta

Identificação Projectiva

Em situações desconfortáveis com outra pessoa, por vezes é difícil saber de onde vem o desconforto, de nós ou do outro.

Quem nunca passou pela experiência de ter de lidar com alguém que receia? Não estamos a falar de uma pessoa que seja abertamente ofensiva.

Referimo-nos ao tipo de interacção em que pode não haver um problema ou conflito óbvio, mas, ainda assim, faz com que uma pessoa se sinta desconfortável e ansiosa.

Não podemos apontar a causa, tornando-a ainda mais inquietante.

Podemos deixar de agir como agimos de costume. É difícil, senão mesmo impossível, encontrar uma saída construtiva para estas situações incómodas.

A psicanálise tem vários conceitos para descrever esta situação. Um deles chama-se “identificação projectiva”.

A identificação projectiva foi descrita pela primeira vez pela psicanalista Melanie Klein.

Funciona assim: a pessoa A tem um sentimento que prefere evitar, e por isso projecta-o, inconscientemente, na pessoa B.

Muitas vezes, a projecção falha, porque a outra pessoa “recusa-se a aceitar” a projecção.

Contudo, em alguns casos, a pessoa B ressoa, ou de alguma forma identifica-se com a projecção da pessoa A e acaba por agir ou sentir de forma a combinar a projecção (a projecção da pessoa A com os sentimentos da pessoa B). Então temos a Identificação Projectiva.

 

Um exemplo:

Vera é uma personal trainer de sucesso que adora o seu trabalho. Ela tem ajudado inúmeras pessoas a atingir os seus objectivos. O seu novo aluno, Tomás, quer perder peso e aumentar a força muscular.

Após o primeiro treino, Tomás enviou várias mensagens a Vera. Ela respondeu-lhe mas sentiu-se um pouco sobrecarregada com a sua necessidade de atenção.

No segundo treino, Tomás apareceu amuado. Para além disso, não tinha feito nenhuma das mudanças que Vera sugeriu.

 

Quando se sentir repetidamente inquieto e mal sucedido na gestão de uma situação interpessoal, dê um passo atrás para pensar de onde vem esse sentimento.

 

Vera considerou a falta de entusiasmo de Tomás frustrante. Ela tinha tendência para se culpar se os alunos não melhoravam, perguntando-se se estaria a fazer algo de errado.

Durante o segundo treino, teve uma sensação de desconforto: Ela desejava que o treino terminasse rapidamente. Tentou ignorar a sensação e encorajou Tomás a manter o bom trabalho.

Mais tarde, recebeu um longo texto onde Tomás referia que não achava que os treinos estavam a ajudar, e sentia que Vera o “via apenas como uma fonte de rendimento” e que queria trabalhar com outra pessoa.

Vera pensou se olhava para os seus alunos como uma fonte de rendimento; sentimentos e pensamentos que normalmente não tinha com outros alunos.

Sentia-se confusa, não sabia o que estava a correr mal com Tomás, e tinha dúvidas sobre a sua própria forma de agir.

 

Poderá este ser um caso de identificação projectiva?

Vamos analisar os vários passos.

Primeiro passo: Nomear a emoção

Vera disse ao seu terapeuta: “Sinto que não consigo fazer nada bem”. Este é o primeiro passo.

No entanto, muitas vezes, não prestamos atenção aos sentimentos desconfortáveis à medida que eles acontecem.

Em vez de percebermos que estamos ansiosos ou frustrados, podemos perder a calma com o aluno, sentir um aperto no estômago ou uma tensão no pescoço “sem motivo”. Se nos sentirmos mal, devemos parar e reflectir.

 

Segundo passo: Aceite os sentimentos e não se julgue a si próprio

Dê a si próprio a liberdade de contactar com os seus sentimentos, sejam eles quais forem.

Isto pode ser difícil, especialmente se um certo sentimento não se encaixar com a forma como gosta de se ver a si próprio.

Por exemplo, pessoas motivadas para ajudar os outros, orgulham-se de se sentirem úteis.

 

A identificação projectiva foi descrita pela primeira vez pela psicanalista Melanie Klein.

 

Se essa pessoa tiver uma experiência negativa ao tentar ajudar alguém, poderá negar ou afastar esses maus sentimentos.

Vera sentiu-se mal consigo própria por não ter desfrutado do tempo com o seu aluno. “Uma treinadora verdadeiramente dedicada não deveria sentir-se assim”, pensou ela.

A terapeuta de Vera disse-lhe que não era uma pessoa má por ter a sensação de que não queria ajudar Tomás.

Quando deixou de se julgar a si mesma, foi capaz de compreender a sua própria experiência e perceber melhor que Tomás projectava nela os seus sentimentos de carência e baixa autoestima.

 

Terceiro passo: Sentimentos são um conjunto de informações sobre uma pessoa

Depois de nomear os seus sentimentos e deixar de se julgar, pode perguntar: “O que é que este sentimento me diz”?

Simplificando, o sentimento surgiu numa interacção entre você e outra pessoa. Contém informações sobre si, mas também sobre a outra pessoa. Estes dados são valiosos.

Vera afastou-se do sentimento de que não fazia nada bem e depois apercebeu-se de algo muito importante.

O que ela estava a sentir sobre si própria reflectia na realidade o que Tomás sentia sobre ele próprio: indesejável, sem esperança, e duvidando das suas próprias motivações.

Ou seja, um caso de identificação projectiva.

À medida que Vera identificava e aceitava os seus sentimentos e considerava a informação recolhida, deixou de se sentir perturbada e defensiva.

 

É muito importante prestarmos atenção aos sentimentos desconfortáveis à medida que eles acontecem.

 

Ela foi, então, capaz de compreender e ajudar Tomás da forma que ele precisava, mas não tinha consciência ou não conseguia comunicar ou pedir directamente.

Vera enviou uma mensagem a Tomás para marcar uma reunião. Ao conhecê-lo melhor, percebeu que ele não queria apenas perder peso e aumentar a sua força muscular.

Ele também se sentia bastante em baixo com a sua aparência. O que Tomás realmente queria, mas não podia ou não sabia como dizer, era sentir-se atraente e confiante na sua vida amorosa.

Uma vez que Vera compreendeu isso, Tomás sentiu-se compreendido, e foi capaz de seguir os seus conselhos sem necessidade de expressar inconscientemente a sua baixa autoestima através da identificação projectiva.

Resumindo, quando se sentir repetidamente inquieto e mal sucedido na gestão de uma situação interpessoal, dê um passo atrás para pensar de onde vem esse sentimento. Pode não se tratar algo que surge, necessariamente, apenas de si.

Traduzido/adaptado por Pedro Martins a partir de: Understanding Boundaries: What is Projective Identification – John K. Burton

Rutura e Reparação - Pedro Martins Psicólogo Clínico Psicoterapeuta

Rutura e Reparação

Muitas tensões nos relacionamentos podem ser úteis se olhadas à luz de um conceito muito empregue em psicoterapia: ‘Ruptura’ e ‘Reparação’

Para os psicoterapeutas, todas as relações estão sujeitas a momentos de frustração ou como o termo indica, de ‘rutura’:

– quando perdemos a confiança na outra pessoa como alguém em quem podemos depositar com segurança o nosso amor, e que acreditamos, possa ser amável e compreender as nossas necessidades.

 

Normalmente, as ruturas são pequenas, e para quem vê de fora quase imperceptíveis:

– Uma pessoa não responde calorosamente à saudação da outra

– Alguém tenta explicar uma ideia ao companheiro e este encolhe os ombros e diz sem rodeios que não faz ideia do que se está a falar

– Em frente dos amigos, o companheiro faz uma piada que coloca a parceira numa situação embaraçosa

Ou a rutura pode ser mais séria:

– Alguém chama estúpido a alguém e dá um pontapé numa porta

– O aniversário do companheiro é esquecido

– Um caso extraconjugal

 

Um dos aspectos das ruturas é que elas – em si mesmas – nada dizem sobre as perspetivas de sobrevivência de uma relação.

Podem dar-se ruturas bastante graves e constantes sem rompimento da relação.

Ou pode haver um ou dois momentos de tensão por causa de uma pequena discordância – e as coisas vão em direcção à derrocada.

O que determina a diferença é algo que os psicoterapeutas estão especialmente interessados em ensinar-nos:

A capacidade para o que eles chamam “reparação”.

A reparação refere-se ao trabalho necessário para que duas pessoas recuperarem a confiança uma na outra.

E ao mesmo tempo, restaurem a sua imagem na mente do outro como alguém que é essencialmente decente e simpático e que pode ser um intérprete “suficientemente bom” das necessidades do companheiro.

 

Para os psicoterapeutas, todas as relações estão sujeitas a momentos de frustração ou como o termo indica, de ‘rutura’

 

Como a psicoterapia salienta, a reparação não é apenas uma capacidade entre outras, é sem dúvida o determinante central da maturidade emocional de cada um; é o que nos identifica como verdadeiros adultos.

 

A boa reparação depende de pelo menos quatro capacidades:

 

  1. A capacidade de pedir desculpa

Um pedido de desculpa pode não ser tão fácil como parece, pois não são apenas algumas palavras calorosas que se tem de dizer, o verdadeiro custo é para o amor-próprio da pessoa.

Se alguém já está perto de não se sentir bem consigo mesmo, então o apelo a admitir mais alguma coisa – assumir ser ainda mais controlador, emocionalmente desequilibrado, temperamental ou vaidoso – pode parecer uma exigência demasiado grande.

Podemos optar por cavar um fosso maior e não mostrar arrependimento, não por estarmos muito satisfeitos connosco próprios, mas precisamente porque a nossa falha nos parece tão dolorosamente óbvia – e não nos dá confiança para imaginarmos que um pedido nosso de desculpas poderia despertar no outro o tipo de paciência e bondade que desejamos – e, ainda assim, sentimos que não merecemos.

 

  1. A Capacidade de Perdoar

Também pode haver dificuldade em aceitar um pedido de desculpas.

Para o fazermos, temos de compreender que pessoas boas (o que nos inclui) podem acabar por fazer coisas muito más – não porque sejam “más”, mas porque estão esgotadas ou tristes, preocupadas ou abatidas.

Uma perspectiva compreensiva dá-nos o ímpeto para procurar as razões mais generosas pelas quais pessoas fundamentalmente boas se podem comportar muito mal em certos momentos.

Quando este tipo de perdão parece impossível, os terapeutas falam de uma manobra da mente conhecida como “clivagem”, uma tendência para declarar algumas pessoas como sendo inteiramente boas e outras, tão simplesmente, completamente horríveis.

 

A boa reparação depende de pelo menos quatro capacidades: pedir desculpa, perdoar, ensinar e aprender.

 

Ao dividir a humanidade desta forma, protegemo-nos de sentir os desapontamentos inevitáveis ou a ambivalência adulta.

Ou alguém é puro e perfeito e podemos amá-lo sem reservas ou – de repente – são terríveis e nunca poderemos perdoá-los.

Agarramo-nos à rutura porque ela confirma uma história que, embora profundamente triste a um certo nível, também parece muito segura:

– Que os grandes compromissos emocionais são invariavelmente muito arriscados, que não se pode confiar nos outros, que a esperança é uma ilusão – e que estamos basicamente sozinhos.

 

  1. A capacidade de ensinar

Por detrás de uma rutura reside frequentemente uma tentativa falhada de uma pessoa “ensinar” algo a outra.

Estavam a tentar transmitir algo quando perderam a calma ou ficaram amuados:

Por exemplo, algo sobre como estar junto de outros membros da família, o que fazer no que diz respeito ao sexo, a educação dos filhos ou como lidar com o dinheiro.

No entanto, o esforço correu mal e a arte de bem ensinar foi esquecida, uma arte que se baseia, surpreendentemente, num grau de pessimismo sobre a capacidade da outra pessoa para compreender o que queremos dela.

Os bons professores não estão à procura de resultados miraculosos. Eles sabem como a mente humana pode ser resistente a novas ideias.

Engolem uma dose muito grande de pessimismo sobre uma comunicação interpessoal bem-sucedida, de modo a manterem-se calmos e de bom humor em torno das inevitáveis frustrações nas relações.

Não gritam porque, desde o início, não acreditaram em simetrias totais da mente.

Quando tentam transmitir algo, não pressionam demasiado. Dão tempo ao seu ouvinte e conhecem a defensividade – e, como alternativa, aceitam que podem ter de respeitar duas realidades diferentes.

No final, eles podem suportar e aceitar que serão sempre um pouco incompreendidos mesmo por alguém que os ame muito.

 

A reparação é o determinante central da maturidade emocional de cada um; é o que nos identifica como verdadeiros adultos.

 

  1. A capacidade de aprender

Pode parecer muito mais fácil ficar ofendido com alguém do que ousar imaginar que ele pode ter algo importante para nos dizer.

Podemos preferir ficar presos à forma como eles nos comunicaram algo, em vez de abordar a substância do que estão a tentar transmitir.

Não é fácil reconhecer que ainda somos principiantes numa série de áreas.

“O bom reparador” é, em última análise, um bom aprendiz: ele tem plena consciência do quanto ainda lhe falta aprender e não se sente humilhado com isso.

Não é uma surpresa ou um motivo de alarme que alguém possa criticar.

É apenas um sinal de que uma alma bondosa está suficientemente investida no seu desenvolvimento para ver áreas de imaturidade – e, na segurança de uma relação, oferecer algo com que quase ninguém de outro modo se incomodaria: feedback.

 

Na tradição japonesa dos Kintsugi, os potes e os vasos partidos são artisticamente consertados usando uma laca misturada com pó de ouro e exibidos como obras de arte preciosas, como forma de enfatizar a dignidade e a importância da arte de reparar.

Devíamos fazer algo parecido com as nossas histórias de amor.

É bom ter uma relação sem momentos de rutura, sem dúvida, mas é uma grande conquista e de enorme nobreza saber reparar as coisas amiúde com aqueles fios preciosos de ouro emocional: autoaceitação, paciência, humildade, coragem e muita ternura.

Traduzido/adaptado por Pedro Martins a partir de

Rupture and Repair- Alain de Botton

O desejo de agradar quando conhecemos alguém - Pedro Martins Psicólogo Clínico Psicoterapeuta

O desejo de agradar

Quando conhecemos alguém por quem nos sentimos atraídos temos o forte desejo de agradar.

E, com naturalidade, assumimos que a melhor forma de o fazer é mostrar repetidamente o quanto estamos em sintonia com as suas opiniões e escolhas.

Nos primeiros encontros, quando por acaso mencionam que adoram dançar, mostraremos, portanto, que também gostamos muito.

Ou quando referem que acham os museus aborrecidos, esconderemos que numa viagem a Madrid no ano passado, passamos um dia encantador no Museu do Prado.

Podemos não estar a mentir, mas estamos a esticar e a dobrar a verdade até aos seus limites, de modo a criar uma sensação de entendimento quase total.

A nosso desejo de agradar pode atingir o auge em torno do sexo:

Não podemos, naturalmente, arriscar-nos a introduzi-los nos caminhos reais da nossa imaginação erótica. Apenas afirmamos querer (por milagre) exactamente o que eles querem.

Ao longo do caminho, raramente nos ocorre que eles possam estar a fazer o mesmo connosco.

Ou seja, que também estejam a ajustar a sua auto-apresentação de formas subtis mas poderosas, para se adaptarem ao que consideram ser as nossas preferências e valores.

Há um aspecto tragicómico no aprofundamento da nossa atracção mútua.

Duas pessoas sérias estão a tentar ser tão simpáticas quanto podem.

Ninguém está a tentar enganar e, no entanto, gradualmente, um conjunto de ideias extremamente enganadoras e perigosas sobre quem cada pessoa realmente é, estão a formar-se.

O nosso enorme desejo de agradar pode encorajar-nos a viver juntos e, mais tarde, em casar.

E, então – inevitavelmente – o escrutínio prolongado e íntimo revelará a escala das nossas expectativas equivocadas.

Desilusão após desilusão, cada um de nós ficará triste, desapontado e chocado ao descobrir com quem nos juntámos.

 

Quando nos sentimos atraídos temos o forte desejo de agradar e assumimos que a melhor forma de o fazer é mostrar que temos os mesmos gostos

 

Surgirão recriminações, discussões e reconciliações frágeis, até que, uma das partes chegue à triste conclusão, mas ainda assim surpreendente, de que nunca existiu compatibilidade.

Também podemos ignorar isso e continuar numa crescente infelicidade.

As férias jamais envolverão visitas aos museus que tanto gostamos.

Teremos de nos resignar a nunca termos tido o tipo de sexo que desejamos.

Ou, ainda mais grave, acabaremos por embarcar numa vida dissimulada; aproveitaremos os momentos em que eles estão longe para perseguir necessidades que fingimos não ter.

Até que um dia a nossa vida dupla seja exposta – e afogar-nos-emos em amargura, fúria, tristeza e arrependimento.

No entanto, na origem de tais pesadelos esteva apenas um enternecedor, mas arriscado e dolorosamente falhado, desejo de estabelecer uma combinação perfeita.

Queríamos simplificar, mas acabámos por criar com uma enorme confusão.

Uma abordagem verdadeiramente mais simples deve ser algo complexa desde o início.

Quando surge o tema da dança, o sensato é dizer imediatamente que não gostamos de dançar.

Em relação aos museus devemos afirmar com franqueza a paixão por esses espaços.

Quando se trata das rotinas e gostos, devemos ousar mencionar o prazer que temos numa cozinha muito bem limpa e arrumada ou explicar que precisamos de uma hora para realmente acordar.

Não há necessidade de ser petulante ou exigente. E não há nenhuma exigência de que o nosso par esteja de acordo ou que tenha de ficar para além da sobremesa.

Alguns fugirão, e é melhor que fujam.

 

Ser sincero nos encontros amorosos é uma forma de duas pessoas não perderem tempo e pouparem-se a previsíveis desgostos

 

A fim de revelar as nossas verdades, precisamos de um sentido básico de aceitação.

Temos de saber que não somos perfeitos, mas isso não nos torna desprezíveis ou vergonhosos.

A nossa atitude em relação à cozinha pode ser um pouco excessiva sem ser doentia.

O nosso acordar pode ser pouco convencional, mas é perfeitamente são.

Em torno do sexo, sabemos que uma preferência pode ser estatisticamente invulgar sem ser reprovável.

A nossa convicção interior de que as nossas particularidades são essencialmente razoáveis permite que nos apresentemos a outra pessoa sem medo ou de forma defensiva.

A nossa franqueza dá-nos o direito de pedir ao outro que revele – com semelhante honestidade – o que pode ser pessoal e difícil sobre si próprio.

Se eles insistirem que são realmente muito simples e ”fáceis”, podemos ser gentis mas firmemente cépticos.

Eles são humanos, e ser humano é ser complicado.

É impossível que eles não tenham imensas peculiaridades.

Raramente o problema com quaisquer parceiros potenciais passa por serem demasiado estranhos, mas em não aceitarem a sua especificidade ou não encontrarem uma linguagem que lhes permita apresentar-se aos outros de uma forma que possa ser plausivelmente compreendida e aceite.

Ser sincero nos encontros amorosos é um mecanismo para que duas pessoas não percam tempo – e para se pouparem à agonia no processo.

Devemos saber que uma superfície polida não é uma imagem verdadeira de uma pessoa.

Somente depois de esboçadas as nossas complexidades mútuas, podemos sentir, com enorme alívio, que estamos na presença de uma pessoa madura.

Teremos relações tão simples quanto desejamos, quando nos atrevermos a revelar e a acolher as complexidades reais da natureza humana.

 

Traduzido/adaptado por Pedro Martins

a partir de “Being honest on a date” – Alain de Botton

Por que precisamos sentir-nos escutados - Pedro Martins Psicoterapeuta Psicólogo Clínico

Por que precisamos sentir-nos escutados?

Um dos nossos desejos mais profundos – talvez mais profundo do que nos apercebemos – é sermos escutados e que as outras pessoas reconheçam alguns dos nossos sentimentos.

Queremos que – em momentos-chave – o nosso sofrimento seja compreendido, as ansiedades notadas e a nossa tristeza legitimada.

Não queremos que os outros concordem necessariamente com todos os nossos sentimentos, mas desejamos que, pelo menos, os validem.

 

Quando estamos furiosos, queremos que a outra pessoa diga:

Vejo que chegaste ao teu limite. Imagino que neste momento queiras desaparecer.

Quando estamos tristes, queremos que alguém diga:

Sei que estás em baixo e compreendo porque estás assim.

E quando já não aguentamos mais nada, queremos que alguém diga empaticamente:

Tem sido demasiado para ti; reconheço-o facilmente; claro que sim.

 

Parece absurdamente simples, e, de certa forma é. E, no entanto, tão pouco deste néctar emocional do reconhecimento recebemos de facto, ou presenteamos uns aos outros.

O hábito dos nossos sentimentos não serem devidamente escutados e reconhecidos começa na infância.

Os pais, mesmo os mais amorosos, escorregam frequentemente neste domínio.

Não é que teoricamente não se preocupem intensamente com os seus filhos, mas que não estimem que o verdadeiro cuidado envolve reflectir regularmente o estado de espírito das crianças – em vez de afastar subtilmente esses estados de espírito ou negar que eles existem.

Aqui estão algumas trocas típicas entre pais e filhos em que não se dá esse reconhecimento:

Criança: Estou a sentir-me triste.

Pai: Não sejas tonto, não pode ser, estamos de férias.

 

Criança: Estou realmente preocupada.

Pai: Querida, isso é ridículo, não há nada a recear aqui.

 

Criança: Quem me dera que nunca mais houvesse escola.

Pai: Não sejas tão tonto. Despacha-te que temos de sair de casa às oito.

 

Amamos tanto os nossos filhos, que não queremos imaginar que eles possam estar tristes ou preocupados, perdidos ou a passar um momento terrivelmente difícil na escola

 

Como as coisas poderiam ser diferentes, e a criança teria uma oportunidade de crescer de outra forma, se tais diálogos fossem ligeiramente afinados: se, por exemplo, os pais dissessem:

 

‘É realmente esquisito como podemos ficar tristes nos momentos mais estranhos, como nas férias…’

Ou: ‘Vejo que estás assustado: aquele vento lá fora está realmente muito forte…’

Ou: ‘Deve ser horrível começar a manhã logo com duas aulas de matemática, particularmente depois de um fim-de-semana tão agradável…’

 

Há uma razão pela qual não reconhecemos as coisas como poderíamos: o medo.

Os sentimentos que afastamos são todos, de uma forma ou de outra, emocionalmente inconvenientes, perturbadores ou aborrecidos:

Amamos tanto os nossos filhos, que não queremos imaginar que eles possam estar tristes ou preocupados, perdidos ou a passar um momento terrivelmente difícil na escola.

Além disso, podemos pensar que ao reconhecer um sentimento difícil, o tornará muito pior do que é. Isso significará fomentá-lo indevidamente ou ceder inteiramente a ele.

Receamos que, se dermos um pouco de espelhamento imparcial aos nossos filhos, possamos estar a encorajá-los a tornarem-se depressivos, cronicamente tímidos ou inteiramente resistentes à autoridade.

Mas é exactamente o oposto. Uma vez escutados, os nossos filhos não se afundam nos sentimentos que os assolam, mas libertam-se deles.

A pessoa zangada fica menos enfurecida quando a dimensão da sua frustração é reconhecida.

A criança rebelde cresce mais, e fica mais inclinada a cumprir e aceitar as normas quando os seus sentimentos de querer incendiar a escola, partir os óculos ao director e fugir para uma ilha deserta tiverem sido escutados e identificados.

Os sentimentos tornam-se menos fortes assim que lhes é dado espaço para se expressarem. Tornamo-nos “bullies” quando ninguém nos ouve, e nunca porque nos ouviram em demasia.

 

Um dos nossos desejos mais profundos é sermos escutados e que as outras pessoas reconheçam alguns dos nossos sentimentos

 

O problema dos sentimentos não reconhecidos não acaba – infelizmente – com a infância. Os casais passam rotineiramente pelo mesmo. Por exemplo:

 

Parceiro 1: Às vezes sinto que não me ouves…

Parceiro 2: Só podes estar a brincar comigo; eu dedico-me tanto a esta relação. 

 

Parceiro 1: Estou preocupado com a possibilidade de ser despedido

Parceiro 2: Isso não é possível, trabalhas tanto.

 

O caminho para um divórcio litigioso ou para um caso extraconjugal começa a traçar-se.

 

A boa notícia é que é possível melhorar bastante as coisas com muito pouco esforço.

Basta, simplesmente, aprendermos a mudar a forma como habitualmente respondemos às afirmações daqueles que nos interessam.

Só precisamos reconhecer os seus sentimentos, mesmo os potencialmente embaraçosos, durante alguns momentos, usando certas frases mágicas:

 

Eu vejo que tu precisas muito de…

Tu deves estar a sentir-te tão…

Compreendo perfeitamente que…

 

Tais frases podem mudar o curso das vidas. A pessoa que precisa que os seus sentimentos sejam reconhecidos quase nunca usará isso como licença para aumentar a sua angústia ou culpa.

As leis da psicologia ditam que uma crise começa imediatamente a desvanecer uma vez que um simples espelhamento sem julgamento tenha tido lugar.

 

A pessoa zangada fica menos enfurecida quando a dimensão da sua frustração é escutada e reconhecida

 

Não precisamos de ser escutados por todos. Podemos suportar muitos sentimentos não reconhecidos quando determinadas pessoas – algumas delas na nossa infância, e idealmente uma delas no nosso “quarto” e no nosso círculo de amizades – de vez em quando nos escuta e nos faz voltar para nós.

Aquele que reclama, a pessoa movida por um desejo rígido de que todos os outros a ouçam, evidencia as consequências assustadoras de nunca ter sido ouvida quando isso era importante.

Quase não há limite para o que podemos estar dispostos a fazer por aqueles que nos prestam a imensa honra, psicologicamente redentora, de ocasionalmente nos escutarem, reconhecendo o que realmente estamos a sentir, por estranho, melancólico ou inconveniente que possa ser.

 

Traduzido/adaptado por Pedro Martins

a partir de: Why We Need to Feel Heard – Alain de Botton

A História da Solidão - Pedro Martins Psicoterapeuta Psicólogo Clínico

A História da Solidão

Até há cerca de um século atrás, quase ninguém vivia sozinho; Como é que a vida moderna se tornou tão solitária?

Nós temos fome de intimidade; vamos secando sem ela. E no entanto, muito antes da actual pandemia, o isolamento forçado e o distanciamento social, os humanos tinham começado afastar-se e isolar-se.

Antes dos tempos modernos, muito poucos seres humanos viviam sozinhos.

Lentamente, há não muito mais de um século, isso mudou.

Nos Estados Unidos, mais de uma em cada quatro pessoas vive agora sozinha; em algumas partes do país, especialmente nas grandes cidades, essa percentagem é ainda mais elevada.

Podemos viver sozinhos sem nos sentirmos sós, e podemos sentir-nos sós sem vivermos sozinhos, mas as duas coisas estão intimamente ligadas, o que torna o confinamento muito mais difícil de suportar.

A solidão, escusado dizê-lo, é terrível para a saúde.

Em 2017 e 2018, o antigo cirurgião-geral americano Vivek H. Murthy declarou a existência de uma “epidemia de solidão”, e o Reino Unido nomeou um ministro da Solidão.

Para diagnosticar esta doença, os médicos da U.C.L.A. desenvolveram uma Escala de Solidão.

 

Com frequência; por vezes; raramente; ou nunca se sente desta forma?

– Estou infeliz por fazer tantas coisas sozinho.

– Não tenho ninguém com quem falar.

– Não posso tolerar sentir-me tão só.

– Sinto-me como se ninguém realmente me compreendesse.

– Já não estou próximo de ninguém.

– Não há ninguém a quem possa recorrer.

– Sinto-me isolado dos outros.

 

“Solidão” é um termo em voga e, como todos os termos em voga, cobre todo o tipo de coisas que a maioria das pessoas prefere não nomear e não tem ideia de como resolver.

 

Antes dos tempos modernos, muito poucos seres humanos viviam sozinhos. Como é que a vida moderna se tornou tão solitária?

 

Há muitas pessoas que gostam de estar sozinhas.

Eu própria gosto de estar sozinha. Mas o isolamento, que é uma coisa de que eu gosto, é diferente da solidão, que é uma coisa que detesto.

A solidão é um estado de profunda angústia.

Os neurocientistas apresentam a solidão como um estado de hipervigilância cujas origens se encontram entre os nossos antepassados primatas e no nosso próprio passado de caçadores-coletores.

Grande parte da investigação neste campo foi conduzida por John Cacioppo, no Center for Cognitive and Social Neuroscience, na Universidade de Chicago.

Cacioppo, que morreu em 2018, era conhecido como o Dr. Solidão.

No novo livro “Together: The Healing Power of Human Connection in a Sometimes Lonely World” (Harper Wave), Murthy desenvolve a teoria evolutiva da solidão de Cacioppo, que foi testada por antropólogos da Universidade de Oxford.

Estes traçaram as suas origens desde há cinquenta e dois milhões de anos, até aos primeiros primatas.

Os primatas precisam de pertencer a um grupo social íntimo, a uma família ou a um bando, para poderem sobreviver.

Isto é especialmente verdade para os humanos (humanos que não conhecemos podem muito bem matar-nos; problema que não é partilhado pela maioria dos outros primatas).

Estar separado do grupo – quer esteja sozinho ou se encontre entre um grupo de pessoas que não o conhecem e não o entendem – desencadeia uma resposta de luta-ou-fuga.

Cacioppo argumentou que o corpo interpreta o estar sozinho, ou estar com estranhos, como uma emergência.

“Ao longo de milénios, esta hipervigilância em resposta ao isolamento ficou incorporada no nosso sistema nervoso e produz a ansiedade que associamos à solidão”, refere Murthy.

A nossa respiração fica mais rápida, o coração acelera, a pressão arterial sobe e temos dificuldade em dormir.

 

Os neurocientistas apresentam a solidão como um estado de hipervigilância

 

Agimos com medo, na defensiva e focados em nós próprios, o que afasta as pessoas que poderiam realmente ajudar-nos.

Desta forma, as pessoas solitárias não fazem o que mais as beneficiaria: juntar-se aos outros.

Evolutivamente falando, entrar em pânico enquanto se está sozinho é altamente adaptativo, mas num mundo em que as leis (na sua maioria) nos impedem de nos matarmos uns aos outros, e precisamos de trabalhar com estranhos todos os dias, é uma espécie de tiro pela culatra.

Murthy refere que a solidão está por detrás de uma série de problemas – ansiedade, violência, trauma, crime, suicídio, depressão, apatia política e até mesmo polarização política.

Pertencer é sentir-se em casa. “Estar em casa é ser conhecido”, escreve ele.

O lar pode ser em qualquer lugar. As sociedades humanas são tão intrincadas que as pessoas têm laços significativos e íntimos de todos os tipos, com toda a espécie de grupos de pessoas, mesmo à distância.

Você pode sentir-se em casa com amigos, no trabalho, num refeitório universitário, na igreja, num estádio, ou no café do seu bairro.

A solidão é a sensação de que nenhum lugar é “casa”.

“Em várias comunidades”, escreve Murthy, “conheci pessoas solitárias que se sentiam sem-abrigo, apesar de terem um tecto sobre as suas cabeças”.

Talvez aquilo que as pessoas que experimentam a solidão e as que são sem-abrigo precisem seja casas com outros seres humanos que as amem e precisem delas, e de saber que são necessárias na sociedade. Isto não é uma agenda política. Isto é uma acusação à vida moderna.

Em “A Biography of Loneliness: The History of an Emotion” (Oxford), a historiadora britânica Fay Bound Alberti define a solidão como:

“Um sentimento cognitivo consciente de afastamento ou separação social dos outros significativos”.

 

Algumas pessoas referem que o sucesso das redes sociais é produto de uma epidemia de solidão

 

Alberti opõe-se à ideia de que a solidão é universal, trans-histórica, e a fonte de tudo o que nos aflige.

Ela argumenta que a condição verdadeiramente não existia antes do século XIX, pelo menos de forma crónica.

Não é que as pessoas – viúvas e viúvos, os muito pobres, os doentes e os marginalizados – não se sintam sós, mas como não era possível sobreviver sozinho, e sem ligações a outras pessoas por laços de afecto, lealdade e dever, a solidão era uma experiência passageira.

Os monarcas eram, provavelmente, solitários crónicos. Mas, para a maioria das pessoas comuns, a vida diária envolvia teias muito intrincadas de dependência, troca e abrigo partilhado, que ser cronicamente ou desesperadamente solitário era sinónimo de estar a morrer.

A palavra “solidão” raramente aparece em inglês antes de cerca de 1800.

Robinson Crusoe estava sozinho, mas nunca solitário.

Uma excepção é “Hamlet”: Ophelia sofre de “solidão” e acaba por suicidar-se por afogamento.

A solidão moderna, na opinião de Alberti, é filha do capitalismo e do secularismo.

“Muitas das divisões e hierarquias que se desenvolveram desde o século XVIII – entre Eu e o mundo, individual e colectivo, público e privado – foram naturalizadas através da política e da filosofia do individualismo”, refere Alberti.

“Será coincidência que o idioma da solidão tenha surgido ao mesmo tempo?” Não é uma coincidência.

O aumento da privacidade, ela própria um produto da economia de mercado – a privacidade é algo que se compra – é um factor de solidão.

Tal como o individualismo, pelo qual também se tem de pagar.

O livro de Alberti mostra que independentemente do ângulo que se olha para a epidemia de solidão ela está intimamente associada a viver-se sozinho.

 

Pela primeira vez na história da humanidade, um grande número de pessoas optam por permanecer solteiras.

 

Se viver sozinho torna as pessoas solitárias ou se as pessoas vivem sozinhas porque estão sós pode ser mais difícil de dizer, mas a preponderância das provas apoia a primeira: é a força da história, e não o exercício da escolha, que leva as pessoas a viver sozinhas.

Este é um problema para as pessoas que tentam combater uma epidemia de solidão, porque a força da história é implacável.

Antes do século XX, de acordo com os melhores estudos demográficos longitudinais, cerca de cinco por cento de todos os agregados familiares (ou cerca de um por cento da população mundial) eram constituídos por apenas uma pessoa.

Este número começou a aumentar por volta de 1910, impulsionado pela urbanização, pelo declínio dos trabalhadores por conta de outrem, pela diminuição da taxa de natalidade e pela substituição da família tradicional, multigeracional, pela família nuclear.

Quando David Riesman publicou “The Lonely Crowd”, em 1950, nove por cento de todas as famílias eram constituídas por uma única pessoa.

Em 1959, a psiquiatria descobriu a solidão, num subtil ensaio da psicanalista alemã Frieda Fromm-Reichmann.

“A solidão parece ser uma experiência tão dolorosa e assustadora que as pessoas farão praticamente tudo para a evitar”, escreveu ela.

“O desejo de intimidade interpessoal existe em todo o ser humano desde a infância e faz-se presente pela vida fora e não há ser humano que não esteja ameaçado pela sua perda” (Frieda Fromm-Reichmann).

As pessoas que não são solitárias têm tanto medo da solidão que evitam os solitários, com medo de que a condição possa ser contagiosa.

E as pessoas que estão sozinhas ficam tão horrorizadas com o que estão a viver que se fecham e ficam obcecadas consigo próprias.

 

Podemos viver sozinhos sem nos sentirmos sós, e podemos sentir-nos sós sem vivermos sozinhos, mas as duas coisas estão intimamente ligadas.

 

“Isso produz a triste convicção de que ninguém mais experienciou ou alguma vez sentirá o que está a experienciar ou experienciou”, escreveu Fromm-Reichmann.

A tragédia da solidão é que as pessoas solitárias não conseguem ver que muitas pessoas se sentem da mesma forma.

“Durante o último meio século, a nossa espécie embarcou numa notável experiência social”, escreveu o sociólogo Eric Klinenberg em “Going Solo: The Extraordinary Rise and Surprising Appeal of Living Alone“, de 2012.

“Pela primeira vez na história da humanidade, um grande número de pessoas – de todas as idades, em todos os lugares, de todas as convicções políticas – optam por permanecer solteiras.

A partir dos anos sessenta, a percentagem de famílias unitárias cresceu a um ritmo muito mais acentuado.

Foi impulsionada por uma elevada taxa de divórcios, uma taxa de natalidade ainda em queda e uma maior longevidade em geral. (Após a ascensão da família nuclear, os idosos começaram a residir sozinhos, com as mulheres a viverem normalmente mais tempo do que os seus maridos).

Cacioppo iniciou a sua investigação nos anos noventa, altura em que os seres humanos estavam a construir uma rede de computadores, para nos ligar a todos.

Empenhado na compressão do que leva as pessoas a optar por viverem sozinhas, Klinenberg, a partir da sua própria história, refere:

“Suponho que eu era um deles. Tentei viver sozinho quando tinha vinte e cinco anos, porque me parecia importante.

Possuir um móvel que não encontrara na rua pareceu-me significativo, um sinal de que tinha atingido a maioridade e podia pagar a renda.

Podia dar-me ao luxo de comprar privacidade, posso dizer agora, mas naquela altura teria dito que me tinha tornado “a minha própria pessoa”.

 

A solidão, escusado dizê-lo, é terrível para a saúde.

 

Durou apenas dois meses. Não gostava de ver televisão sozinho, e também não tinha televisão, e esta, se não era a idade de ouro da televisão, era a idade de ouro dos “The Simpsons”, por isso comecei a ver televisão com a pessoa que vivia no apartamento ao lado. Fui morar com ele, e depois casámos.”

Esta experiência pode não se enquadrar tão bem na história que Klinenberg conta; ele argumenta que as tecnologias de comunicação em rede, a começar pela adopção generalizada do telefone, nos anos cinquenta, ajudaram a tornar possível viver sozinho.

Rádio, televisão, internet, redes sociais: podemos sentir-nos em casa online. Ou não.

O influente livro de Robert Putnam sobre o declínio dos laços comunitários americanos, “Bowling Alone“, foi publicado em 2000, quatro anos antes do lançamento do Facebook, que monetizou a solidão.

Algumas pessoas dizem que o sucesso das redes sociais foi produto de uma epidemia de solidão; outras pessoas referem que contribuiu para isso; e há quem refira que é o único remédio para a solidão.

Ligue-se! Desligue-se! The Economist declarou que a solidão é “a lepra do século XXI”. A epidemia continua a crescer.

 

A tragédia da solidão é que as pessoas solitárias não conseguem ver que muitas pessoas se sentem da mesma forma.

 

Não se trata de um fenómeno particularmente americano. Sendo comum viver sozinho nos Estados Unidos, é ainda mais comum em muitas outras partes do mundo.

Entre elas, a Escandinávia, Japão, Alemanha, França, Reino Unido, Austrália e Canadá, e está em ascensão na China, Índia e Brasil.

Viver sozinho funciona melhor em nações com fortes apoios sociais.

Funciona pior em lugares como os Estados Unidos. É melhor ter, não só Internet, mas também uma rede de segurança social.

Depois começou o grande confinamento global: isolamento forçado, distanciamento social, encerramentos e restrições.

O Zoom é melhor do que nada. Mas por quanto tempo?

A pandemia é uma experiência terrível, assustadora, um teste à capacidade humana de suportar a solidão.

 

Traduzido/adaptado por Pedro Martins

A partir de “The History of Loneliness” – Jill Lepore

 

 

 

 

Realismo Romântico - Pedro Martins Psicoterapeuta Psicólogo Clínico

“Realismo Romântico”

“Realismo romântico” – Sete regras para evitar uma separação

 

Esperamos que o amor seja a fonte das nossas maiores alegrias. Mas, na prática, é um dos caminhos mais directos ​​para o tormento.

Poucas formas de sofrimento são tão intensas quanto as que experimentamos nos relacionamentos.

30% das pessoas que estão juntas descrevem-se como “activamente infelizes, mas incapazes de sair da relação”.

Os problemas começam porque, apesar de todas as estatísticas, somos optimistas crónicos sobre como o amor deve ser.

A gigantesca quantidade de informação não parece capaz de abalar a nossa fé no amor.

Milhares de divórcios passam à nossa frente mas parecem-nos todos irrelevantes.

Continuamos a não olhar para o amor como uma competência que pode ser aprendida.

Um dos nossos maiores erros em torno dos relacionamentos é imaginar que eles não são coisas sobre as quais podemos aprender e melhorar.

Na verdade podemos desenvolver uma competência emocional a que poderíamos chamar de “realismo romântico”.

De facto, como em todas as áreas, podemos melhorar a forma de amar outra pessoa.

 

Estamos prontos para um relacionamento quando:

1 – Aceitamos que a ideia de perfeição é irrealista

Devemos aceitar desde o início que qualquer pessoa com quem nos iremos relacionar estará muito longe da perfeição.

Somos seres imperfeitos. Quem quer que se junte a nós será imperfeito numa série de aspectos.

Devemos eliminar de forma definitiva a ideia de que as coisas seriam perfeitas com qualquer outra criatura desta galáxia.

Só pode haver um tipo de relacionamento e esse será “o suficientemente bom”.

Para que essa percepção se encaixe, é útil ter tido vários relacionamentos.

Não no sentido de encontrar “a pessoa certa”, mas para que se possa ter a oportunidade de descobrir em primeira mão e em vários contextos, a incontornável verdade: vistos de perto, todos temos muitas imperfeições.

 

Continuamos a não olhar para o amor como uma competência que pode ser aprendida

 

2 – Aprendermos a culpar o amor, não o nosso parceiro

Quando as dificuldades surgem nos relacionamentos, muitas vezes somos vítimas da ideia de que andamos a sair com uma pessoa um tanto ou quanto limitada.

A nossa tristeza deve ser culpa de alguém: e, naturalmente, concluímos que o culpado é o nosso parceiro.

Evitamos a conclusão mais verdadeira, mais sombria e mais simpática:

– Estamos a tentar fazer algo muito difícil, a qual quase ninguém consegue por completo.

No extremo, saímos do relacionamento cedo demais.

Em vez de ajustarmos as nossas ideias sobre o que são os relacionamentos em geral, mudamos as esperanças para novas pessoas que – confiamos ardentemente – não sofreram de nenhum dos problemas que experimentamos com o último parceiro.

Culpamos o nosso parceiro para não culpar o amor.

 

3 – Percebemos que o amor faz exigências irracionais aos nossos parceiros

O ideal romântico afirma que seremos mais agradáveis ​​para nosso parceiro do que para qualquer outra pessoa no mundo.

Eles foram escolhidos porque gostamos muito deles e, portanto, trazemos as nossas melhores partes para o relacionamento

Seremos muito melhores com eles do que, por exemplo, com qualquer um dos nossos amigos.

Mas a realidade é intrigante e decepcionantemente diferente.

Nós tendemos a nos tornar, se as coisas forem como planeámos, algo parecido com monstros no amor.

Provavelmente, seremos significativamente menos gentis com nosso parceiro do que com quase qualquer outro ser humano no planeta.

O que explica isso? Em primeiro lugar, há muito em jogo. Toda a nossa vida está em jogo.

 

Só pode haver um tipo de relacionamento e esse será “o suficientemente bom”

 

Amigos saem connosco à noite; os nossos desafios mútuos podem não ir além da necessidade de encontrar um bom restaurante.

Mas a pessoa que amamos torna-se, se as coisas vão bem, parte de alguns dos assuntos mais complexos e grandiosos que já empreendemos:

Pedimos que eles sejam os nossos amantes, os nossos melhores amigos, os nossos confidentes, enfermeiros, consultores financeiros, motoristas, nosso parceiro social e sexual.

Juntamente com eles, podemos criar um lar, gerar um filho, administrar as finanças da família, cuidar de pais idosos, gerir as nossas carreiras, sair de férias e explorar a nossa sexualidade.

A descrição do “trabalho” é tão longa e tão exigente que ninguém no mercado de trabalho poderia responder a uma pequena parte do exigido.

Pedir a alguém para estar connosco acaba por ser uma coisa incrivelmente exigente e, portanto, muito “mazinha” para propor a alguém a quem realmente desejamos o melhor.

O amor também nos dá a segurança de mostrar a um parceiro quem realmente somos – um privilégio que, na verdade, seríamos mais sábios e amáveis, se não compartilhássemos completamente com ninguém.

É – naturalmente – muito difícil viver connosco; mas ninguém se importou o suficiente para nos dizer.

 

4 – Estamos prontos para amar em vez de ser amados

Nós começamos por saber apenas o que é ser amado.

Para a criança, parece que mãe/pai está espontaneamente à mão para confortar, guiar, entreter, alimentar e cuidar, ao mesmo tempo que permanece quase sempre caloroso e alegre.

Muitos pais não revelam a frequência com que morderam a língua, lutaram contra as lágrimas e ficaram demasiado cansados ​​para se despirem depois de um dia a cuidar do filho.

Devemos renunciar um pouco ao desejo de ser amado e, em vez disso, esforçar-nos para amar.

 

É a capacidade de tolerar a diferença que é o verdadeiro indicador da pessoa certa

 

5 – Aceitamos que os relacionamentos exigem gestão

A pessoa romântica instintivamente vê os relacionamentos em termos de emoções.

Mas o que um casal consegue fazer ao longo da vida tem muito mais em comum com o funcionamento de uma pequena empresa.

Passa por elaborar listas de tarefas, limpar, cozinhar, reparar, arrumar, contratar, despedir, orçamentar, etc.

Nenhuma destas actividades tem qualquer tipo glamour.

Aqueles que são obrigados a fazê-las são, portanto, altamente propensos a ressentirem-se delas e sentir que algo deu errado nas suas vidas por terem que se envolver tão intimamente nelas.

E, no entanto, essas tarefas são o que é verdadeiramente “romântico” no sentido de “promover e sustentar o amor” e devem ser interpretadas como o alicerce de um relacionamento bem-sucedido.

 

6 – Entendemos que o sexo e o amor nem sempre estão em sintonia

A expectativa geral é que o amor e o sexo estejam em sintonia.

Mas, na verdade, eles não permanecem assim mais do que alguns meses ou, no máximo, um ou dois anos.

Isso não é culpa de ninguém.

Como nos relacionamentos a longo prazo existem outras preocupações importantes (companheirismo, gestão do lar, filhos), o sexo, provavelmente, será afectado.

Estamos prontos para entrar num relacionamento a longo prazo quando aceitamos um grande grau de resignação sexual e desenvolvemos a capacidade de sublimar.

 

7 – Percebemos que não somos assim tão compatíveis

Espera-se que a pessoa certa seja alguém que compartilhe os nossos gostos, interesses e atitudes gerais com a vida.

Isso pode ser verdade a curto prazo. Mas, ao longo do tempo, a relevância disso diminui drasticamente; as diferenças inevitavelmente emergem.

A pessoa que é verdadeiramente mais adequada para nós não é a pessoa que compartilha os nossos gostos, mas a pessoa que pode gerir as diferenças de maneira inteligente.

 

Devemos renunciar um pouco ao desejo de ser amado e, em vez disso, esforçar-nos para amar

 

É a capacidade de tolerar a diferença que é o verdadeiro indicador da pessoa certa.

A compatibilidade é uma conquista do amor; não deveria ser a sua pré-condição.

Muitas vezes queixamo-nos, em aspectos complicados dos nossos relacionamentos, de que o amor se tornou muito difícil.

Talvez estejamos a discutir constantemente sobre pormenores domésticos, talvez já tenha passado muito tempo desde que verdadeiramente nos divertimos.

As dificuldades não apenas nos angustiam em si mesmas, elas também nos podem parecer ilegítimas, contrárias às regras do amor – e um sinal de que o próprio relacionamento é um erro.

 

Este é um legado do Romantismo, uma ideologia que nos leva à crença inútil de que o amor não é algo para ser trabalhado, porque é um sentimento e não uma competência.

Precisamos apenas de nos render às nossas emoções e os nossos relacionamentos irão prosperar.

De facto, é exactamente o contrário.

Devemos estudar o amor da maneira como estudamos qualquer outro assunto importante.

Devemos aceitar com modéstia a necessidade de nos inscrevermos na escola do amor.

 

O curso do amor – Alain de Botton

Por que não me ama da forma que eu quero Pedro Martins Psicoterapeuta Psicólogo Clínico

Por que não me ama da forma que eu quero?

A verdadeira intimidade requer a rendição à forma como o nosso parceiro nos ama.

 

Quando insistimos em que os nossos parceiros mostrem o seu amor da forma que desejamos, podemos estar a evitar ter uma relação verdadeiramente íntima.

Podemos estar com dificuldade em apreciar a forma como o nosso parceiro expressa o seu amor e nos rendermos ao amor que ele oferece.

É possível que nos sintamos carentes quando os nossos parceiros não conseguem demonstrar o seu amor da forma que nós queremos.

Talvez eles não se lembrem do nosso aniversário, não nos tragam flores ou não cozinhem a nossa refeição preferida. Seria assim tão difícil para eles fazerem as coisas que nós queremos?

Provavelmente é difícil para eles, embora não esteja a dizer que não devam tentar. Mas se nos queixamos do que não estamos a receber sem apreciarmos o que recebemos, estamos a rejeitar uma parte muito íntima deles.

E nós não queremos rejeitá-los! Nós amamo-los. Nós amamos que eles nos amem. Queremos apenas que eles expressem o seu amor de forma diferente – da forma como nós queremos.

A forma como uma pessoa ama pode ser a expressão mais íntima de quem ela é; quando isso não é acolhido, pode ser sentido como uma rejeição profunda.

 

As Nossas Fantasias Sobre o Amor

Crescemos com fantasias de como será encontrar o nosso parceiro de vida. Estas ideias ou fantasias sobre o amor são muitas vezes baseadas nas nossas experiências com o amor, à medida que crescemos nas nossas famílias e na nossa cultura.

A partir da infância, desenvolvemos interacções minuto a minuto com os nossos familiares. A forma como somos amados pelos nossos cuidadores lança as bases para o sentimento de nós próprios em relação aos outros – como nos sentimos amados.

 

A verdadeira intimidade requer o reconhecimento de uma outra pessoa separada, com os seus próprios pensamentos, sentimentos, desejos – e formas de demonstrar amor.

 

À medida que crescemos, observamos como os nossos pais se amam; isto proporciona-nos o nosso primeiro modelo de um amor íntimo e romântico.

Mais tarde, ainda, somos empanturrados de representações culturais do amor: canções de amor, programas de televisão, filmes e afins.

Quando a realidade da nossa relação não coincide com as nossas fantasias, podemos ficar desapontados.

Podemos assumir que estamos com a pessoa errada. Ou podemos duvidar se eles nos amam de todo – afinal, se eles realmente nos amassem não fariam como nós desejamos?!

Há sempre um elemento de fantasia nas relações românticas. O romance envolve-nos no âmago do nosso ser, faz-nos recuar até à infância, por isso vai despertar algumas coisas bastante irracionais.

Mas se quisermos uma verdadeira intimidade, ela não será encontrada com alguém que preenche as nossas fantasias ou se encaixe nas nossas ideias de um parceiro “ideal”.

A verdadeira intimidade requer o reconhecimento de uma outra pessoa separada, com os seus próprios pensamentos, sentimentos, desejos – e formas de demonstrar amor.

 

Joana e Filipe

Considere este cenário: A Joana queixa-se que o Filipe não mostra o seu amor. Filipe refuta esta observação, enumerando todas as formas como ele mostra o seu amor.

Ele refere todas as vezes que deixou o que estava a fazer para correr em auxílio de Joana, mesmo quando sabia que ela estava apenas a ser hipocondríaca.

Joana concorda que pode sempre contar com ele, mas insiste que ele nunca lhe diz como ela é maravilhosa e como ele a admira.

Joana sempre imaginou encontrar um homem que a achasse bonita e inteligente.

Quando jovem, ela imaginava ser inundada com as palavras gentis e atenciosas que ouvia dos pais, mas desta vez, de um homem encantador. A família de Joana demonstrou o seu amor através palavras.

 

A forma como uma pessoa ama pode ser a expressão mais íntima de quem ela é

 

Joana está com um homem que não é um muito falador – ele prefere demonstrar o seu amor através de acções.

Quando questionada, Joana concorda prontamente que é amada por Filipe, mas continua a sentir esta ausência como uma pedra no sapato, que a faz questionar se Filipe é o homem certo para ela.

 

Intimidade e a Rendição ao Amor

Rendermo-nos à forma como um parceiro nos ama significa que valorizamos o seu ponto de vista – honramos a legitimidade da forma como pretendem que os seus actos ou palavras sejam recebidos.

Qualquer pessoa pode enviar-nos flores ou fazer-nos um elogio sem nos amar. No amor, é a intenção por detrás do acto que importa.

Quando simpatizamos com a perspectiva do nosso parceiro, achando-a tão válida como a nossa, expandimos o nosso sentido do que é aceitável – estamos em mudança.

Quanto mais aprendemos sobre o nosso parceiro e valorizamos a forma como ele vê as coisas, mais as acolhemos e maior é o nosso sentido de intimidade.

A rendição à forma como o nosso parceiro ama não nos diminui; não abandonamos a nossa própria perspectiva. O amor é aditivo – experimentamos o crescimento ao expandir o nosso sentido do que significa ser amado.

 

Traduzido/adaptado por Pedro Martins

A partir de: Why Doesn’t My Partner Love Me the Way I Want? – David Braucher

 

Intimidade Pedro Martins Psicoterapeuta Psicólogo Clínico

Intimidade

Duas pessoas só podem construir um verdadeiro sentimento de intimidade a partir da riqueza da experiência interior de cada uma, e com a clareza do que se sente e do que se é.

Ao pensar em intimidade, creio que, em geral, a esse pensamento estará associado um sentimento de tranquilidade, de bem-estar, de paz interior.

A intimidade será, assim, um bem que se deseja.

Para falar sobre intimidade é necessário compreender a pessoa.

E a primeira ideia que ocorre é a de que a capacidade de intimidade começa com a boa qualidade do contacto com o nosso mundo interno, com a nossa experiência de intimidade com nós mesmos. Em paz.

Em paz com as nossas memórias e com os nossos sentimentos.

Com as nossas certezas e com as nossas dúvidas, com a experiência daquilo que possuímos e com o desejo daquilo que ainda não alcançámos.

Em paz com o sentimento da limitação do que conhecemos e com o desejo de descobrir aquilo que ainda não sabemos.

É um ponto de chegada que não é fácil.

Considero que a capacidade de estar só é o fundamento da capacidade de estar bem, em intimidade, com alguém.

E a capacidade de estar só exige uma certa forma de viver o silêncio.

Tudo começa no princípio, na relação da mãe com o bebé, que organiza a relação que a criança em crescimento estabelece com o mundo.

Esta experiência inaugural é acolhida e mediada pela mãe, atenta a compreendê-la e a responder-lhe de forma harmoniosa, oportuna e sensível.

Para cada desconforto sensorial do filho, seja ele a necessidade de alimentação ou qualquer outra, a mãe, “sentindo o que ele sente”, traz-lhe a solução que permite reencontrar o “ bom estado”.

 

A intimidade entre duas pessoas é construída a partir da experiência interior de cada uma

 

Com a repetição deste encontro entre os dois – encontro de intimidade –  podemos imaginar que o bebé, quando sente de novo o mesmo desconforto, deseja reencontrar satisfação obtida “no passado”, que a mãe, atenta, lhe traz no “presente”.

O nosso mundo interno teve o seu início na experiência do contacto com um outro, quando a nossa história começa, quando o silêncio é quebrado por uma voz que nos fala.

A experiência individual primitiva começa, então, a organizar-se sob a forma de relação.

Na continuidade  da experiência da relação, a criança inicia um processo de  conhecimento de si mesmo que depende da reacção humana global que o adulto – em princípio, a mãe e o pai – têm perante ela, especialmente da qualidade dos afectos que lhe dirigem, das qualidades que lhe atribuem e da percepção que dela têm como ser humano em desenvolvimento, para o qual imaginam um certo tipo de futuro.

O outro é descoberto como distinto e diferente, mas semelhante, a partir do momento em que a criança começa a aperceber-se de que o adulto tem um mundo interno semelhante ao seu, isto é, feito de sentimentos e de desejos, de estados de prazer e de sofrimento. Portanto, vivendo uma experiência como a sua.

Com este outro estabelecem-se contactos significativos e organiza-se um sistema de comunicação, que começa pela troca de afectos e de fantasias e vem mais tarde a incluir a expressão verbal.

A troca dos afectos é um elemento fundamental para conseguir o prazer de uma relação humana.

Cada um tem uma ideia de qual é o afecto que dirige ao outro, e de qual é o afecto que o outro lhe dirige.

E a criança vai, assim, formando uma ideia do tipo de pessoa que ela própria é, e do tipo de pessoa que o outro é.

 

A capacidade de estar só é o fundamento da capacidade de estar em intimidade com alguém.

 

E isto a partir do que sente que é para o outro e do que sente que o outro é para si.

De um modo mais geral podemos dizer que, desde que começamos a existir os contactos de vária ordem que estabelecemos vão ficando registados, constituindo um depósito de memória, que conduz a uma aprendizagem.

Aprendemos a conhecer-nos a nós próprios e ao ambiente que nos rodeia.

Mas de tantas coisas que aprendemos neste mundo, só nos são verdadeiramente úteis aquelas que, além de as sabermos, conseguimos também sentir.

Essas passam a fazer parte de nós, e contribuem para que sejamos aquilo que somos, isto é, contribuem para a nossa experiência pessoal.

As coisas “sabidas” porque “sentidas” podem ser assimiladas em profundidade e permitem-nos aprender – no sentido mais fundo da palavra – com a experiência.

Este saber passa a constituir um património pessoal que não se perde, mesmo que as ações externas a que se ligava tenham que ser abandonadas.

Fica como uma riqueza pessoal adquirida. Torna-se uma nova capacidade, aberta a outras aquisições.

No desenrolar de todo este processo desenha-se com progressiva clareza o sentimento de que essa experiência é comunicável. Partilhável numa relação de intimidade.

Nesta vivência da intimidade, esse outro é sentido como diferente mas ao mesmo tempo semelhante. Não se trata de dar novidades mas de comunicar e partilhar uma experiência interior.

E volto à ideia de que a capacidade de estar só é um pressuposto  da construção da intimidade com uma outra pessoa.

 

A proximidade exige saber ouvir e saber-se ouvido

 

Mas é importante perceber que nunca se está só mesmo quando se está sozinho.

Porque se está perante o próprio mundo interno, povoado por um complexo conjunto de sentimentos, memórias e experiências, tudo organizado num conjunto mantido em unidade coerente pelo próprio sentimento de identidade, tudo vivido como uma história pessoal.

Duas pessoas só podem construir um verdadeiro sentimento de proximidade, uma relação de intimidade, a partir da riqueza da experiência interior de cada uma, e com a clareza do que se sente e do que se é.

É a partir daqui que o desejo de comunicação com outro se torna presente.

Um desejo de falar e um desejo de escuta que leva à experiência de proximidade, de semelhança, de sintonia, como que escutando em conjunto uma mesma música interior, que é a ressonância afetiva da experiência vivida.

É um viver em paz e com prazer a diferença, a partir da consciência da semelhança.

O encontro de intimidade com outro, para ser verdadeiramente satisfatório, supõe a disponibilidade para a descoberta e a capacidade de escuta, que, por sua vez, parte da experiência apaziguadora do encontro com um bom objecto de satisfação interno, o que permite a serenidade e a alegria.

A intimidade exige saber ouvir e saber-se ouvido. Exige uma percepção positiva do mundo interno do outro, o que se faz no silêncio.

O silêncio é a linguagem dos íntimos, quando não é um vazio, mas  um silêncio vivo, porque cada um sabe o que o outro sente ou pensa, e por isso não é preciso preencher com palavras um espaço que seria inquietante entre duas pessoas, na ausência de uma intimidade verdadeira.

 

A partir de: Silêncio e Intimidade –  João Seabra Diniz

O Medo de Ser Mau na Cama Pedro Martins Psicoterapeuta Psicólogo Clínico

O Medo de ser Mau na Cama

Em momentos de baixa auto-estima, pode ser difícil evitar o medo de que se possa – e isso pode explicar certos altos e baixos nos relacionamentos – ser “mau na cama”.

Três ansiedades tendem a predominar:

– Que nossos corpos não são suficientemente atraentes

– Não praticamos ou não conhecemos certas posições

– Que nos cansamos com demasiada facilidade

 

Estes receios reflectem a visão subjacente de que o sexo é predominantemente uma actividade física – e que, portanto, o “bom sexo” depende de ter uma grande resistência e flexibilidade corporal.

Desta forma arriscamos a não entender o que está no cerne do erotismo.

Embora tradicionalmente o sexo faça uso do nosso corpo, o prazer sexual pode estar mais relacionado com certas “posições mentais”.

Como a tecnologia nos mostra, é bem possível que duas pessoas provoquem um erotismo extraordinário enquanto os seus corpos estão perfeitamente encaixados ou sem tocarem um no outro.

Isto porque o erotismo é – na verdade – sobre algo completamente diferente: ideias, fantasias.

Ser um bom amante é, antes de tudo, uma competência da mente.

O sexo torna-se tanto mais agradável quanto mais funciona como uma libertação de muitas das ideias pré-concebidas do que é normal.

 

Mau na cama? O prazer sexual depende mais de certas “posições mentais” do que corporais.

 

O bom sexo permite-nos admitir e compartilhar uma enorme quantidade de pensamentos e fantasias que normalmente mantemos escondidas.

No bom sexo, ser-nos-á permitido – por exemplo – mostrar:

– Que estamos mais interessados em controlar e dominar alguém do que normalmente acontece na nossa vida não sexual

– Ou, pelo contrário, que estamos interessados em submeter-nos e sermos dominados.

– Podemos querer subverter as hierarquias da vida normal, explorando cenários de pilotos e assistentes de bordo, professores e estudantes, pacientes e médicos.

– Podemos confessar que, embora monógamos por natureza, a ideia de outras pessoas nos observarem ou se juntarem a nós excita-nos bastante.

– Ou podemos revelar que os nossos interesses eróticos não circulam – como é suposto – exclusivamente em torno dos genitais; que estamos muito mais interessados na nuca, nos pulsos ou mesmo sapatos ou collants.

– Podemos ter a coragem de desafiar as regras cronológicas normais, revelando que gostaríamos de passar mais tempo com as nossas roupas vestidas, ou despirmo-nos apressadamente.

Sexualidade é a excitação de nos sentirmos livres dos tabus restritivos do resto das nossas vidas. É um lugar seguro, onde podemos levar outra pessoa para o lado não inteiramente responsável, um pouco cruel e louco de nós.

Que alguém nos dê permissão para fazer isso, está no cerne do que é a sensualidade.

A pessoa que é boa na cama não é aquela que se sabe articular ritmicamente por longos períodos: é a pessoa que encoraja, defende e legitima os segredos do parceiro ao mesmo tempo que está muito consciente e é verdadeira com os seus próprios desejos.

Trata-se de uma mútua nudez da mente, tornada possível através da confiança.

 

Traduzido/adaptado por Pedro Martins

a partir de Alain de Botton

 

A Satisfação Conjugal Depende do Desejo Sexual das Mulheres - Pedro Martins Psicoterapeuta/Psicólogo Clínico

A Satisfação Conjugal Depende do Desejo Sexual das Mulheres

O declínio do desejo sexual nas mulheres prediz menor satisfação para ambos os parceiros.

O casamento é projectado para consolidar a permanência de um relacionamento, no entanto, muitos cônjuges ficam insatisfeitos com o casamento.

Os pesquisadores identificaram uma (outra) fonte potencial dessa insatisfação:

– Uma incompatibilidade na forma como os desejos sexuais dos casais mudam ao longo do tempo (McNulty et al., 2019).

McNulty e os seus colegas avaliaram, em casais heterossexuais recém- casados, o desejo sexual, a frequência, a satisfação conjugal e outras dimensões, como o stress e sintomas depressivos.

Eles também observaram se os recém-casados ​​tiveram filhos no decorrer do estudo.

Em dois estudos longitudinais (um de um ano e outro de quatro anos), os pesquisadores descobriram que em média, os níveis de desejo sexual das mulheres eram não apenas inferiores aos dos homens no início dos seus casamentos, mas também com muito mais variações ​​que nos homens.

Os níveis de desejo sexual dos homens permaneceram mais altos e mais constantes que os das mulheres ao longo dos dois estudos.

Além disso, declínios do desejo sexual das mulheres prediziam um declínio na satisfação conjugal nos dois membros do casal.

Curiosamente, embora a libido das mulheres tenha diminuído ao longo do tempo, a frequência das relações sexuais dos casais não diminuiu.

Isto sugere que as mulheres, provavelmente, tinham relações sexuais mesmo quando não o desejavam.

Como os dados foram recolhidos ao longo do tempo, os autores também avaliaram a possibilidade inversa – que a satisfação conjugal em declínio era preditiva de menos desejo sexual. No entanto, isso não foi suportado pelos dados.

 

Em média os níveis de desejo sexual das mulheres são inferiores aos dos homens.

 

Para os casais que tiveram filhos durante o decorrer do estudo, o desejo sexual das mulheres diminuiu ainda mais acentuadamente, mas o dos homens ainda tendia a permanecer estável.

No entanto, os autores enfatizam que, como os casais sem filhos também apresentaram declínios, a paternidade não é o único factor a influenciar a libido das mulheres e a satisfação conjugal dos casais.

Os autores sugerem que o desejo sexual nas mulheres pode funcionar não apenas para facilitar a reprodução, mas também para favorecer a ligação dos casais.

Eles especulam que, uma vez casadas, as mulheres podem não sentir uma necessidade tão grande de sexo para garantir o vínculo com os maridos.

Os pesquisadores referem que os resultados podem ser diferentes em casais homossexuais. Em futuros estudos é importante considerar outros grupos e culturas.

Além disso, os casais do estudo eram todos recém-casados; portanto, os autores acreditam que as correlações podem mudar para casais mais velhos ou não-casados.

Os pesquisadores também recomendam estudar os factores que podem prevenir/impedir o declínio do desejo nas mulheres, como “estar mais disposto a reconhecer e a responder às necessidades sexuais de um parceiro, tendo consciência que o sexo dá trabalho e o desejo tem flutuações”.

Referem que uma incompatibilidade no desejo sexual nos casais é normal e típico e os casais podem procurar resolver esses problemas com um terapeuta.

 

Traduzido/adaptado por Pedro Martins a partir de :

Relationship Satisfaction Is Closely Tied to Women’s Sexual Desire – Madeleine A. Fugère

Pensamento mágico. Pedro Martins Psicólogo clínico Psicoterapeuta

Pensamento Mágico

O termo pensamento mágico designa o pensamento que se apoia numa fantasia de omnipotência para criar uma realidade psíquica …

Identificação Projectiva. Pedro Martins - Psicólogo Clínico Psicoterapeuta

Identificação Projectiva

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